DÚVIDAS

Estar vs. está (Brasil)

Lendo trabalhos escolares da escola onde hoje leciono, deparei com um texto redigido por aluno e corrigido por um professor.

Texto do aluno: «Que motivos tenho eu para ESTAR falando sobre isso?»

Correção do professor: «Que motivos tenho eu para ESTÁ falando sobre isso?»

Sempre escrevi como o aluno escreveu. No meu raciocínio, se a locução equivale a falar, que está no infinitivo, o verbo auxiliar deve seguir a lógica desse verbo, atendendo ao seu tempo e ao seu modo. Assim aprendi. No caso, o infinitivo estaria flexionado na 1.ª pessoa do singular e, por isso, não apresenta desinência número-pessoal, o que dá a ele a aparência de um infinitivo não flexionado.

Questionado o professor, fui procurada por ele, que me afirmou o seguinte: «Trata-se de uma locução verbal, que equivale a "falar". Você deve estranhar o fato de a primeira pessoa do singular estar aqui, mas, como eu não poderia dizer "quem sou eu para ESTOU aqui", flexiono o verbo na terceira pessoa do singular, uma vez que o verbo auxiliar TEM DE ESTAR flexionado.»

Afinal, estou equivocada ao afirmar que o verbo estar, na frase «quem sou eu para ESTAR falando sobre isso» está, sim, flexionado? Ao que me consta, ele está na 1.ª pessoa do singular no modo infinitivo (no caso, pessoal e flexionado).

Por favor, gostaria de dirimir essa questão.

Resposta

Com certeza que, na frase apresentada — «quem sou eu para estar falando...» —, o verbo estar está a ser utilizado na 1.ª pessoa do singular do infinitivo flexionado. Se puséssemos a frase no plural, seria, naturalmente «quem somos nós para estarmos falando...», o que nos daria muito mais claramente, através da desinência da 1.ª pessoa do plural (-mos), a certeza de que estamos perante uma situação de infinitivo flexionado.

A explicação dada, de que «está falando» é uma locução verbal, não faz qualquer sentido, porque «estar falando» é também uma locução verbal, mas com o auxiliar no infinitivo. Além disso, quando a preposição para introduz uma oração, o verbo desta tem de estar obrigatoriamente no infinitivo (flexionado ou não flexionado); ou seja, uma oração com o verbo num tempo finito não é compatível com a preposição para: *«para está falando» é uma sequência agramatical.

Há, é certo, a possibilidade de para ocorrer no contexto de uma oração de tempo finito. Mesmo assim, nesse caso, a preposição faz parte da locução prepositiva para que, e o verbo tem de se encontrar no modo conjuntivo: «para que esteja/estivesse/tenha estado/tivesse estado falando».

Conclusão: quem está certa é você, professora Ana Luísa, e não o seu colega.

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