DÚVIDAS

«Estive a ler» (perfeito) vs. «estava a ler» (imperfeito)

Podia dizer-me a diferença entre «estive a ler durante 2 horas» e «estava a ler durante 2 horas», do ponto de vista do significado?

Para mim, são frases idênticas, porque na combinação de «estar a» + infinitivo há um aspeto de continuidade e, embora estive não seja um verbo na forma do imperfeito («estive a» infinitivo), a frase tem um sentido de duração, pois o verbo não precisa de estar na forma do imperfeito para transmitir a continuidade da ação.

E, formulando a questão de outra forma:

1. Estava a ler quando a Maria chegou

2. Estive a ler quando a Maria chegou

Há alguma diferença entre as duas frases do ponto de vista do significado?

Resposta

O pretérito perfeito do indicativo localiza uma situação num intervalo de tempo anterior ao momento de fala, descrevendo situações concluídas. Por essa razão, a frase apresentada em (1) descreve uma situação até ao seu ponto terminal (momento em que se deixou de ler):

(1) «Li durante duas horas.»

A combinação do verbo principal com o auxiliar aspetual «estar a» permite perspetivar a situação como durativa e, se o auxiliar for apresentado no pretérito perfeito, a situação é descrita como estando concluída:

(2) «Estive a ler durante duas horas.»

Ao contrário do pretérito perfeito, o imperfeito do indicativo não é adequado para descrever situações anteriores ao momento da enunciação. Este tempo pode, antes, ser usado para descrever a situação no seu decurso, perspetivando-a do seu interior, sem assinalar o seu início ou o seu fim. Por essa razão, frases simples como (3) ou (4) não são aceitáveis, porque nelas se combina o imperfeito com a sinalização do términus da situação.:

(3) «*Lia durante duas horas.»

(4) «*Estava a ler durante duas horas.»

No entanto, frases como (5) ou (6) já seriam aceitáveis porque a oração subordinada temporal «Sempre que ele lançava um livro» funciona como ponto de referência e o imperfeito passa a descrever situações que se repetem regularmente no passado:

(5) «Sempre que ele lançava um livro, eu lia durante duas horas.»

(6) «Sempre que ele lançava um livro, eu estava a ler durante duas horas.»

O imperfeito tem também a capacidade de atribuir duração a uma situação, como na frase (7), na qual este tempo verbal estabelece com a oração temporal uma relação de inclusão, ou seja, a oração «quando a Maria chegou» é incluída no interior da situação durativa «lia»:

(7) «Lia quando a Maria chegou.»

Este mesmo valor aspetual pode ser conseguido por meio da combinação do verbo principal com o verbo aspetual «estar a», que permite descrever a situação no seu decurso:

(8) «Estava a ler quando a Maria chegou.»

A frase (9) assinala a organização das situações num eixo temporal passado (1. «a Maria chegou»; 2. «li»):

(9) «Li quando a Maria chegou.»

O mesmo acontece em (10), que estabelece diferença com a frase (9) no facto de apresentar a situação descrita como ler como durativa (mas já concluída):

(10) «Estive a ler quando a Maria chegou.»1

Disponha sempre!

 

*assinala a inaceitabilidade da frase.

 

1. Para mais informações sobre os valores dos tempos verbais, cf. Fátima Oliveira in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 517-524.

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