DÚVIDAS

Formas de tratamento, pronomes pessoais e possessivos

Tenho duas dúvidas diferentes.

A primeira é: quando estou a falar com uma pessoa extremamente mais velha do que eu, uma senhora de 80 anos, por exemplo, posso utilizar os termos “si, consigo” mesmo que eu saiba o nome da senhora? Caso eu não tenha uma relação próxima com a senhora, seria falta de educação perguntar, por exemplo: «Está tudo bem consigo, Dona Maria?» Gostava de saber se é suficientemente formal.

A segunda dúvida é: Quando estou a falar com duas ou mais pessoas, considerando que eu as trato por “você”, um senhor e uma senhora, por exemplo, seria apropriado dizer termos como “convosco, vosso”? Para expressar alguma formalidade, o correto seria dizer: «Está tudo bem convosco?» ou «Está tudo bem com vocês?» Sei que “os senhores” também seria uma opção, mas não estou a referir-me a uma situação demasiado formal.

Agradeço desde já.

Resposta

É importante refletirmos, antes de mais, acerca do uso do pronome você em português de Portugal. Ainda hoje, no padrão do português europeu, o uso explícito você no tratamento entre interlocutores pode ser considerado pouco delicado ou ofensivo, nomeadamente pelos falantes mais cultos ou mais velhos. Assim, é mais polido usar formas mais tradicionais, como o senhor ou o nome da pessoa a quem nos dirigimos1.

Contudo, você torna-se forma de tratamento respeitosa em certas regiões e regionalmente ou socialmente marcada; em classes sociais mais altas, é até usado como forma de tratamento de intimidade. Por outro lado, é também verdade que há um alargamento notório do uso deste pronome como forma de tratamento, «principalmente entre as classes menos cultas e entre algumas pessoas das novas gerações, que generalizam o uso de você para se dirigirem, indiscriminadamente, a qualquer pessoa, contribuindo, assim, para atenuar distinções sociais ou geracionais» (Fundação Calouste Gulbenkian, Gramática  do Português, pág, 2710)

Quanto ao uso da forma especial do pronome oblíquo usada com a preposição com – consigo –, ou o uso de si, são formas aceitáveis mesmo no discurso mais polido e sem margem de ofensa. Contudo, alguns falantes acham que são formas, ainda assim, demasiado diretas, e, portanto, preferem associar-lhe as expressões nominais como as ilustradas em (1) e (2):

(1) «Está tudo bem consigo, Dona Maria?»

(2) «Trouxe isto para si, Dona Maria.»

Note-se que o título dona pode pressupor alguma intimidade.

Há também quem opte por «com a Senhora» e «para a Senhora», como indicação de respeito:

(3) «Está tudo bem com a Senhora?»

(4) «Trouxe isto para a Senhora.»

Relativamente ao uso de vossoconvosco com vocês, é de notar que, de facto, se não há tanta formalidade no discurso, a opção por estas formas é aceite – não há qualquer preferência pelo uso das formas convosco e com vocês:

(5) «O carro é vosso?»

(6) «Está tudo bem convosco?»

(7) «Está tudo bem com vocês?»

Ainda assim, não é demais referir que as restrições associadas ao uso de vocês – e das suas formas alternativas – não são exatamente as mesmas que as do pronome você: é comum a todas as classes sociais, «excepto no que respeita ao facto de esta forma de tratamento não ser aceite pelas gerações mais velhas e pelas pessoas mais cultas quando dirigidas a pessoas mais velhas ou hierarquicamente superiores» (ibidem, pág. 2713). Por isso, num contexto de alguma formalidade, será, também, aconselhável adotar construções que mitiguem o pronome (8) e (9):

(8) «O carro é dos Senhores?»

(9) «Está tudo bem com os Senhores?»

 

1 A Gramática do Português (pág, 2710), da fundação Calouste Gulbenkian, refere que: «na maioria dos dialectos do Brasil, você é bastante mais generalizado do que em português europeu, correspondendo a um uso informal, semelhantes aos do pronome tu em português europeu. É possível que o alargamento do uso de você em português europeu se deva a uma forte influência do português do Brasil devida às telenovelas brasileiras, com muita audiência em Portugal, e também à forte imigração de brasileiros para Portugal.»

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