DÚVIDAS

O hífen e bebé como elemento de composição

Como bem se sabe, o género do nome bebé não está marcado morfologicamente, mas sim sintaticamente através do uso, por exemplo do artigo definido («o bebé»/«a bebé»).

Não obstante, casos há em que não é possível recorrer a essa diferenciação através de um determinante, pelo que é habitual, ainda que também sintaticamente, estabelecer a diferença de género com o recurso à justaposição dos nomes menino ou menina (p. ex.: «Vende-se roupa de "bebé menina”»).

Ainda que seja infrequente encontrar tal composição hifenizada, não estaríamos perante um caso de uma palavra composta através da justaposição de dois elementos de natureza nominal que, além de manterem o seu próprio acento, formam também uma unidade sintagmática e semântica (à semelhança da já lexicografada bebé-proveta), pelo que deveria ser grafada com hífen (p. ex. “bebé-menina”/“bebé-menino”)?

Agradeço, desde já, a vossa resposta e atenção!

Resposta

O que é exposto pelo consulente constitui uma excelente fundamentação para o uso do hífen em associações lexicais que incluam menina e menino. Contudo, à luz da ortografia em vigor e dos atuais registos dicionarísticos1, não se pode dizer que o hífen seja estritamente obrigatório nestas associações lexicais.

É verdade que, a reforçar a necessidade de um hífen, existe a noção de determinante específico, que tem aceitação na lexicografia brasileira e abrange, por exemplo, o uso de mãe como segundo elemento na formação de compostos. Leia-se, a propósito desta palavra, a nota de gramática e uso que lhe dedica o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1.ª edição, 2001, s. v. mãe):

«vindo após outro substantivo, ao qual se liga por hífen, [mãe] é um determinante específico e significa "fonte", "origem" (navio-mãe, idéia-mãe, célula-mãe), "geratriz" (rainha-mãe), "principal", "mais importante" (agulha-mãe, nave-mãe); anteposto, significa "que é mãe" ("a mãe-leoa defende até a morte seus filhotes"), "origem", "lar" (mãe-pátria, mãe-Terra

Ainda segundo o Dicionário Houaiss, também o vocábulo mulher se emprega como determinante específico, mas, neste caso,nem sempre com hífen:

«empregado também apositivamente (determinante específico que significa "relativo à feminilidade, às qualidades ou aos atributos femininos, ou o aspecto ou os elementos femininos da personalidade") em: a) locuções: menina mulher; filha mulher; b) composições eventuais, ligando-se por hífen à primeira palavra: gerente-mulher, tenente-mulher, anestesista-mulher etc.»

Assinale-se, porém, que noutras fontes se dispensa a hifenização com outros itens, como sejam macho e fêmea – cf. Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984, p. 196) de Celso Cunha e Lindley Cintra,  e Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, p. 2909, n. 88) – que se juntam a nomes sobrecomuns (que denotem entidades humanas) e epicenos (que denotem entidades não humanas, ou seja, animais) em resultado da sua recategorização como adjetivos, podendo o mesmo acontecer a homem e mulher (ex., «carrasco mulher»).

Tampouco é consensual que os compostos decorrentes da justaposição de macho/fêmea ou homem/mulher constituam unidades com sentido próprio, distinto dos associados destes constituintes. Na realidade, mantendo-se a composicionalidade do composto (isto é, a possibilidade de interpretar o composto pela interpretação semântica dos seus elementos), o uso ortográfico em Portugal – que não o do Brasil, como se pode confirmar pelo Dicionário Houaiss, s.v. macho – é o de não hifenizar estes casos.

Em suma, a hifenização dos casos mencionados é facultativa quando se trata de marcar analiticamente o contraste de género, pelo menos, em Portugal, e pode generalizar-se à associação do nome sobrecomum bebé com menino e menina usados como marcadores dessa distinção. A opção pelo hífen ou a sua omissão dependem, portanto, de uma decisão editorial explicitada, por exemplo, num livro de estilo.

 

1 Ver Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (Base XV, 1), bem como o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e o Dicionário Infopédia. É de realçar que, no quadro da norma ortográfica de1945, vigente em Portugal até 2009, também não era claro o procedimento a adotar na escrita das associações vocabulares em apreço.

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