É possível assinalar a existência de locuções verbais que incluem mais do que um verbo auxiliar.
Segundo Cunha e Cintra, «Os conjuntos formados de um verbo auxiliar com um verbo principal chamam-se locuções verbais. Nas locuções verbais conjuga-se apenas o auxiliar, pois o verbo principal vem sempre numa das formas nominais: no particípio, no gerúndio, ou no infinitivo pessoal.» (Nova Gramática do Português Contemporâneo. Edições Sá da Costa, p. 393)
Assim, de acordo com o que ficou exposto, as locuções verbais caracterizam-se por constituírem um grupo verbal que funciona como se se tratasse de um só verbo. Por essa razão, em (1) não estamos perante uma locução verbal:
(1) «A Rita decidiu ler durante a tarde.»
Neste caso particular, decidir e ler são dois verbos plenos, pelo que não formam uma locução verbal, que se caracteriza por funcionar como um só verbo. Na frase (1), ler é complemento direto do verbo nuclear da frase decidiu, que, por seu turno, não tem estatuto de verbo auxiliar.
Refira-se, todavia, que é possível identificar situações em que a locução verbal inclui mais do que um verbo auxiliar. É o que se verifica em (2):
(2) «O João deixou de ir participar no programa.»
Na frase (2), o verbo participar corresponde ao verbo central, enquanto deixar e ir são verbos auxiliares.
No que respeita às frases apresentadas pelo consulente, convém distinguir algumas situações à luz do que ficou exposto atrás. Assim, as frases (3) e (4) incluem locuções verbais:
(3) «As pessoas devem ser felizes.»
(4) «As casas devem ser feitas num ano.»
Todavia, a frase (5) já constitui uma situação diferente, uma vez que os verbos nela presentes mantêm autonomia, não formando uma locução.
(5) «Você pode querer tentar ser alguém.»
Assim, o facto de ser possível pronominalizar «tentar ser alguém» mostra que este constituinte pertence a uma oração distinta:
(5a) «Você pode querê-lo. (o = tentar ser alguém)»
Na frase, a locução verbal é formada apenas pelo auxiliar poder e pelo verbo principal querer.
Por seu turno, o constituinte «tentar ser alguém» também não forma uma locução. Se o inserirmos noutra frase, torna-se evidente a autonomia das formas verbais:
(6) «Ele tentou ser alguém.»
(6a) «Ele tentou-o / isto. (o / isto = ser alguém)»
Finalmente, a última frase apresentada pelo consulente:
(7) «Você poderia ter cantado mais.»
inclui uma locução verbal formado por dois verbos auxiliares (poder e ter) e um verbo principal (cantado).
Disponha sempre!