DÚVIDAS

Os valores semânticos da construção ao + infinitivo

Tenho visto algumas frases em que a construção ao + infinitivo me parece inadequada, possivelmente por resultar de traduções literais do inglês by + ing form, e gostaria de saber se a sua aplicação está correta ou não nos exemplos de 1 a 3.

1) Pode ver mais informações ao clicar neste link.

2) Publica um anúncio ao aceder à página principal.

3) Descobre mais novidades ao ler este artigo.

Intuitivamente, costumo usar a construção ao + infinitivo em orações temporais ou temporais-causais e valido a sua utilização substituindo-a por quando ou marcas temporais similares, como nestes exemplos.

4) Ao sair de casa, reparei que me tinha esquecido da chave. (Quando saí de casa, reparei que me tinha esquecido da chave)

5) A rapariga corou ao ver o rapaz. (A rapariga corou porque/quando viu o rapaz)

6) Ouviu as notícias ao preparar o jantar. (Ouvi as notícias enquanto preparava o jantar)

Eu percebo que nos exemplos de 1 a 3 se possam substituir as expressões ao + infinitivo por quando e, ainda assim, obter frases gramaticais. Contudo, parece-me que há uma notória alteração no significado destas frases. Para ser mais exata, estas frases são exemplos inspirados em traduções do inglês em que a forma ao + infinitivo serve de tradução de by + formas terminadas em -ing, que optei por não partilhar na plataforma por razões de confidencialidade. No entanto, em inglês seria mais ou menos assim:

1) You can see more info by clicking on this link traduzido como «Pode ver mais informações ao clicar neste link»;

2) You can publish an ad by accessing the home page traduzido como «Publica um anúncio ao aceder à página principal»;

3) Learn more news by reading this article traduzido como «Descobre mais novidades quando leres este artigo».

Partindo dos exemplos em inglês, não me parece que haja uma intenção temporal/causal nas construções introduzidas por by + formas terminadas em -ing. Na verdade, estas construções parecem-me muito próximas daquilo a que anteriormente designávamos como complemento circunstancial de modo:

1) Como é que podes ver mais informações? Clicando no link

2) Como é que podes publicar um anúncio? Acedendo à página inicial.

3) Como é que descobrir mais novidades? Lendo este artigo.

Convocando outros exemplos, não me parece que na nossa língua se utilize o ao + infinitivo para descrever a forma como certas ações são concluídas e daí a minha estranheza perante estas estruturas.

Parece-me mais natural dizer:

7) «Visitámos vários países viajando de bicicleta» do que *Visitámos vários países ao viajar de bicicleta

8) «Ela informa-se das notícias lendo o jornal» do que *Ela informa-se das notícias ao ler o jornal

9) «Desloco-me ao escritório conduzindo» do que *Desloco-me ao meu escritório ao conduzir.

Ou seja, se a minha intenção é a de explicar de que forma concluo determinada ação, é natural a aplicação desta estrutura?

Obrigada pela ajuda.

Resposta

Com efeito, as orações temporais (reduzidas) com a estrutura ao + infinitivo expressam habitualmente um valor temporal, que é tipicamente o da simultaneidade1 (frase (1)). Surgem também usos com o valor de contiguidade temporal (frase (2)):

(1) «Ao ver o João, sorriu.»

(2) «Ao comer um doce, sentiu-se mal.»

Assim, em (1), o evento de «ver o João» é simultâneo ao de «sorrir». Em (2), o evento «sentir-se mal» ocorre após o de «comer um doce».

Nalgumas, identificamos uma proximidade entre os valores temporais de base e uma interpretação causal na relação entre os eventos descritos nas duas orações. Tal deve-se ao facto de uma das propriedades da relação causal ser a ordenação linear no tempo2. Este facto é observável sobretudo na frase (2), na qual o evento «sentir-se mal» pode ser interpretado como causado por «comer um doce».

No caso das frase apresentadas, transcritas de (3) a (5), percebemos que a relação temporal de simultaneidade poderá, eventualmente, ser pertinente em (3) e (5):

(3) «Pode ver mais informações ao clicar neste link

(4) «Publica um anúncio ao aceder à página principal.»

(5) «Descobre mais novidades ao ler este artigo.»

É aceitável uma interpretação de (3) em que se veicula o valor temporal de contiguidade, na qual o evento «clicar neste link» ocorre em primeiro lugar, sendo seguido de «ver mais informações». Também a frase (5) permite esta leitura de contiguidade temporal: o evento «ler este artigo» é seguido do evento «descobrir mais novidades». Esta leitura já não parece ser tão natural na frase (4) pois não parece, que a intenção seja a de veicular um valor de contiguidade entre evento.

Não obstante ser possível aceitar um contexto que motive a leitura temporal (pelo menos das frases (3) e (5)), concordamos que o valor por defeito das frases (3) a (5) seja um valor modal, o que implicaria que uma das formas de o expressar seria recorrendo ao uso de uma oração gerundiva3, por exemplo. Por essa razão, as estruturas propostas em (6) a (8) serão opões mais claras ao serviço deste valor:

(6) «Pode ver mais informações clicando neste link

(7) «Publica um anúncio acedendo à página principal.»

(8) «Descobre mais novidades lendo este artigo.»

Por fim, a hipótese de que a opção pelas frases (3) a (5) se possa dever a um processo de tradução que decalca a estrutura inglesa parece ser aceitável como justificação para os usos um pouco desviantes que se registam na pergunta.

Disponha sempre!

 

1. Cf. Mateus et al., (2003). Gramática da Língua Portuguesa. Edições Caminho, p. 725 e Raposo, E. et al. (2013). Gramática do Português. vol. II, Fundação Calouste Gulbenkian

2. Cf. Mateus et al., ob. cit., p. 711.

3. Cf. Raposo, E. et al., pp. 2025 e ss.

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