DÚVIDAS

A história da expressão «ouvidos de mercador»

Em 2009 este assunto foi aqui tratado e a opinião foi que a expressão «ouvidos de marcador» não fazia sentido. Mas hoje encontrei a referência seguinte, que poderá fazer sentido:

«Não é “ouvidos de mercador” e sim “ouvidos de marcador”. Na origem do provérbio está a marcação de escravos com ferro quente, com o nome do seu dono, para que fossem facilmente identificados. “O marcador” nunca "ouvia" as súplicas e gritos daquelas pessoas» (@vilminha_reis, Twitter, 07/05/2022).

Qual é a vossa opinião?

Obrigado.

Resposta

Agradece-se ao consulente a questão, muito pertinente, que enviou.

A justificação do tuíte em causa está bem achada, terá sentido, mas não encontra apoio nem em registos históricos nem em dados comparativos com outras línguas que têm expressões homólogas da portuguesa.

Assim:

a) consultando o Corpus do Português (de Mark Davies), não se acham ocorrências de «ouvidos de marcador» – só «ouvidos de mercador», pelo menos, desde o século XIX;

b) em castelhano regista-se «hacer oídos de mercader» (dicionário da Real Academia Espanhola), em catalão diz-se «fer orelles de marxant/mercader» (Diccionari) e, em italiano, «fare orecchi da mercante» (dicionário Treccani), sem encontrar ocorrência de algo parecido a «ouvidos de marcador».

Não se justifica, portanto, a assertividade do tuíte em referência quanto à suposta versão correta da expressõa. O parecer do Ciberdúvidas continua válido, com a margem de dúvida sempre existente quando se trata de palavras e expressões idiomáticas de génese factual pouco ou nada documentada.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa