DÚVIDAS

Talvez + imperfeito do conjuntivo

Podemos utilizar o advérbio talvez com o presente ou com o pretérito imperfeito do conjuntivo, sendo que com este último tempo verbal a ideia de dúvida é mais intensa e pode referir-se a ações presentes, futuras ou passadas.

Neste sentido, está correto dizermos "Não me sinto bem. Talvez deva/devesse ir ao médico agora." (valor de presente), ou "Estou doente. Talvez seja/fosse melhor ficar em casa amanhã" (valor de futuro).

Mas parece-me incorreto dizer "Ainda não sei onde vou de férias. Talvez fosse ao Brasil." ou "Talvez houvesse mais trânsito atualmente". Nestas duas frases, parece-me que apenas podemos utilizar o presente do conjuntivo.

Se assim for, em que circunstâncias temos de usar o presente ou o imperfeito do conjuntivo com o advérbio talvez?

Muito obrigada.

Resposta

O advérbio talvez antecede o verbo exigindo o uso do modo conjuntivo. Esta construção ativa um valor de possibilidade de ocorrência da situação descrita pelo verbo.

O advérbio talvez pode ocorrer em frases simples com o verbo no conjunto, exprimindo um valor de desejo ou de dúvida1 como em (1):

(1) «Talvez leia este livro.»

A frase simples transcrita em (2) é possível com o verbo no presente do conjuntivo no sentido de expressar uma possibilidade localizada num intervalo de tempo (mais ou menos alargado) coincidente com o momento da enunciação:

(2) «Talvez haja mais trânsito atualmente.»

O recurso ao imperfeito do conjuntivo aponta para a descrição de uma situação ocorrida num tempo passado, como em (3):

(3) «O Rui esperava isto. Talvez a Rita lhe desse um beijo.»

Por essa razão, o recurso ao pretérito imperfeito do conjuntivo na frase (2) poderá ter lugar com um valor de possibilidade relativo a um momento passado:

(4) «Naquele tempo talvez houvesse mais trânsito.»

No caso dos restantes enunciados apresentados, o uso do pretérito perfeito do conjuntivo parece prender-se sobretudo com o facto de se utilizar um verbo auxiliar (dever) ou uma construção equivalente («ser melhor») que veiculam uma ideia de modalidade deôntica. Veja-se que todas as construções apresentadas são possíveis com este verbo / construção:

(5) «Não me sinto bem. Talvez deva/devesse ir ao médico agora.»

(5) «Não me sinto bem. Talvez seja/ fosse melhor ir ao médico agora.»

(6) «Estou doente. Talvez deva/devesse ficar em casa amanhã.»

(7) «Estou doente. Talvez seja/fosse melhor em casa amanhã.»

(8) «Ainda não sei onde vou de férias. Talvez deva/devesse ir ao Brasil.»

(9) «Ainda não sei onde vou de férias. Talvez seja/ fosse melhor ir ao Brasil.»

Em todos os casos, a segunda frase veicula um valor de modalidade deôntica com diferentes graus de obrigação (associado ao uso do presente do conjuntivo – obrigação mais forte – ou ao imperfeito do conjuntivo – obrigação mais fraca).

No caso do enunciado apresentado em (10), a segunda frase não veicula uma modalização de valor deôntico, antes expressa uma possibilidade que terá lugar num momento posterior ao momento de fala, pelo que o uso do imperfeito não é compatível com esta intenção. A frase deverá, por esta razão, apresentar o verbo no presente do conjuntivo:

(10) «Ainda não sei onde vou de férias. Talvez vá ao Brasil.»

Disponha sempre!

 

1. Oliveira in Raposo et al. Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 535

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