DÚVIDAS

Traços dialetais comuns ao Brasil e a Portugal

Estava a assistir a um vídeo na rede sobre o dialeto de Açores e vi que eles, assim como o Brasil, cortam o erre do infinitivo, ou seja, eles falam "amá(r)", "comê(r)", "ri(r)".

O que me fez perguntar o quanto parecido de Portugal o Brasil é.

Lembrei de outras questões, como por exemplo alguns brasileiros usarem o pronome pessoal de caso reto ele como se fosse de caso oblíquo.

Daí a pergunta: qual dialeto de Portugal se assemelha mais ao português do Brasil?

Resposta

Não parece haver um dialeto de Portugal que, globalmente, se confunda com alguma modalidade de português do Brasil.

Contudo, isoladamente, há características do português do Brasil que estão dispersas pelos dialetos de Portugal, o que se verifica sobretudo quando se estudam os dialetos do sul de Portugal e, mais raramente, alguns falares das ilhas (que, no entanto, foneticamente são muito diferentes). Um dos traços partilhados com o português do Brasil é o uso do gerúndio, que é bastante corrente na construção progressiva: «estou escrevendo» (em vez de «estou a escrever», como é típico da língua padrão de Portugal).

Relativamente à supressão do -r em final de palavra (amar > "amá"), importa registar a descrição disponível na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020). Assim, no capítulo dedicado ao português do Brasil, a autora, Rosa Virgínia Mattos e Silva, observa que, a par de pronúncias alternativas, a consoante vibrante [ɾ] «geralmente não é produzida, em final de palavra, sobretudo no infinitivo dos verbos (cf. amar, pronunciado am[a]». Mattos e Silva assinala em nota que este fenómeno ocorre «em algumas variedades do português europeu», afirmação que encontra apoio na mesma obra, páginas antes (p. 115), onde se diz que «a supressão da consoante vibrante em final de palavra, seguida de pausa» é um «traço da quase totalidade dos dialetos açorianos»; e acrescenta-se a seguinte observação:

«Em alguns dialetos [açorianos], o fenómeno é de tal maneira frequente e relevante que pode ter implicações ao nível da formação do plural das palavras, podendo este ser realizado como se a palavra terminasse por vogal, como [ɐlɐɣáʃ], forma registada como plural do nome alagar (lagar), correspondendo pois a alagares (= lagares) [...].»

Sobre o uso de ele como objeto direto, Mattos e Silva (op. cit., p. 152) não se pronuncia sobre usos paralelos em Portugal. Não obstante, é uso não completamente desconhecido entre falantes das variedades de Portugal, conforme se assinala na "Ele como complemento direto (fala popular)".

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