Neutralidade e política linguística - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Neutralidade e política linguística
Neutralidade e política linguística
O caso finlandês

 « (...) Atualmente, as principais línguas oficiais são o finlandês ou suómi, falado por 86,9% da população, e o sueco, por 5,2% (...)»

 

A Finlândia tem sido frequentemente mencionada na comunicação social, devido ao abandono da sua política de neutralidade, consubstanciado no pedido de adesão à NATO.

A Finlândia foi colonizada pelos suecos (séculos XII e XIX); em 1809, tornou-se o Grão-Ducado da Finlândia, depois de conquistada pelos Exércitos de Alexandre I da Rússia. A independência, rapidamente reconhecida por União Soviética, países escandinavos e Alemanha, chegou em dezembro de 1917. Seguiu-se-lhe uma sangrenta guerra civil de cerca de seis meses, entre "Brancos" (direita e extrema-direita) e "Vermelhos" (socialistas); no final, os "Brancos" declararam o Reino da Finlândia, com o príncipe alemão Frederico Carlos de Hesse como rei. A derrota alemã na I Guerra Mundial (1918) levou à queda da monarquia finlandesa e o primeiro presidente foi eleito em 1919. Em 1939, a União Soviética anexou a Finlândia, que defendeu a independência pelas armas até março de 1940, quando cedeu 9% do seu território. Após a recusa de ajuda no rearmamento pelo Reino Unido, os finlandeses receberam-na dos alemães, em troca da cedência de passagem terrestre para a Noruega ocupada e posterior alinhamento com a Alemanha na guerra contra a União Soviética. Além das perdas humanas, esta decisão custou à Finlândia o pagamento de vultuosas reparações, perda de território e realojamento forçado de um oitavo da população. A paz com russos e britânicos foi assinada em 1944; em 1947, a Finlândia declinou a ajuda do Plano Marshall, iniciando a política de neutralidade que manteve até agora.

A Finlândia integrou a União Europeia em 1995. Apesar da sua conturbada história, ocupa desde 2018 o 1.º lugar na tabela dos países mais felizes do mundo. O seu sistema educativo tem constituído um exemplo para muitos outros países e os jovens finlandeses e estónios foram os europeus com mais elevados índices de literacia na leitura, em 2018, de acordo com o PISA (OCDE). O nacionalismo finlandês foi-se desenvolvendo ao longo do século XIX, como em muitos países europeus (e.g. em 1835, foi publicada Kalevala, a epopeia nacional; em 1882, o finlandês foi declarado idioma oficial). Atualmente, as principais línguas oficiais são o finlandês ou suómi, falado por 86,9% da população, e o sueco, por 5,2% (Censos de 2020); são consideradas línguas oficiais minoritárias três variedades do sâmi ou lapão, o romani, a língua gestual finlandesa e o careliano. O suómi, o sâmi e o careliano (além do estónio, o võro, o extinto livónio e o húngaro) pertencem ao ramo fino-úgrico da família das línguas urálicas, distinta da grande família das línguas indo-europeias.

As grandes linhas da política linguística finlandesa, sobretudo a relação entre suómi e sueco, estão plasmadas no Finland Language Act, de 2004, que determina o estatuto de cada um e os direitos dos cidadãos. O Instituto Finlandês para as Línguas (Kotimaisten Kielten Keskus – Kotus) é a instituição que centraliza o estudo e a planificação linguística na Finlândia. A política linguística reflete a neutralidade geral: favorece o multilinguismo e o respeito pela língua materna de cada um, incluindo das comunidades imigrantes, cujas crianças têm o ensino da sua língua materna, como língua de herança, assegurado pelo sistema público; é o caso dos falantes de russo, que constituem mais de 25% da totalidade dos imigrantes na Finlândia.

Importará seguir as políticas linguísticas da Finlândia e compreender até que ponto serão (ou não) afetadas pela presente mudança drástica do seu rumo.

Fonte

Crónica publicada no Diário de Notícias de 11 de julho de 2022.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGAEntre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018.