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Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

Na imagem, Silva Porto, Colheita – Ceifeiras, 1893 (Museu Nacional Soares dos Reis, Porto).

 

Com o tempo estival no hemisfério norte e coincidindo com o período das férias escolares em Portugal, as atualizações do Consultório do Ciberdúvidas têm uma pausa em julho e  agosto. Durante este período não serão aceites nem selecionadas novas questões, ficando, por isso, inativo o formulário para envio de dúvidas. No entanto, para outros assuntos, fora do âmbito do uso da língua, continuamos contactáveis, como habitualmente, aqui. Como sempre também,  fica disponível o acesso aos mais de 50 000 artigos e respostas em arquivo, abordando os mais diversos temas da língua portuguesa.

Nas rubricas O nosso idioma, Pelourinho, Ensino, Controvérsias, Diversidades, Antologia e Montra de Livros, entre outras, abranda o ritmo de atualização, mas os destaques (ver mais abaixo) não deixarão de assinalar a entrada de novos conteúdos, sejam eles originais de consultores e colaboradores do Ciberdúvidas, ou material previamente publicado noutras fontes devidamente referenciadas. O mesmo acontecerá na página do Ciberdúvidas no Facebook.

Assim é este trabalho: uma incessante recolha e tratamento de tudo o que se diz, escreve e lê com interesse para o conhecimento da nossa língua e para discussão dos seus temas – onde quer que ela se fale.

E, enquanto setembro não chega para retomarmos a plena atividade, saboreemos o verão ou qualquer outra estação do ano com um poema do poeta português Eugénio de Andrade (1922-2005):

As Amoras

O meu país sabe às amoras bravas
no verão.     
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A metáfora é um recurso usado frequentemente na linguagem quotidiana, pela expressividade, economia e capacidade imagética que traduz. No meio político não parece ser possível resistir aos efeitos que este recurso permite explorar. Expressões como «pôr os dedos na ferida aberta», «deixar farpas» ou «amnésia seletiva» surgem frequentemente no espaço mediático para descrever situações ou atitudes, como refere Carla Marques, professora e consultora permanente do Ciberdúvidas, num apontamento sobre a metáfora na política.  

2. Em política é também frequente o uso do chamado "legalês", uma linguagem obscura, que circula entre um grupo restrito e que permite camuflar intenções muitas vezes menos lícitas. A linguagem adapta-se às características de determinados grupos sociais, que a usam como barreira à compreensão de estranhos, sendo assim colocada ao serviço de uma forma de seleção social. A manipulação da linguagem pode também convertê-la num domínio de tecnicismos que são característicos da área legal, administrativa. Esta linguagem opaca veda o acesso ao cidadão comum, é impeditiva da transparência e abre portas à corrupção. Quem o denuncia é Pedro Moura, engenheiro informático e articulista, num artigo que explora as ligações da linguagem à corrupção (originalmente publicado no jornal i e aqui transcrito com a devida vénia). 

3. O aparecimento de novas realidades implica também novas palavras que as designem. Não raro, as novidades oriundas de outros países trazem consigo o seu nome original. É o que acontece com o termo gig, que refere uma atuação ou um concerto marcado por alguma informalidade. Quando entra no português, esta palavra pertence a que género? Esta é uma das questões abordadas na nova atualização do Consultório, onde também se analisa a possibilidade de formar a palavra "presuntaria" para designar uma atividade económica ligada ao presunto. Ainda nesta atualização, uma questão sobre a flexão verbal e a locução «cada um» numa frase de valor imperativo e ainda duas outras questões: «É preferível a expressão «Eu e os meus amigos» ou «Os meus amigos e eu»?»; e «A frase «Eu determino isto fácil» está correta?» 

4.  Linguagem técnica e especializada é característica também da botânica, ciência que estuda as plantas. Miguel Boieiro, autarca e vice-presidente da direção da Sociedade Portuguesa de Naturalogia, numa crónica intitulada "O açafate-de-prata", guia o leitor numa viagem em busca das espécies silvestres existentes na zona da Fonte da Telha, perto das instalações militares da NATO, em Portugal, dedicando especial atenção à Lobularia maritima, conhecida popularmente como açafate-de-prata. 

5. Entre as as notícias relacionadas com a língua portuguesa, destaque para:

 

– O Festival de literatura-mundo do Sal, a decorrer em Cabo Verde, entre 27 e 30 de junho;  

– A sessão do "Camões dá que falar", com tema "Por que lemos Sophia", que tem como convidados a escritora Lídia Jorge e o Ministro dos Negócios Estrangeiros Augusto Santos Silva, dia 27 de junho, pelas 17h, no auditório do Camões;

– a notícia de que, em Portugal, os critérios de correção da Prova Final de 9.º ano de Português não sofrerão alterações, apesar de algumas posições críticas que vieram questionar a perspetiva limitada ali adotada (notícia aqui);

– a  12.ª edição da International Association for Research in L1 Education (ARLE – Associação Internacional para a Investigação em Ensino de L1)*, organizada pelo Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa e realizada nas instalações da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, também da mesma universidade (UNL), evento que tem como conferencistas convidados Gert Rijlaarsdam (Universidade de Amesterdão, Países Baixos), João Costa (UNL, Portugal e atual secretário de Estado da Educação em Portugal), Sarah Levine (Stanford Graduate School of Education, Estados Unidos) e Bernard Schneuwly (Universidade de Genebra, Suíça). Mais informações, em inglês, aqui e aqui.

*Saliente-se que Ana Sousa Martins, coordenadora da Ciberescola da Língua Portuguesa, participa neste encontro com a comunicação intitulada "Text complexity and word learning" (em português, "Complexidade textual e aprendizagem de palavras"), em 28/06/2019, entre as 14h00 e as 15h00.

 

6. Nos programas produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa:

– O Língua de Todos, que vai para o ar na RDP África, na sexta-feira, 28/06/2019 (depois do noticiário das 13h00*; com repetição no dia seguinte, pelas 9h15), será dedicado à análise e comentário da prova final de ciclo de Português Língua Segunda, do 9.º ano, pelo nosso colaborador Carlos Rocha

– No Páginas de Português, transmitido pela Antena 2 no domingo, 30/06/209 (às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, dia 6 de julho, às 15h30*), são divulgadas entrevistas realizadas a contadores de histórias conduzidas pelo investigador do IELT e narrador Luís Correia Carmelo. São três entrevistas a três artistas portugueses, Ana Sofia PaivaAntónio Fontinha e José Craveiro. As entrevistas foram gravadas no âmbito do LU.GAR, um projeto que propõe mapear territórios culturais em contextos urbanos e reinterpretar as memórias de um lugar. 

* Os programas Língua de Todos e Páginas de Português ficam disponíveis, posteriormente, aqui e aqui.

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1. Em vários pontos do mundo de língua portuguesa, de tradição cristã, dedica-se este dia a S. João Batista, o segundo dos santos que se comemoram no mês de junho (como se sabe, os outros são S. António e S. Pedro).  As festas de S. João, cujo sentido é tão religioso como profano e popular, coincidem, portanto, com o solstício – de verão no hemisfério norte – e não é de surpreender que, em Portugal, muitos provérbios alusivos à quadra se relacionem com os ciclos agrícolas: diz-se ainda hoje que «pelo São João, lavra e terás palha e pão», «pelo São João apanham-se à mão» ou «no mês de São João, para estar bem, há de cobrir o milho o rabo ao chão»; e, naturalmente, a relação do tempo que faz com o andamento das colheitas é tema obrigatório: «nevoeiro de São João estraga o vinho e não dá pão», ou «chuva de São João, tira vinho, azeite e não dá pão» (que já foi comentada aqui). Como sempre, nos arraiais, muitos procuram saciar apetites, atavicamente confiados em que «pelo São João, pinga a sardinha no pão», apesar da escassez cada vez maior deste peixe. Seja como for, se em Portugal há arquétipo do São João, encontra-se ele com certeza na tradição festiva da cidade do Porto e arredores, conforme se pode confirmar por um trabalho que o jornalista Márcio Magalhães assina no magazine digital NCultura em 23/06/2019.

Na imagem, São João Batista, painel de azulejos de autor desconhecido (Lisboa, 1650 – 1660). Fonte: MatrizNet.

2. Apesar dos folguedos são-joaninos, conseguimos alguma concentração para as perguntas do Consultório: como se explica que a letra de uma canção fuja à gramática convencional? A frase «já não me apetece» é equivalente a «não me apetece mais», ou não? Estará anti-hipertensor tão correto como anti-hipertensivo? E porque é que «príncipe consorte» se escreve sem hífen?

3. Entretanto, pensando na qualidade do português que se vai mediaticamente escrevendo, cabe aqui fazer referência a um apontamento em linha em 24/06/2019, no portal do Clube dos Jornalistas. O tema é o da confusão recorrente entre mil milhões e bilião, a qual fez com que uma despesa de 15 mil milhões de kwanzas – a que o ministério da Saúde de Angola tem com a hemodiálise – fosse transformada na astronómica soma de 15 biliões de kwanzas, que é a erradamente mencionada na notícia que circulou em Portugal (ver também no Pelourinho).

4. Ainda a propósito das diferentes reações às palavras do jornalista João Miguel Tavares a favor de maior ação política para prestigiar o crioulo de Cabo Verde, a rubrica Diversidades transcreve a crónica que o professor universitário e tradutor Marco Neves publicou em 23/06/2019 no portal SAPO 24 a respeito da génese do cabo-verdiano (texto também disponível em Certas Palavras, blogue deste autor).

5. A questão do cabo-verdiano envolve a do seu ensino e motiva outros países da CPLP a discutir o estatuto das línguas nacionais nas comunidades que usam o português como língua segunda. Ao encontro destas preocupações vêm, portanto, as recentes considerações de Incanha Intumbo, secretário executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que no IX Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, realizado entre 20 e 22/06/2019 na cidade da Praia (Cabo Verde), defendeu uma metodologia diferente no ensino da língua portuguesa nos países africanos, visto que «ensinamos o português nos nossos países como se fosse língua materna, quando não é» (declarações reproduzidas pela agência Lusa e publicadas pelo Diário de Notícias de 21/06/2019). Segundo Incanha Intumbo, um dos problemas do ensino nesses Estados é «terem "línguas africanas muito vivas", a que os estudantes estão habituados desde crianças, mas, de repente, têm de fazer uma transição para uma língua de índole europeia» (idem, ibidem).

6. Chegadas da Galiza, merecem também registo as declarações de Luís Faro Ramos, presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua I. P., que, à margem de um encontro havido em 19/06/2019, em Santiago de Compostela, entre o instituto português e a Real Academia Galega, sublinhou que, apesar de próximos, o português e o galego não são a mesma língua (La Voz de Galicia, 21/06/2019). Assinale-se que, ainda no âmbito desta visita, o Camões I. P. e o Conselho da Cultura Galega criaram o Foro Inês de Castro, com vista a programar uma série de seminários, jornadas e conferências à volta de temáticas comuns a Portugal e à Galiza (mais informação aqui).

7. Registo ainda dos seguintes eventos e iniciativas no mundo académico:

– o lançamento de O Legado de Leite de Vasconcelos na Universidade, uma obra de Ivo Castro, professor emérito da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), em 26/06/2019, pelas 17h00 na biblioteca da FLUL;  

– entre os cursos de verão que as universidades portuguesas organizam entre julho e setembro, refira-se o curso "Boas práticas de tecnologia para tradução", que conta com o tradutor Marco Neves na sua equipa docente e decorre em julho na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (mais informação aqui);

– a criação, a partir de setembro de 2019, do Instituto Politécnico da Lusofonia (Ipluso), entidade do Grupo Lusófona que nasce da fusão de duas escolas, a ERISA – Escola Superior de Saúde Ribeiro Sanches, e o ISCAD – Instituto Superior de Ciências da Administração.

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1. O verão tem início hoje no hemisfério norte. O dia 21 de junho será, portanto, o dia mais longo do ano, com 14 horas, 53 minutos e 7 segundos de luz em Portugal. Etimologicamente, verão tem origem na palavra latina vernum, que significava "tempo primaveril". Verão era, então, a palavra utilizada para referir a estação do ano que atualmente se designa por primavera. Na época, a palavra para referir a estação do verão era estio, como explica a professora Maria Regina Rocha neste artigo. A este propósito, recorde-se que, depois do Acordo Ortográfico de 1990, as estações do ano (bem como os meses, como já acontecia com os dias da semana) passaram a escrever-se com minúscula. A chegada do verão é ainda motivo para recordar algumas respostas relacionadas com o tema: «A expressão «vivò verão»», «Verão, veranico, veranil, veraniço», «Pino do verão», «Plural de verão».

Primeira imagem: Verão, de Arcimboldo, 1563. 

2. A justificação para a evolução fonológica das formas "Alger" e "Argélia" é uma das questões colocadas no Consultório, a qual convoca processos de evolução fonológica seculares. Ainda nesta atualização do Consultório, uma questão sobre a natureza do verbo cansar e sobre a função do grupo preposicional que o acompanha na frase «cansei de estudar». Finalmente, uma questão sobre a possível sinonímia das expressões «de par com» e «a par de».

3. Celebra-se a 21 de junho o 180.º aniversário de Machado de Assis, contista, cronista, jornalista, poeta e romancista brasileiro. O autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas deixou uma obra diversificada e plena de atualidade. Para comemorar esta data, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da Universidade de São Paulo realizou o Simpósio Machado de Assis 180 anos, que teve lugar nos dias 17 a 19 de junho em São Paulo (notícia aqui).

4. A empresa Facebook divulgou que vai lançar uma nova criptomoeda a que atribuiu o nome libra (notícia aqui). Relativamente ao termo usado para designar a nova moeda, veio o  Fundéu BBVA recomendar a sua grafia com letra minúscula, por se tratar do nome de uma moeda (ver aqui). A mesma recomendação se aplica à língua portuguesa, o que se torna ainda mais pertinente pelo facto de os meios de comunicação social terem vindo a optar pela grafia da palavra com letra maiúscula. 

5. manuscrito de Voynich é um documento do século XV, de quase 250 páginas, que ainda ninguém conseguiu decifrar, apesar das inúmeras tentativas já realizadas. Alan Turing e o próprio FBI estão entre os mais destacados nomes que tentaram ler o documento, sem sucesso. Recentemente, um investigador da Universidade de Bristol, no Reino Unido, veio anunciar ter resolvido o enigma, afirmando que o documento estava escrito em protorromance. Rapidamente, os especialistas, entre os quais o linguista português Ivo Castro, vieram afirmar que o protorromance é uma fase da evolução das línguas e não uma língua em si mesma, acusando as teorias agora divulgadas de serem fantasiosas. O documento em questão estará escrito num dialeto italiano e em sardo, mas o seu conteúdo permanece misterioso (notícia desenvolvida aqui).

CfO realismo dialético de Machado de Assis

6. No que se refere à atualidade da língua portuguesa pela mundo, destacamos as seguintes notícias:

– A língua portuguesa é estudada por mais de 8000 pessoas na Galiza, número divulgado por Luís Faro, presidente do Instituto Camões, que referiu que serão promovidas atividades diversas na Galiza, visando a expansão do estudo do português; 

– A divulgação de um mapa que apresenta as línguas mais comummente faladas nos Estados Unidos, excluindo o inglês e o espanhol, que indica que o português é a língua mais falada nos estados de MassachusettsRhode Island e Connecticut,  pelo Business Insider (cf. aqui);

– A IX edição do Encontro de Escritores de Língua Portuguesa decorre até 22 de junho em Cabo Verde, uma edição que homenageia Germano de Sousa e que apresenta como vencedora do Prémio Literário UCCLA a obra Praças, do escritor angolano A. Pedro Correia (notícias aqui aqui);

– O escritor português Nuno Júdice venceu a 1.ª edição do Prémio Literário Francisco Sá de Miranda, promovido pela Câmara Municipal de Amares (notícia aqui);

– A divulgação do calendário escolar completo para o ano letivo de 2019/2020 em Portugal, que indica os períodos de aulas bem como as datas de aferições, provas e exames finais (notícia aqui). 

 7. O programa Língua de Todos dá destaque aos exames finais em Portugal, concretamente, aos do 9.º ano e do 12.º ano de Português Língua Não Materna, que são analisados criticamente pelo nosso colaborador Carlos Rocha (na RDP África, sexta-feira, 21/06/2019, depois do noticiário das 13h00*; com repetição no dia seguinte, pelas 9h15). No Páginas de Português, transmitido pela Antena 2, professora Nélia Alexandre, coordenadora dos cursos de português para estrangeiros, faz uma apresentação das características pedagógicas e das valências tecnológicas da plataforma em linha de aprendizagem do ensino do português para estrangeiros O Meu Português, desenvolvida pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (domingo, 23/06/209, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, dia 24 de junho, às 15h30*.

* Os programas Língua de Todos e Páginas de Português ficam disponíveis, posteriormente, aqui e aqui.

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1. É possível tratar uma interjeição como se fosse um nome? Claro, e o caso de ai, que exprime dor («ai!», «ai de mim!») ou ameaça («ai de ti!»), tem exemplos de usos nominais, sobretudo idiomáticos:«num ai» (= «num instante»), «dar ais» ou «pôr-se aos ais» (= «queixar-se, lamentar-se, gritar») e «sem ai nem ui». Este é um dos tópicos abordados no Consultório, onde – sem ais nem uis, para aproveitar o mote – se enfrentam outras dúvidas: o que é que as conjunções podem juntar numa frase? Como se analisam frases semelhantes a «ele referiu como se apaixonou»? «Trabalho duro» e «trabalho árduo» são compostos? Que significado tem o pronome me em «roubaram-me os sapatos»? E será que se pode dizer que uma empresa ou um edifício têm idade?  

2. «Última flor do Lácio, inculta e bela» –  assim se apelida frequentemente a língua portuguesa. Na rubrica O nosso idioma, transcreve-se um ensaio do investigador Everaldo Augusto, que evoca o poeta Olavo Bilac, autor desse famoso verso, o primeiro de poema Língua Portuguesa,  traçando um paralelo com o cantor e compositor Caetano Veloso e a sua canção intitulada Língua.

3. Ainda na esteira das considerações polémicas que, sobre o cabo-verdiano, o jornalista João Miguel Tavares fez nas comemorações do 10 de Junho, Dia de Camões (ver ponto 3 da Abertura de 11/06/2019), importa sublinhar que a questão do bilinguismodiglossia de Cabo Verde é já antiga e tem motivado propostas e ações (mesmo em Portugal, que acolhe uma importante comunidade cabo-verdiana). Vem, portanto, a propósito lembrar a iniciativa que, em 21/02/2019, Dia Internacional da Língua Materna, o Governo da cidade da Praia tomou no sentido da «classificação imediata» do crioulo como património nacional, conforme registou o portal cabo-verdiano SAPO Muzika/Inforpress na mesma data, numa peça que a rubrica Diversidades agora reproduz com a devida vénia.

Apesar das dificuldades, os crioulos cabo-verdianos encontram-se em processo de normativização, como é o caso da sua escrita, para qual se dispõe do oficilamente reconhecido Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-Verdiano. Em Portugal, é conhecida a experiência de ensino bilingue que resultou de um projeto desenvolvido pela professora Ana Josefa Cardoso no Agrupamento de Escolas do Vale da Amoreira (Moita, Setúbal). Sobre a tradição linguística de Cabo Verde, consultem-se, no Ciberdúvidas, "As línguas crioulas de Cabo Verde e Guiné", "Bilinguismo cabo-verdiano", "A situação linguística de Cabo Verde", "Línguas crioulas" e "Diglossia".

4. Entretanto, no corrente ano, coincide o dia 20 de junho com a celebração do Corpo de Deus, feriado religioso também conhecido pelo nome latino de Corpus Christi. É uma data importante no mundo católico, que repetidas vezes foi tratada literariamente, por exemplo, na visão muito crítica do Memorial do Convento, de José Saramago (1922-2010): «[...] condene-me Deus se não declarar que melhor vestem as bestas do que os homens que as vêem passar, e isto é sendo o Corpo de Deus, trouxe cada um no seu próprio corpo o que de melhor tinha em casa, a roupinha de ver ao Senhor, que tendo-nos feito nus só vestidos nos admite à sua presença, vá lá a gente entender este deus ou a religião que lhe fizeram [...].» Relacionadas com esta temática, leiam-se as respostas seguintes: "'Amar a Deus', 'ver a Deus', etc.", "Razão do uso de Deus sem artigo", "As palavras Deus, Anjo e Alma" e "A história e o significado da expressão XPTO","Quinta-Feira Maior".

5. Falando do ensino não universitário em Portugal, para os muitos professores, alunos e famílias que nos seguem, registe-se a publicação do calendário escolar: as aulas começam entre 10 e 13 de setembro p.f. e acabam entre 5 e 19 de junho de 2020 (sobre pausas letivas e outra informação, ler o Despacho n.º 5754-A/2019).

6. A respeito dos programas de rádio produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa:

– O Língua de Todos, que vai para o ar na RDP África, na sexta-feira, 21/06/2019 (depois do noticiário das 13h00*; com repetição no dia seguinte, pelas 9h15), dá destaque aos exames finais em Portugal, concretamente, aos do 9.º ano e do 12,º anos de Português Língua Não Materna, que são analisados criticamente pelo nosso colaborador Carlos Rocha.

– No Páginas de Português, transmitido pela Antena 2 no domingo, 23/06/209 (às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, dia 24 de junho, às 15h30*), foca a nova plataforma em linha de aprendizagem do ensino do português para estrangeiros O Meu Português desenvolvida pela Faculdade de Letras. O nível A1, disponível desde janeiro de 2019, inclui aulas teóricas, práticas, tutoriais, testes e respetivas soluções. A professora Nélia Alexandre, coordenadora dos cursos, faz uma apresentação das características pedagógicas e das valências tecnológicas da plataforma. Ainda neste programa a nossa colaboradora permanente, Carla Marques, faz um apontamento crítico do exame nacional de Português do 12. º ano.

* Os programas Língua de Todos e Páginas de Português ficam disponíveis, posteriormente, aqui e aqui.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A hesitação linguística é, na oralidade, vista como um fenómeno de descontinuidade no texto produzido. Inúmeras poderão ser as razões que justificam as hesitações. Todavia, entre elas, poderemos assinalar o esforço de clarificação do discurso, a reorientação discursiva e também a busca de correção gramatical. É também a hesitação entre duas possibilidades de realização linguística ou perante a duvidosa correção de uma expressão que motiva algumas das questões colocadas ao Ciberdúvidas: «Deve dizer-se «pedir que» ou «pedir a alguém que»?», «É preferível a expressão «sair pela porta fora» ou «sair porta fora»?», «Existe a forma "freinar" ou será frenar?» e «Qual a grafia correta de «meninos bem»?». Nesta atualização, ainda uma questão sobre a diferença entre antonomásia e perífrase

Primeira imagem: Hesitação, de Alfred Stevens, 1867. 

2. Em época de festejos relacionados com os santos populares, em Portugal, Aida Alves, diretora da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, em Braga, vem recordar a importância da poesia popular, um género literário muito ligado ao canto popular, centrado no quotidiano do homem e na sua forma de estar no mundo. Num pequeno apontamento, somos levados numa viagem a uma breve história da poesia popular: da Poesia Trovadoresca, com a sua simplicidade, singeleza e ritmo natural, ao Romantismo, que acarinhou o folclore como representante da essência da alma pátria (texto originalmente publicado no jornal Correio do Minho e aqui transcrito com a devida vénia). A poesia popular convive de perto com a linguagem popular, rica em criações lexicais e em explorações semânticas. Recordemos alguns textos publicados no Ciberdúvidas relacionados com o tema: «A diferença entre linguagem popular e expressões regionais», «Verbo ougar (linguagem popular)», «Encertar (linguagem popular)», «Exemplos de registo popular da língua», «Níveis de língua popular e familiar vs. registo de língua informal», «Olhò e vivà» e «Algumas expressões populares portuguesas». 

3. As perguntas típicas dos portugueses sobre o galego dão o mote a nova publicação de Marco Neves, professor universitário e tradutor, que anunciou no seu blogue Certas Palavras o lançamento para o final de junho da obra O Galego e o Português são a mesma língua? (Editora Através), que conta com um prólogo do linguista João Veloso. Esta mesma questão tinha já sido tratada num artigo divulgado pelo autor em 2017 (disponível aqui). O Galego e as suas relações com o Português nas várias vertentes, da linguagem falada aos textos de literatura, não esquecendo os idiomatismos, são aspetos que têm sido também profusamente abordados no Ciberdúvidas, como aqui se recorda: «Sobre o galego», «Sobre a expressão «és mesmo um galego», «Galaico-português / Galego-português», «Galego-Português», «Galego-português e galego medieval», «Do galego-português ao português», «O galego / o português», «Primeiros textos em Português», «Idade das Línguas» e o artigo «O galego-português existe?», de Fernando Venâncio

4. No âmbito da atualidade, destacamos:

— o lançamento de um conjunto de publicações destinadas a apoiar o ensino do Português na China, pelo Instituto Politécnico de Macau: Fonética e Fonologia para o Ensino do Português como Língua Estrangeiro e Exercícios Práticos de Fonética de Português Língua Estrangeira, ambos da autoria de Adelina Castelo, Português com Textos 2 — Textos narrativos para o ensino do Português como Língua Estrangeira, de Sara Augusto e Caio Christiano; Português em Uso, de Rui Pereira, e Guia de Preparação para o DAPLE — Diploma Avançado de Português, de Liliana Inverno (notícia aqui);

— o início do período de exames nacionais do ensino secundário em Portugal, que abre neste dia, 17 de junho, com a realização do exame nacional de Filosofia, e cuja 1.ª fase se prolonga até ao dia 27 de junho. Os exames a realizar neste final de ano letivo incidem, pela primeira vez, sobre conteúdos de disciplinas envolvidas no Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, enquadradas pelas Aprendizagens Essenciais, o que implicou que os conteúdos visados por alguns exames tivessem sido reduzidos relativamente a anos anteriores, como explicou ao jornal Público Luís Santos, diretor do Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) (notícia aqui).

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. O dia de Santo António, santo de devoção popular e por muitos considerado padroeiro da cidade de Lisboa, é celebrado a 13 de junho, dia do feriado da capital portuguesa, marcado por festividades populares. Tradicionalmente, Santo António é conhecido como casamenteiro, fama que a tradição perpetuou burilando frases e quadras alusivas aos seus poderes no campo amoroso. Recordamos aqui algumas delas:

«Santo António, meu querido, o que peço em segredo é um marido

ou

«Não precisa de altar

O nosso Santo Antoninho

No coração pode ficar

Fazer dele o seu cantinho.

 

Oh, manjerico bem cheiroso

Pelo regar e pôr ao luar

Dá-lhe um rapaz bem jeitoso

 Para com ela se casar.»

Primeira imagem: Santo António de Pádua, de Kessler (1650/60)

A influência deste santo manifesta-se também na literatura portuguesa. O bem conhecido "Sermão de Santo António aos peixes", de Padre António Vieira, celebra as aclamadas qualidades oratórias do santo, que são apresentadas como modelo de pureza e retidão. O dia dedicado a Santo António é também motivo para reler algumas das respostas que passaram pelo Ciberdúvidas relacionadas com a temática: "Frase sobre Santo António de Lisboa", "Santo / São / Sã", "Abreviatura de santo: Sto, Sto. e S.to".

Devido ao feriado de 13 de junho, dedicado a Santo António, em Lisboa, a próxima atualização do Ciberdúvidas fica marcada para dia 17 de junho de 2019.

2. A história de uma língua desenha-se num percurso ancorado na construção de novas palavras e no alargamento dos seus sentidos. O ensaio intitulado "Quando a Língua Portuguesa encontrou Homero e a Ilíada", da autoria da investigadora brasileira Tâmara Kovacs Rocha, dá-nos a conhecer a importância da ação dos poetas na introdução de termos que estes cunharam a partir do latim e do grego, fazendo uso de processos linguísticos nem sempre bem recebidos pelos defensores do conceito de "língua pura". Neste percurso de construção da língua, as primeiras traduções dos textos do poeta grego Homero mostram claramente o contributo criativo dos poetas para o enriquecimento e maturidade da língua portuguesa. Também a professora e investigadora brasileira Adrienne Morelato, num ensaio sobre a língua portuguesa, percorre o caminho da evolução do português, desde a sua origem galega até à aventura marítima, demonstrando como esta língua se fez e cresceu às mãos dos poetas que a aprofundaram para dizer os seus sentimentos e desejos, o fado e a descoberta de novos mundos. 

3. A história de uma língua acompanha também o percurso do seu povo e a sua própria ação. Nesta linha, João Miguel Tavares, presidente da Comissão Organizadora do 10 de Junho, veio, num discurso que gerou alguma polémica, defender que Portugal tem responsabilidade histórica para com os habitantes das antigas colónias, muitos dos quais têm como língua materna o crioulo. Este facto, associado à ideia de que estamos perante uma classe social desprotegida, levou-o a defender o ensino em crioulo cabo-verdiano nos primeiros anos de escolaridade em Portugal e em Cabo Verde. O Presidente da República português, Marcelo Rebelo de Sousa, em reação a esta posição, assumiu a defesa da língua portuguesa, recordando que «a língua portuguesa é um instrumento universal fundamental» e um «trunfo essencial» no plano internacional (ver notícias aqui e aqui).  

4. A tessitura desta língua que se construiu ao longo de séculos envolve vários planos que se materializam numa rede complexa de camadas que envolvem fonética, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática, entre outros domínios. Todos estes planos são mobilizados pelos falantes, que se apropriam da língua e a atualizam quase automaticamente. Todavia, é frequente que a própria língua exija uma atitude de reflexão, motivada pelas dificuldades que oferece aos seus falantes. Estes fenómenos relacionados com a consciência metalinguística justificam muitas das questões que os consulentes colocam ao Ciberdúvidas. Na presente atualização do Consultório, dúvidas relacionadas com a ortoépia (Como se pronuncia acrobata?), com as regências verbais (Quais as regências do verbo transferir? e do verbo mirar?), com a correção sintática (Como usar o advérbio eis com pronomes pessoais?) e com a classificação de funções sintáticas (Qual a função sintática do constituinte preposicionado que acompanha o verbo desembarcar? E de dia na frase «Já é dia»?). 

5. A importância do contributo de alguns escritores para o enriquecimento de uma língua leva, não raro, a que estes sejam considerados "génios". É exatamente a atribuição deste epíteto à escritora Agustina Bessa-Luís, recentemente falecida, que conduz o jornalista Luís M. Faria a uma reflexão sobre a evolução do conceito de génio. Uma análise que conclui que a banalização de uma palavra pode retirar prestígio não só à própria palavra como também, e sobretudo, à pessoa que se procura elogiar (texto divulgado originalmente no semanário  Expresso e aqui transcrito com a devida vénia). 

6. As dúvidas que a grafia suscita, nomeadamente no âmbito das alterações introduzidas pelo Acordo Ortográfico de 1990, motivaram a obra Manual do Bom Português Atual, da autoria da professora Lúcia Vaz Pedro (Editora Calendário das Letras, 2016), que se apresenta na Montra de Livros. Como aí assinala Sara Mourato, com  tanta bibliografia hoje disponível e tantas ferramentas acessíveis a um simples clique, só o desleixo explica uma errada aplicação da nova reforma ortográfica. E, pior ainda, quando essas grafias incorretas nada têm que ver com o AO90. Um exemplo recente é o da grafia de Rúben, que surge em diversos meios de comunicação social grafado como "Ruben", a propósito do falecimento do jornalista e membro do Comité Central do Partido Comunista Português Rúben de Carvalho (notícia aqui e aqui). O antropónimo Rúben, sendo uma palavra paroxítona (grave) terminada em n, sempre foi acentuada para não se pronunciar como uma palavra oxítona (aguda). 

7. Temas dos programas produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa, da presente semana: no Língua de Todos, Carlos Rocha, coordenador executivo do Ciberdúvidas, comenta e analisa a prova de aferição, português segunda língua do 8.º ano (programa transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 14 de junho, depois do noticiário das 13h00*; com repetição no dia seguinte, pelas 9h15*); e no Páginas de Português, difundido pela Antena 2, é dado destaque ao Portal dos Corpus Ibero-Românicos, um projeto que pretende ser um instrumento informático que procura oferecer aos seus utilizadores a lista de corpora históricos em línguas ibero-românicas atualmente disponíveis na Internet. Nele, passa também uma entrevista com a professora Cristina Sobral, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, responsável pelo corpus de textos antigos em português até 1525. Ainda neste programa, a consultora permanente do Ciberdúvidas, Carla Marques, faz um comentário crítico à prova de aferição de português do 8.º ano (domingo, 16 de junho, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, dia 22 de junho, às 15h30*).

* Os programas Língua de Todos e Páginas de Português ficam disponíveis, posteriormente, aqui e aqui.
Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. A data de 10 de junho é a do feriado* que assinala em Portugal a memória de Camões e da sua epopeia Os Lusíadas, exemplo de apuro literário que, sem deixar de refletir a voz imperialista do passado, é hoje documento do processo de expansão que levou a língua portuguesa a todo o mundo. As comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas permitem, portanto, dirigir a atenção para Estados onde o português se tornou também língua materna ou língua segunda. Compreende-se, assim, que em 2019, o programa oficial comemorativo decorra não só na cidade de Portalegre, em Portugal, mas também em Cabo Verde, país cuja herança bilingue espelha bem meio milénio de história linguística planetária. Cabo Verde tem sido tema sempre retomado no Ciberdúvidas: realçamos "A nossa língua portuguesa", um texto de Germano de Almeida, mas outros são de mencionar, como sejam "A língua portuguesa e o crioulo cabo-verdiano", "Literatura cabo-verdiana", "Bilinguismo cabo-verdiano", "As línguas crioulas de Cabo Verde e da Guiné", "Quantas línguas cabem na língua portuguesa?", "Cabo Verde, sem tradução" ou "O regionalismo morabeza (Cabo Verde)".

Devido ao feriado, a próxima atualização fica marcada para dia 12 de junho de 2019.

* Escreve-se «o 10 de Junho», com maiúscula inicial em junho, quando se faz referência ao feriado e à comemoração associada (ver n.º 2 da Base XIX do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990). A forma «10 de junho» é grafia da simples menção do dia, conforme a data no calendário, sem alusão ao feriado comemorado em Portugal. Na imagem,
a capa de Os Lusíadas, na edição de 1572.

2. No Consultório, voltamos à questão do aportuguesamento de topónimos estrangeiros, comentando o caso do nome da cidade montenegrina de Nikšić (Montenegro, na península dos Balcãs), falamos do conceito de polaridade a propósito da expressão «nem por sombras!», sugerimos maneiras de uma turma expressar um agradecimento – «obrigado»,  «obrigada», «obrigados» ou «bem haja»? – e procuramos conciliar regências e pronomes relativos para obter uma frase correta. Por fim, não esquecendo Camões, interpretamos os versos que fecham o Canto I de Os Lusíadas e dão noção da desmesura que foi navegar até à Índia:

«Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o céu sereno
contra um bicho da terra tão pequeno?»

3. Navegar na Internet estará mais ao alcance dos nossos humanos desígnios, mas é tarefa não isenta de percalços. A informação colhida pode ser interessante, como parece acontecer com um texto disponível no sítio eletrónico NCultura: trata-se de uma lista de apelidos supostamente representativos dos usos onomásticos das comunidades judaicas ao longo da sua história em Portugal e no Brasil. Sucede, porém, que muitos dos apelidos inventariados têm origem fora do contexto cultural judaico. Por exemplo, é muito duvidoso que Carvalho ou Oliveira sejam apelidos de origem judaica, e mais plausível será que tenham relação com a toponímia portuguesa («alguém que era do lugar de Carvalho ou do lugar de/da Oliveira»), pelo que podiam tomar tais apelidos tanto um cristão-velho como um cristão-novo (um judeu geralmente convertido à força). Trata-se, portanto, de matéria cujo estudo, avesso a precipitações, não dispensa cuidados e convoca conhecimentos de história local e de genealogia (na imagem correspondente a este parágrafo, Perush Ha-Berakoth Ve-Ha-Tefillot, incunábulo hebraico impresso em Portugal, na Oficina de David Abudrahan em Lisboa, 1489 – fonte: sítio Tipografia).

4. O português torna a ser notícia na Galiza, paradoxalmente por afirmações feitas no Brasil, país onde decorre uma visita do presidente da Real Academia Galega, Víctor Fernández Freixanes. Segundo o jornal digital galego Praza, Freixanes, em intervenção feita em 5/06/2019, no I Seminário Internacional para Estudos Linguísticos. Galego e Português: o passado presente, realizado na Universidade Federal Fluminense (Niterói), considerou que os galegos têm de reivindicar o português nas escolas como língua irmã, «non para substituír o galego, senón para apoiarnos nel cara á [em direção à] proxección exterior»; lamentou ainda a escassa implantação deste idioma na rede de ensino da Galiza, apesar da aprovação por unanimidade no parlamento galego, em 2014, da denominada Lei Paz Andrade (ler também aqui).

5.  Outra notícia: encontra-se aberto até dia 21 de julho de 2019 um concurso para atribuição de duas Bolsas de Cientista Convidado do IILP (BCC do IILP), ao abrigo do Programa de Bolsas de Cientista Convidado do Instituto Internacional de Língua Portuguesa – IILP. Detalhes do  edital aqui.

6. Sobre os programas que o Ciberdúvidas produz para a rádio pública portuguesa, recordamos que, na presente semana, o Língua de Todos, transmitido pela RDP África na sexta-feira, 7 de junho (depois do noticiário das 13h00*; com repetição no dia seguinte, pelas 9h15*), destaca a digitalização dos acervos das bibliotecas dos grémios literários de Belém do Pará, do Recife e de Salvador da Bahia, graças ao financiamento de um grupo de empresários brasileiros de origem portuguesa. No Páginas de Português, em foco, a XIV Reunião Ordinária do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, a qual decorreu na cidade da Praia (Cabo Verde), de 27 a 29 do passado mês de maio (programa emitido na Antena 2no domingo, 9 de junho às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, dia 15 de junho, às 15h3*).

* Os programas Língua de Todos e Páginas de Português ficam disponíveis, posteriormente, aqui e aqui.

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

1. As locuções «com certeza» e «de repente» escrevem-se cada uma com duas palavras gráficas bem separadas, mas infelizmente são recorrentes as formas "concerteza" e "derrepente", tudo incorretamente pegado. Em O nosso idioma, a professora e linguista Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, explicando estes e outros erros ortográficos como interferências da oralidade na escrita, apela a sermos mais cuidadosos e refletidos no que escrevemos.

2. De ortografia igualmente se fala no Consultório, a propósito do brasileirismo preto-velho, do tecnicismo decaexateto e do nome próprio Éris, que denomina uma deusa e um planeta anão. Como a construção de frases também requer cautela, retomam-se as questões de análise sintática e semântica: o que fazer com um pronome relativo que de interpretação ambígua? Quando o verbo ser identifica duas expressões em frases do tipo «a solidão é bom remédio», pode um nome abstrato como solidão fazer parte do sujeito?

3. O futuro do português em África depende do que se faça ou não nos países onde detém estatuto oficial e se fala como língua materna ou segunda língua. Angola, sempre na dianteira pelo número de reais e potenciais falantes, continua ainda a encontrar dificuldades na necessária transformação do português num instrumento de cultura e ciência para benefício dos seus cidadãos. Na rubrica Ensino, transcreve-se, com a devida vénia, do semanário luandense Nova Gazeta ( de 3/06/2019),  a entrevista que o professor universitário guineense Mário Joaquim Aires dos Reis, especialista na obra de Manuel Rui Monteiro, deu ao jornalista Edno Pimentel, sobre a situação do ensino superior angolano e a falta de formação e de incentivos que ameaçam a pujança inicial da própria literatura de Angola (na imagem, a obra de Carlos Ervedosa, Roteiro da Literatura Angolana, publicado em 1979).

4. Entretanto, multiplicam-se as plataformas e os recursos eletrónicos para o desenvolvimento de competências linguísticas e culturais, entre elas, por exemplo, as da literacia. Importa, pois, mencionar o lançamento do sítio eletrónico do Clube de Leytura com o qual a editora Leya pretende facilitar e promover em Portugal o acesso das famílias aos livros e à leitura (mais informação nas Notícias).

5. Assinala-se em 5 de junho o Dia Mundial do Meio Ambiente, cujos temas, em 2019, têm conhecido crescente relevo mediático. À volta da questão da mudança climática, entram em circulação novas palavras e expressões, umas criadas vernacularmente, outras provenientes de idiomas estrangeiros, sobretudo, do inglês. Convém observar, portanto, que o campo lexical associado ao tópico dá sinais de alargar-se conceptualmente, fazendo emergir novos termos: assim, para acentuar a gravidade das situações decorrentes da chamada «mudança climática», torna-se mais recorrente e até adequada a expressão «crise climática» (ler, a propósito, recomendação da Fundéu para o espanhol, a qual pode ser transposta para o português); e cada vez mais se diz e escreve de um «estado de emergência climática», que se reduz a «emergência climática». Maio de 2019 foi especialmente fértil na circulação destas locuções neológicas, cuja evolução contamos poder ir registando aqui; entretanto, sugerimos a leitura dos artigos e respostas que, sobre o tema, se encontram no arquivo do Ciberdúvidas: "Ambiência e ambiental"; "Os adjetivos derivados de clímax: climáctico e 'climácico'"; "'Alterações climáticas' ou 'mudanças climáticas'; "A formação da palavra edafoclimático"; "Condições edafoclimáticas"; "Condições atmosféricas"; "As acepções do adjectivo temporal"; "Geoestratégico"; "O adjectivo climatérico", "O que é verdade e mito nos provérbios populares sobre tempor e clima".

6. Outro registo, os 75 anos do Dia D, como ficou lembrado o desembarque dos Aliados nas praias da Normandia, em 6 de junho de 1944,  que marcou o inicio da derrota do nazismo e do fim da II Guerra Mundial. Direta ou indiretamente relacionados com esta efeméride, consultem-se "O significado da expressão Dia D'", "A grafia dos nomes de batalhas e guerras", "O aportuguesamento de nomes de regiões francesas", "A grafia das horas", "Sobre as horas", "Horas, de novo" , "Sobre a escrita dos números, das horas e de outras representações", "Livro de horas", "Canal da Mancha", "A praga dos vocábulos estrangeiros que não sabemos usar".

7. Temas da presente semana nos programas de rádio que o Ciberdúvidas produz para a rádio pública portuguesa:

– no Língua de Todos, o embaixador de Portugal no Brasil, Jorge Cabral, fala da digitalização dos acervos das riquíssimas bibliotecas dos grémios literários de Belém do Pará, do Recife e de Salvador da Bahia, tarefa financiada por um grupo de empresários brasileiros de origem portuguesa (programa transmitido pela RDP África na sexta-feira, 7 de junho, depois do noticiário das 13h00*; com repetição no dia seguinte, pelas 9h15*);

– no Páginas de Português, a professora universitária e linguista Margarita Correia, presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), é entrevistada sobre a XIV Reunião Ordinária desse mesmo órgão do IILP, a qual decorreu na cidade da Praia (Cabo Verde), de 27 a 29 do passado mês de maio (programa emitido na Antena 2no domingo, 9 de junho às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, dia 15 de junho, às 15h3*).     

Por Ciberdúvidas da Língua Portuguesa

 

1. Os nomes de marcas comerciais têm uma relação não motivada com o género gramatical. Por esta razão, por vezes, é difícil determinar se o nome de uma dada marca é masculino ou feminino, fenómeno que gera também dúvidas no plano da concordância. Não existindo nenhuma regra que determine, a priori, o género deste tipo de nomes, os falantes optam, não raro, por atribuir ao nome da marca o género do tipo de produto associado. Assim sendo, como determinar o género do nome Google? A diferença entre «mais bem/mal» e melhor/pior é uma das áreas que gera mais dúvidas aos falantes a par do uso do infinitivo flexionado. Na nova atualização do consultório, duas respostas abordam estas questões. Ainda uma dúvida sobre o significado da palavra configurador no âmbito do campo lexical de informática

Na primeira imagem: Carta das línguas minoritárias e suas vulnerabilidades.

2. A língua portuguesa convive, nos vários países onde é falada, com outras línguas, dialetos e crioulos. Esta convivência nem sempre tem sido equilibrada, pois em muitas situações o português tem agido como elemento aglutinador dos falantes, o que tem funcionado como uma séria ameaça às línguas mais frágeis, que arriscam extinguir-se. Refletindo sobre esta realidade, o escritor angolano José Eduardo Agualusa defende que a relação entre as diferentes línguas no espaço da lusofonia deve ser entendida como uma parceria que deve apoiar as línguas nacionais, conferindo-lhes a dignidade que merecem, pois desta forma «estamos criando um espaço de língua portuguesa em que todas as partes participam de forma livre, em situação de relativa igualdade, sem dominados nem dominadores. Uma lusofonia horizontal, que não se esgota, longe disso, na língua comum. Uma irmandade autêntica.» (crónica originalmente publicada no jornal Expresso, de 01/06/2019, transcrita, com a devida vénia, na rubrica O Nosso Idioma).  

3. Em linha com os problemas associados às línguas minoritárias encontra-se o 2.º Simpósio Internacional Línguas e Variedades Linguísticas Ameaçadas na Península Ibérica (LAPI 2019), que se realiza a 4 e 5 de julho de 2019, em Lisboa, com comunicações que visam a problemática da diversidade linguística na Península Ibérica. Este congresso é organizado pelo Centro Interdisciplinar de Documentação Linguística e Social (CIDLeS) e tem também a intenção de reunir um arquivo com dados relativos a todas as línguas ameaçadas na Europa (notícia aqui). A ação do CIDLeS tem incidido na preservação e descrição do minderico ou piação, língua falada pelos habitantes da zona de Minde, uma freguesia do concelho de Alcanena, distrito de Santarém, mas também tem apoiado estudos sobre outras línguas minoritárias, como uma língua falada no norte da Estremadura espanhola (cf. estudo desenvolvido pelo investigador checo Miroslav Vales).

4.  Os dialetos fronteiriços motivaram um projeto intitulado "Fronteira hispano-portuguesa: documentação linguística e bibliográfica" (Frontespo), cujos resultados, relacionados com as particularidades dos falares das zonas de fronteira, têm vindo a ser divulgados desde 2015 (cf. notícia aqui). Este é um projeto, com investigação ainda em curso, que pretende preservar dados linguísticos que se encontram em risco de desaparecimento em consequência da escolarização dos falantes e por ação uniformizadora dos meios de comunicação de massas. Alguma bibliografia produzida no âmbito desta investigação poderá ser consultada aqui

O Ciberdúvidas tem, desde há muito, dado destaque às questões relacionadas com a problemáticas das línguas ameaçadas, como se pode recordar  nos seguintes textos: «Línguas e línguas», «As línguas dos outros», «Multilinguismo», «Línguas (quase) mortas», «Esta língua nossa» e «Dues lhénguas».

5. Um registo final, e de pesar, sobre o falecimento da escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís (1922 – 2019). Nascida a 15 de outubro de 1922, em Vila Meã (Amarante), deixa uma vasta e diversificada obra (cf. aquiaqui e aqui), reconhecida e aclamada no mundo inteiro. Estreou-se em 1948 com a novela Mundo Fechado, mas foi o romance A Sibila (1954) que marcou a sua maturidade enquanto escritora, que lhe trouxe o sucesso e o reconhecimento. O realizador Manuel de Oliveira, amigo pessoal da escritora, adaptou diversas das suas obras ao cinema, sendo Vale Abraão (1993) uma das produções mais conhecidas. Em 2004, o júri que a distinguiu, por unanimidade, Prémio Camões desse ano, considerou que a sua obra traduzia «a criação de um universo romanesco de riqueza incomparável, contribuindo para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum". 

Mais informações aqui, aquiaqui e aqui.