« (...) O português de Portugal pode encontrar-se sem serventia na ciência, em que o inglês é já obrigatório, sem uso na leitura profissional, em que a falta de tradução já impele para o livro em inglês, sem utilidade na literatura, porque os preços são proibitivos, remetido apenas para a simples oralidade. O Brasil salvará o português? Infelizmente, não. (...)»
(...) Ao procurar na Fnac o último romance do escritor negro norte-americano Colson Whitehead, vencedor do Prémio Pulitzer de 2017, A Estrada Subterrânea, dei-me conta de que se comprasse a edição em inglês da editora britânica Fleet pagaria 10,25 euros, mas se optasse pela tradução portuguesa lançada pela Penguin Random House desembolsaria 19,90 euros, isto é, praticamente o dobro!
Naturalmente, escolhi o livro que além de ser o original era mais barato.
Curiosamente, no dia anterior chegara ao meu conhecimento o fecho, por insolvência, da cadeia de livrarias Bulhosa, que vinha a lutar pela sobrevivência desde o início da década.
Num tempo de internet, em que comprar livros está ao alcance de um simples clique, a política de preços e margens dos editores nacionais parece simplesmente suicida.
Se num primeiro momento a concentração do mercado funcionou como balão de oxigénio para as maiores editoras portuguesas, agora o crescimento destas empresas depende exclusivamente da capacidade de atrair mais leitores. Em vez disso, a estratégia seguida é a de extrair o máximo de um mínimo de compradores de livros.
É uma estratégia condenada ao fracasso. Primeiro porque as alternativas mais baratas abundam noutros idiomas, depois porque o inglês é hoje uma língua com um alcance significativo entre os leitores portugueses.
Sou um leitor compulsivo e grande comprador de livros, nado e criado em Portugal sinto-me mais confortável com o português, mas estou prestes a abandonar a compra de livros na nossa língua devido à escandalosa diferença de preços.
Esta política de preços, a par com o facto de na maior parte das disciplinas científicas os clássicos e as novidades não se encontrarem em português, e que já obriga muitos a ter de recorrer ao inglês, pode, a prazo, prejudicar ainda mais o português que tenderá a transformar-se numa língua inútil.
O português de Portugal pode encontrar-se sem serventia na ciência, em que o inglês é já obrigatório, sem uso na leitura profissional, em que a falta de tradução já impele para o livro em inglês, sem utilidade na literatura, porque os preços são proibitivos, remetido apenas para a simples oralidade.
O Brasil salvará o português? Infelizmente, não. Uma política errada de falta de cooperação separou já o português do Brasil do português de Portugal de forma irreversível. Em termos escritos, o português do Brasil é hoje uma língua estranha e estrangeira. Com os seus duzentos milhões de falantes, o português do Brasil sobreviverá, sem que com isso salve o nosso português.
As autoridades deviam refletir nos incentivos que dão aos portugueses ao nível do domínio e uso da sua língua. Para que não passemos a falar uma língua, de facto, morta.
Fonte: [artigo publicado pelo autor no "Jornal de Negócios" do dia 7 de fevereiro de 2018]