Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se essa frase está certa ou que está faltando:

«Nem um nem outro político demagogo votaram a emenda grato por tudo.»

Li na gramática do professor Nelson Maia Schocair o seguinte:

«Um e outro – Nem um Nem outro – Um ou Outro pedem substantivo no singular e adjetivo no plural [...] Nem um nem outro policial honestos cuidará do caso // Um e outro candidato preparados passarão no Concurso...»

[Sobre] «Nem um nem outro político demagogo votou a emenda», segundo a regra o adjetivo demagogo- deveria ficar no plural, portanto a frase deveria/deverá ser escrita assim:

«Nem um nem outro político demagogos votou ou votaram a emenda.»

Grato por tudo.

Resposta:

No que se refere à frase apresentada pelo consulente, a construção preferencial será a que opta pela concordância no singular:

(1) ««Nem um nem outro político demagogo votou a emenda.»

No caso particular da concordância entre adjetivo e nome, a opção deverá ser também pelo singular.

Segundo Bechara, «Com nem um nem outro é de rigor o singular para o substantivo e verbo» (Moderna Gramática Portuguesa. Nova Fronteira, p. 445). Para ilustrar este aspeto da língua, o autor apresenta como exemplo a seguinte frase:

(2) «Nem um nem outro livro merece ser lido.» (Ibidem)

Assim, podemos afirmar que, do ponto de vista normativo, o uso do singular é de rigor.

Uma pesquisa do Corpus do Português, de Mark Davies mostra-nos que o uso da construção a determinar um nome não é muito frequente, mas, quando surge, verifica-se a preferência pelo singular:

(2) «[…] mas não apoiou "nem um nem outro candidato" à presidência...» (UOL)

(3) «Como nem um nem outro cenário avançará em 2019, a versão final do OE 2019 deverá […]» (Diário de Notícias)

Mais frequente parece ser o recurso ao constituinte «nem um nem outro» com valor pronominal, ou seja, não determinando um nome. Neste caso, verifica-se uma clara oscilação entre o uso do plural e do singular (manifestada na forma verbal):

Pergunta:

Qual é a diferença entre: «Comprei livros» «Comprei uns livros» «Comprei alguns livros»?

Se bem que a diferença me parece clara a um nível intuitivo, sinto dificuldades em precisá-la.

Resposta:

De uma forma geral, todas as frases apresentadas têm uma referência indefinida, pelo que, em muitas situações, são usadas pelos falantes de forma algo arbitrária, sem que haja uma especialização dos diferentes usos.

Não obstante, é possível, em determinados contextos, assinalar sentidos distintos que se constroem pela ação do contexto e até pela entoação.

Uma forma de identificar algumas diferenças de sentido assenta no contraste de frases. Assim, em alguns contextos, entre (1) e (2), pode existir uma diferença entre um sentido genérico (conseguido pela ausência de determinação do nome e pelo uso do plural), em (1), e um sentido que coloca a tónica na indefinição, em (2)1:

(1) «Comprei livros.»

(2) «Comprei uns livros.»

Por outro lado, a diferença entre uns e alguns pode não ter expressividade, uma vez que, ao incidirem sobre o nome, ambos contribuem para um valor indefinido e não específico, que indica que não se refere nenhum livro em particular e o interlocutor também não tem conhecimentos para o identificar. 

Não obstante, em alguns contextos, pode existir uma distinção entre os usos de uns e alguns, como se observa em (3) e (4): 

(3) «Comprei uns livros, os últimos de Eça de Queirós.»

(4) «?Comprei alguns livros, os últimos de Eça de Queirós.»

A aceitabilidade da frase (3) e a estranheza da frase (4) estão relacionadas com o facto de uns poder contribuir para um valor específico, que se determina pela possibilidade de introdução de um modificador apositivo na frase, ao contrário de alguns

Pergunta:

Na frase «O sujeito lírico dirige-se à natureza.», quais as funções sintáticas de:

a) «lírico»? (modificador do nome restritivo ou complemento do nome?)

b) «à natureza»? (complemento indireto ou complemento oblíquo?)

Obrigada.

Resposta:

Na frase apresentada, o adjetivo lírico tem a função de modificador do nome restritivo e o constituinte «à natureza», a função de complemento oblíquo.

O nome sujeito é um nome autónomo, ou seja, não seleciona um complemento, pelo que o adjetivo incide sobre ele associando-lhe propriedades adicionais, não necessárias, e restringindo o seu sentido1, funcionando, deste modo, como um modificador do nome.

Já o verbo dirigir-se é um verbo pronominal que rege a preposição a2, com o sentido de “ter como destinatário” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea). Neste caso, coloca-se a questão de identificar a função sintática desempenhada pelo constituinte introduzido pela preposição a: complemento indireto ou complemento oblíquo?

Como já referimos aqui, o complemento indireto, em geral, iden...

Pergunta:

Na seguinte frase retirada de um texto «O ambiente deprime, porque está o que está em jogo é demasiado alto para perdermos a batalha de transição», gostaria de saber se o vocábulo para introduz uma oração subordinada adverbial final.

Obrigada.

Resposta:

No caso em apreço, para é uma preposição que introduz uma oração cuja natureza é próxima das orações consecutivas.

As orações subordinadas consecutivas introduzidas por itens como tanto/tamanho, tão/tal ou de tal forma que (por exemplo) são sintaticamente próximas das construções introduzidas por suficiente, suficientemente, demasiado (entre outros) porque predicam sobre um grau ao qual se associa uma consequência:

(1) «Está tanto frio que vou para casa.»

(2) «Está demasiado frio para sair.»

Estas construções são também próximas, porque os operadores referidos formam um constituinte com a oração que selecionam: os operadores tão, tanto… selecionam uma oração introduzida por que; operadores como demasiado selecionam uma oração introduzida pela preposição para (com o verbo no infinitivo). Estas construções, normalmente, distinguem-se entre si, porque as primeiras apresentam situações verdadeiras, enquanto as segundas não as dão como verdadeiras1.

Uma vez que não estamos perante uma oração subordinada consecutiva, sendo esta uma construção de expressão do grau, não é aconselhável o estudo destas realidades sintáticas num contexto de ensino não superior, pelas dificuldades que oferecem.

 

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O caso de relativos com preposições

A construção de frases com orações relativas que não são introduzidas pelas preposições regidas pelo verbo é um erro muito frequente. Carla Marques recorda as regras a seguir nestes casos para construir frases corretas. A bem da "casa" da língua!