Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Os chamados advérbios interrogativos modificam toda a oração?

Os advérbios de intensidade podem se ligar a verbos? Exemplo: «Ontem trabalhei muito»?

E o advérbio pode modificar um substantivo? Na pesquisa que fiz há controvérsias quanto a isso.

Grato.

Resposta:

Os advérbios interrogativos que surgem em frases como (1) ou (2) desempenham a função sintática de modificadores (do verbo):

(1) «Aonde vamos?»

(2) «Quando voltas?»

Estes advérbios ocupam o mesmo espaço sintático dos constituintes ali ou amanhã nas frases (3) e (4), o que significa que não incidem sobre toda a frase, mas apenas sobre o grupo verbal:

(3) «Vamos ali

(4) «Volto amanhã

Os advérbios de intensidade (ou de quantidade ou grau, segundo a terminologia do Dicionário Terminológico, que apresenta os termos a utilizar no ensino não universitário português) podem incidir sobre verbos, adjetivos ou advérbios, quantificando «sobre propriedades representadas por adjetivos ou advérbios, ou sobre eventos representados por verbos» (Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1658). Habitualmente, os gramáticos descrevem ainda o advérbio como uma classe que pode incidir sobre toda a frase/oração/constituinte. A classe que incide sobre o nome exprimindo um valor de quantificação é a do quantificador. Os quantificadores muitos, poucos, vários aparecerem entre os que se podem associar ao nome1, como acontece no exemplo:

(5) «Muitos/poucos/vários colegas do João vêm a nossa casa.»

Não obstante, alguns autores referem que o advérbio pode também incidir sobre substantivos. É o caso, por exemplo,...

Pergunta:

Gostava de saber a diferença, mesmo que fosse muito subtil ou ligeira, entre os termos «história de encantar» e «conto de fadas».

Contexto: «Os contos de fadas/As histórias de encantar nunca se caracterizaram pela sua credibilidade, já que o seu público-alvo são as crianças.»

Mais um: «Eu não tenho nada mais p'ra te dar/ Esta vida são dois dias e um é para acordar/ Das histórias de encantar/ Das histórias de encantar (ViagensPedro Abrunhosa – 1994)

Com os meus agradecimentos, queria desejar-lhes um ótimo início do verão.

Resposta:

Nas consultas efetuadas, não encontrámos uma tipologia que trate a diferença entre «história de encantar» e «conto de fadas». Aliás em diversos textos, o conto de fadas é descrito como um género que pode incluir elementos de encantamento, tanto no sentido de produzir maravilha como no de incluir elementos mágicos.

Não obstante, Michelle Simonsen, na sua obra Le conte populaire (Paris: PUF, 1984) propõe a seguinte tipologia:

i.        Contos maravilhosos: agrupa os contos de fadas e os seus antinómicos, as bruxas, as feiticeiras, os ogres.

ii.       Contos de animais: colocam em cena animais como únicos protagonistas, ou como protagonistas principais.

iii.      Contos etiológicos: dão explicações sobre a origem ou causa de determinados fenómenos ligados à natureza, sem preocupação de veracidade («A lua e o sol», «Os três rios»).

iv.      Contos faceciosos: contos para rir, em que a paleta do riso se pode alimentar de vária...

Pergunta:

«Eu posso determinar o valor das forças relativamente fácil.»

Ouvi essa frase em um curso de Astrofísica, veio-me a dúvida: colocar «de forma» antes de «relativamente» constituiria uma redundância ou seria necessário? A frase está gramaticalmente correta?

Obrigado!

Resposta:

A frase não é aceitável na variante de português europeu.

Na frase apresentada, o adjetivo fácil incide sobre o verbo determinar, o que não é aceitável do ponto de vista sintático:

(1) «*Eu posso determinar fácil o valor das forças.»

Tipicamente, o adjetivo é uma classe que se combina com o nome ou com o grupo nominal. Daí a agramaticalidade e a estranheza que a frase (1) produz.

A classe que habitualmente se combina com o verbo é a do advérbio, pelo que, numa frase correta, o adjetivo fácil poderia ser convertido num advérbio de modo:

(2) «Eu posso determinar facilmente o valor das forças.»

Todavia, esta opção não seria compatível com o uso do advérbio relativamente. Caso se pretenda manter a modalização introduzida por este último advérbio, a solução seria optar por uma frase que expresse a mesma ideia:

(3) «Eu posso determinar o valor das forças com relativa facilidade.» 

 

Nota: A respeito desta resposta e do uso adverbial de adjetivos no Brasil, enviou-nos o consulente Fernando Bueno (Belo Horizonte, Brasil) as seguintes considerações:

«Sobre a consulta feita com o tema acima, em 26/6/2019, é preciso lembrar o uso de adjetivos fazendo as vezes de advérbios de modo (pelo menos no Brasil), como, por exemplo: "O lutador derrotou fácil (por "facilmente") o oponente", "O aluno se dirigiu ríspido (por "rispidamente") ao professor" . Assim a frase apresentada estaria correta por aqui: "Eu posso determinar fácil o valor das forças ". É cl...

Pergunta:

Posso dizer «Eu e os meus amigos», ou «Os meus amigos e eu»?

Uma falante da língua francesa disse-me que em francês não pode existir a segunda possibilidade[1], mas na língua portuguesa não me soam mal ambas as hipóteses supracitadas. Estarei errada?

Grata pela vossa atenção.

 

[N.E. (1/07/2019) – Trata-se de um equívoco, porque em francês, por uma questão de delicadeza, o recomendado é «mes amis et moi» (= «os meus amigos e eu»), ou seja, o pronome de 1.ª pessoa vem depois da referência a outras pessoas – «ma femme et moi» (= «a minha mulher e eu»), e não «moi et ma femme»). Cf. moi na versão em linha do Dictionnaire Larousse)].

Resposta:

Ambas as possibilidades estão corretas. A escolha de uma ou outra posição está dependente de regras de cortesia ou de outra natureza.

A colocação do pronome eu em último lugar pode ficar a dever-se a uma regra de cortesia, que procura evitar uma atitude de imodéstia:

(1) «A Maria, a Rita e eu fizemos este trabalho.»

No entanto, esta preocupação com a cortesia pode deixar de ser pertinente se uma outra razão pragmática justificar a colocação do pronome eu em primeiro lugar. Cunha e Cintra referem, por exemplo, que o pronome deverá abrir a sequência «se, porém, o que se declara contém algo de desagradável ou importa responsabilidade» (Nova Gramática do Português Contemporâneo. Edições Sá da Costa, p. 289). Os mesmos apresentam como exemplo a frase:

(2) «Eu, Carlos e Augusto fomos os culpados do acidente.» (Ibidem)

Importa ainda referir que a presença do pronome de primeira pessoa condiciona a flexão verbal na primeira pessoa do plural («Eu, Carlos e Augusto» = «Nós»).

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