Pergunta:
Para além da minha profissão na área tributária, sou escritora e poeta. A língua portuguesa é, para mim, essencial no meu dia a dia e costumo dizer que tive o privilégio de ter bons professores de português ao longo da minha vida estudantil. A minha tendência natural foi seguir Humanidades, desejando formar-me em História, contudo acabei em Direito. Recentemente, para além do prazer, por necessidade, comecei a fazer revisão de textos (técnicos, históricos, infantojuvenis, poéticos/poesia…).
Naturalmente, que no decorrer desta nova atividade, tenho-me deparado com todo o tipo de formação e conhecimento das pessoas que se cruzam comigo. Na sequência da revisão a um prefácio elaborado num livro de poesia por uma professora de português, e em virtude de não ser do meu conhecimento a utilização de, no final de uma frase, reticências seguidas de um ponto de exclamação, questiono se tal é correto aplicar-se.
Segue um exemplo: «[…] A determinada parte do texto, verifica-se uma dor plangente, e a necessidade de uma fuga que se crê premente, porquanto, só os braços da sua mãe, lhe dão o conforto que o mundo roubou sem porquê…! […]»
Grata, desde já, pela atenção que possam dispensar.
Resposta:
A combinação das reticências com o ponto de exclamação está prevista nas gramáticas, mas não pela ordem apresentada.
As reticências são usadas para assinalar uma suspensão na frase. Neste âmbito é possível a sua combinação, por um lado, com a vírgula ou ponto e vírgula, mantendo as reticências um valor melódico, indicando, por exemplo, uma pausa expressiva (muito comum no discurso dramático). A vírgula (ou ponto e vírgula) coloca-se depois das reticências, permitindo a continuação da frase:
(1) «Passai, ó vagas…, mas passai de manso!» (Castro Alves, Obra completa1)
Por outro lado, as reticências podem combinar-se com sinais melódicos (ponto de interrogação e ponto de exclamação, ou até os dois sinais em conjunto). Como explicam Cunha e Cintra, «[n]este caso, as reticências prolongam a duração de certas inflexões interrogativa e exclamativa e acrescentam-lhes certos matizes particulares»2. Neste caso, as reticências colocam-se depois do ponto de interrogação ou ponto de exclamação. Veja-se o exemplo:
(2) «Margarida – (a gritar) Jesus! Virgem Mãe!...
Custódia – Que foi?... Que foi isto?!...»3 (Bernardo Santareno, O crime da aldeia velha)
Assim sendo, na frase apresentada a ordem dos sinais de pontuação deveria ser invertida:
(3) «A determinada parte do texto, verifica-se uma dor plangente, e a necessidade de uma fuga que se crê premente, porquanto, só os braços da sua mãe, lhe dão o conforto que o mundo roubou sem porquê!…»