Pergunta:
Por influência das telenovelas brasileiras, ouve-se cada vez mais, infelizmente, certas expressões, como «Ela chamou-o de burro». Antes de mais, sabemos que, neste exemplo, o verbo chamar não pede a regência da preposição de, nem está correto o uso do pronome pessoal forma do complemento direto o, devendo usar-se o pronome pessoal forma do complemento indireto lhe. Havendo, porém, necessidade de analisar uma frase deste tipo, em que o verbo chamar aqui seria transitivo direto e indireto, as minhas dúvidas são :
1. O pronome o, identificado como forma do CD, passa aqui a ter a função de CI?
2. Qual a classificação sintática de «de burra»?
Muito obrigada.
Resposta:
É necessário começar por esclarecer que a construção «chamar alguém de...» não é um erro. Apesar de estar hoje identificada com o português do Brasil, sabemos que ela também ocorre na história geral do português, antes da atual diferenciação, e, mais tarde, talvez por reforço do contacto com o português do Brasil, no português de Portugal. Note-se, a propósito, que a construção se encontra em autores portugueses, pelo menos desde os fins do século XIX, o que pode pôr em causa a influência direta das telenovelas brasileiras:
(1) «Iria profanar-lhe os ossos, como um micróbio, visitá-lo até à rede interna dos ossos e a polpa do coração. A isso se chamava de trabalho abominável.» (Lídia Jorge, O Vale da Paixão, 1998, in Corpus do Português de Mark Davies)
(2) «E pouco demorou a que chegassem, convocados pelos brados de um que gritava no que chamavam de minarete [...]. (Mário Cláudio, Peregrinação de Barnabé das Índias, 1998, idem)
(3) «O incidente, que nem de propósito, distraiu da bengala e chamou de águas passadas o assunto da Francelina [...].» (Tomaz de Figueiredo, Gata Borralheira, 1954, idem)
(4) Como o Deão também fosse atacado pela mania oratória, a qual lhe dava para grandes e labirínticas metáforas, foi dizendo: « Antes do tremor de mãos eu noto em V. Ex. o que os peritos