Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Devemos dizer e escrever «ter pressa de» ou «em»? Por exemplo: «Tenho pressa de/em publicar este livro.

Obrigado.

Resposta:

Diz-se das duas maneiras, como evidencia, por exemplo, uma consulta do Corpus do Portugués:

(1) «Tinha pressa de chegar à beira do Germano, homem idoso, mas, ainda lesto, desembaraçado. » (João de Araújo Correia, Carta de Óbito)

(2) «Quando chegou à fonte viu a clareira coberta de ovelhas, que empurrando-se em silencio, furando, cahindo e mordendo o pó que levantavam, tinham pressa em chegar á grande pia de pedra, para beber.» (Júlio Dantas, Os Gallos de Apolo, 1921)

Dicionários de regências nominais – o de Celso Pedro Luft e o de Francisco Fernandes, ambos brasileiros – confirmam estes usos com exemplos literários quer do Brasil quer de Portugal.

Pergunta:

Qual é/seria o adjetivo pátrio reduzido de catalão?

Obrigado.

Resposta:

Na prática, excecionalmente, não há forma reduzida, porque a forma possível – catalano- – é obviamente mais extensa que catalão.

Em compostos coordenados, do mesmo tipo que lusofalante e anglo-português ou franco-belga, e tal como a alemão corresponde alemano (ainda que esta forma seja rara, dado que em compostos coordenados se prefere germano-), infere-se a forma catalano-, de catalão: catalanofalante1, catalano-francês.

 

1 Cf. Dicionário Houaiss, versão eletrónica (2001)

Pergunta:

Posso iniciar a frase com preposição em antes de adjetivos como referente?

Por exemplo: «Em referente à paciente Maria Alves, fizemos o cadastro da mesma...» ou, no caso, a frase acima estaria incorreta, optando pela construção de: «Referente à paciente Maria Alves, fizemos o cadastro da mesma...»

Resposta:

A expressão em apreço tem a forma «no referente»1: «No referente à paciente Maria Alves, fizemos o cadastro da mesma...»

Existe uma locução alternativa também correta, construída com o nome referência: «Com referência à paciente...» ou, ainda, «Em referência à paciente....»

Envolvendo adjetivos sufixados por -nte, locuções equivalentes são ainda «no tocante a», «no concernente a» e «no respeitante».2

 

1 Cf. Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (2003, s.v. referente).

2 Cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa.

Pergunta:

Começa a ser cada vez mais comum ouvir a expressão: «promoções de até x ou y».

Se antes só ouvia isso a um professor brasileiro, já é corrente ouvir/ler esse «de até» em vez apenas até. Qual a forma correta?

Resposta:

Ambas as formas estão corretas. Ao nome promoção associa-se geralmente um complemento introduzido pela preposição de: «promoções de 10%». Contudo, subentendendo «de 1% até 10%», é possível construir «promoções de até 10%».

A sequência «de até» ocorre em estruturas que não oferecem dúvidas quanto à sua correção, mesmo no português de Portugal, como evidencia uma consulta do Corpus do Português, de Mark Davies:

(1) «Só a graça de respeitar sinceramente os seus superiores, e de até os temer, quem sabe? como as crianças..» (Irene Lisboa, O Pouco e o Muito: Crónica Urbana, 1956)

Também figura em construções que marcam um limite temporal/espacial ou no limite de uma quantificação, como se pode confirmar pelos seguintes exemplos:

(2) «Achas que siga contando com a simpleza de até aqui, ou parece-te que deva orquestrar o feito, wagnerianamente?» (Tomás de Figueiredo, Monólogo em Elsenor – Noites das Oliveiras)

(3) «[...] nas áreas abrangidas verificaram-se aumentos por hectare de 2000 kg para o arroz e de até 8000 kg para o milho.» ("Custo do hectare duplica o do Alqueva", Expresso, 08/11/1997)

Ou seja, entre uma preposição e o seu complemento, mesmo que este envolva uma expressão numérica, é possível intercalar a preposição para marcar a noção de inclusão (como em 1) ou de limite (exemplos 2 e 3).

Como se observa na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1505), há sequências «em que [...] duas preposições mantêm o seu significado e uso básicos: trata-s...

Pergunta:

Já que antes vem do latim ante, que significava «diante de», «na presença de», há registro de antes, ainda que numa linguagem literária, sendo usado no lugar de ante?

Sem querer apelar ao estrangeirismo, mas em inglês «ante mim», por exemplo, diz-se before me.

Não haveria uma lógica semelhante?

Resposta:

O uso preposiconal de antes não é possível sem a preposição de. Não se considera, portanto, correta uma expressão como «antes mim», em lugar da correta «ante mim». Com antes, a forma devida é «antes de mim».

A locução prepositiva «antes de» tem de ser entendida em relação com «depois de». São ambas locuções prepositivas que integram a preposição de. Esta preposição também se associou, na Idade Média, a dês, dando a forma atual desde.