Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a origem do termo desaguisado?

Resposta:

No sentido de «desavença», «desinteligência», desaguisado é um substantivo analisável como conversão do particípio passado de desaguisar, verbo que, por sua vez, deriva de aguisar ou guisar, na aceção de «preparar» (cf. Dicionário Houaiss). Guisar deriva de guisa, substantivo com a seguinte etimologia: «germânico *wisa, "modo, maneira"; José Pedro Machado menciona o latim popular *guisa, de origem germânica» (idem). Note-se que desaguisado é palavra que se atesta desde o século XIII (idem).

Pergunta:

Gostaria de saber se a expressão «como assim» seguida de um complemento deve ter vírgula. Por exemplo: «como assim você não quer?», «como assim ele caiu?», «como assim azul? Eu achei que era verde».

Deve haver vírgula após «como assim»?

Obrigada!

Resposta:

Não disponho de fontes que deem parecer sobre o uso escrito de «como assim», mas considero que é de recomendar a vírgula, porque, embora seja um marcador discursivo frequentemente usado sozinho, figura como uma unidade justaposta, sem relação clara sintática com outros constituintes, caso ocorra inserido numa frase.

Tendo em conta que «como assim» indica que o falante não entendeu ou não aceita o conteúdo de um enunciado anterior, pode propor-se o seguinte contexto de ocorrência:

(1) – Ele caiu.
     – Como assim?

O contexto (1) pode também incluir na resposta a retoma do enunciado que motiva a interrogação – podendo esta retoma ficar separada por vírgula:

(2) – Ele caiu.

     – Como assim, ele caiu?

Observe-se, no entanto, que o que aqui se aconselha não é necessariamente seguido na prática. Por exemplo, uma consulta da Folha de São Paulo mostra que é possível usar «como assim» sem vírgula seguido da repetição do enunciado [transpondo isto para o exemplo (2), teríamos «como assim ele caiu?»]. Não se trata, portanto, de um caso a que se aplique uma norma rígida.

Assinale-se que a expressão «como assim» é típica do português do Brasil. Em Portugal, é conhecida, mas os falantes não parecem usá-la frequentemente.

* Segundo o Dicionário de Usos do Português do Brasil (São Paulo, Editora Ática, 20...

Pergunta:

Eu trabalho em laboratório de análises clínicas no setor de microbiologia. Corriqueiramente utilizo uma técnica para coloração de bactérias, denominada Gram em homenagem ao seu descobridor – Hans Christian Joachim Gram (1853-1938).

Após o processo de coloração os microrganismos são chamados "gram-positivo(s)" ou "gram-negativo(s)" dependendo da coloração que adquirem. Tenho dúvidas em como utilizar corretamente a palavra Gram:

• É necessário escrevê-la com letra maiúscula, ou pode ser com letra minúscula quando no meio do texto?

• O correto é escrever "Gram-positivo" (com hífen), ou "Gram positivo" (sem hífen)?

• Os microrganismos apresentam várias formas (cocos, bacilos) que são combinados com o resultado da coloração de Gram para descrevê-los. Para pluralizar “bacilo Gram-positivo”, qual a maneira correta, “bacilos Gram-positivo”, ou “bacilos Gram-positivos”?

Resposta:

As fontes brasileiras consultadas* apontam como grafias recomendáveis as que têm inicial maiúscula: Gram-negativo, Gram-positivo. No entanto, fontes portuguesas** registam estes adjetivos com minúscula inicial, sem indicação de que a maiúscula seja aconselhável. Comum a toda a bibliografia de apoio é a hifenização das formas adjetivais em causa, cujos plurais são Gram-negativos e Gram-positivos – ou gram-negativos e gram-positivos. Diga-se e escreva-se, portanto, «bacilos Gram-positivos»/«bacilos gram-positivos».

* Fontes: Dicionário Houaiss e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras.

** Vocabulário Ortográfico da Porto Editora, na Infopédia, e Vocabulário Ortográfico do Português. Ver também o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Gostaria de saber a etimologia da palavra eletrólito.

Obrigada.

Resposta:

Eletrólito tem, entre outras definições, a de «composto químico que, em fusão ou em solução, pode dissociar-se em iões por ação de uma corrente elétrica» (aceção do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

É um termo científico formado em português, mas seguindo o padrão de termos parecidos em inglês (electrolyte) e francês (électrolyte), que também vão buscar formantes de origem grega: eletr(i/o)- + -lito. Segundo o Dicionário Houaiss, o elemento eletr(i/o) vem do grego êlektron, «âmbar amarelo», e -lito, também do grego, do adjetivo verbal lutós, ê, ón, «que pode ser desligado ou dissolvido» (do verbo lúō, «desligar, dissolver»). O referido dicionário atesta a palavra, em português, a partir de 1858 («electrolyto»).

Pergunta:

A palavra razia, com z, pode também aplicar-se ao acto de fazer uma tangente a um ciclista ou um peão no trânsito? Pesquisei [para saber] se existe a palavra "rasia" (que teria lógica, relacionada com a palavra rasar – «roçar, tocar ao de leve»), mas não encontrei.

Será correcto usar razia?

Resposta:

A palavra em questão é homófona de razia, «ruína, depredação», mas, tendo em conta a sua relação com rasar (= roçar), deve ser escrita com s. No português de Portugal, é vocábulo do registo informal, que ocorre na expressão «fazer uma rasia», isto é, «fazer uma tangente», «passar rente», e que deve ter surgido por analogia com razia, ou até por deturpação desta. Trata-se, portanto, de um termo da linguagem popular, que não deve ocorrer noutros registos que requeiram maior rigor ou formalidade.