Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É frequente ler/ouvir o termo "alectuado" referido a doente acamado. "Alectuamento" seria o termo que designaria o "acamamento", eventualmente mais correcto, mas que não soa tão bem... A palavra não consta dos dicionários de português que tenho consultado. A origem estaria suportada, julgo eu, pela origem da palavra leito/"lectus". Gostaria de saber a V. opinião. Obrigado.

Resposta:

Comecemos por alectuamento, que se encontra no Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (versão da 10.ª edição do dicionário de António de Morais Silva), com o significado de «processo usado no curativo de algumas formas de alienação». A definição é muito sumária, mas é legítimo supor-se que o referido processo consistisse em confinar à cama o paciente, pelo que é aceitável, também, aplicar o vocábulo a qualquer situação deste tipo.

Quanto a alectuado, os dicionários gerais não o acolhem. Contudo, a palavra encerra o mesmo radical que alectuamento, pressupondo um verbo alectuar, que os dicionários não atestam. Mesmo assim, em trabalhos científicos, a palavra pode ocorrer, sendo definida como o mesmo que acamado, uso que se exemplifica a seguir (sublinhado nosso):

(i) Os domínios transferir-se, elevar-se e virar-se, tal como foi referido na análise fatorial, pela proximidade conjunta identificada, refletem a capacidade de a pessoa se posicionar e deslocar do local onde se encontra (cama/cadeira) traduzindo um perfil de dependência designado por alectuado enquanto estado de confinamento ao leito (ACSS, 2010), ou como tradicionalmente é referido, pessoa acamada ou grande dependente. (Andreia Cátia Jorge da Silva, Famílias Que Integram Pessoas Dependentes no Autocuidado – Estudo Exploratório de Base Populacional no Concelho do Lisboa, tese de doutoramento em Enfermagem, Universidade Católica Portuguesa, 2013, p. 287.)

A citação remete para a codificação do Portal da Codificação Clínica e dos GDH.

Trata-se, portanto, de um termo que não parece ocorrer na língua não especializ...

Pergunta:

Em contexto musical utilizamos a palavra "decateto" para significar um grupo de 10 músicos. Por exemplo, «decateto de metais» ou «decateto de cordas». Não encontro essa palavra nos dicionários. Estará incorreta a sua utilização?

Resposta:

Na verdade, os dicionários – mais antigos ou mais recentes – não apresentam registos de "decateto". Contudo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1.ª edição, 2001) acolhe deceto, com o significado de «composição para dez instrumentos». Este vocábulo também figura no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa.

Refira-se que deceto é formado de acordo com o modelo de dueto, terceto, quarteto, quinteto e sexteto, que, ainda recorrendo a informação (etimológica) do Dicionário Houaiss, são adaptações de, respetivamente duetto, terzetto, quartetto, quintetto e sestetto, todas palavras provenientes do italiano. Destas, foi possível depreender um sufixo -eto, o qual, marcando a noção de dimensão (cf. -eto, idem), permitiu a formação de septeto, octeto, noneto e deceto (idem). Observe-se que as fontes consultadas não incluem formas como *"undeceto" ou "dodeceto".

Voltando à forma "decateto", esta afigura-se problemática, porque:

a) por um lado, não tendo constituintes com a mesma origem linguística – deca- é a transposição do grego dékas, dekádos (grupo de dez, dezena; cf. idem), ao associar-se ao elemento -eto, de origem latina –, forma um híbrido, o que nem sempre é bem aceite pelos gramáticos mais tradicionalistas;

b) por outro lado, exibe uma consoante de ligação -t- (deca -t-eto) cuja ocorrência é difícil de justificar, dado não ter apoio na etimologia dos constituintes envolvidos: ne...

Pergunta:

Quando se diz de uma pessoa que ela é bonzanas, se refere a que carácter? É uma pessoa que faz como se tudo estivesse bem todo o tempo? Ou é mais uma pessoa com tendência à preguiça?

Obrigado.

Resposta:

Trata-se de uma palavra que se aplica a uma «boa pessoa, afável, caritativa», de acordo com a definição de uma forma muito semelhante, bonzana, que Guilherme Augusto Simões, a par de bonzão, regista no seu Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições Dom Quixote, 1994).

Bonzanas e bonzana parecem derivar de bonzão, que pode significar «pessoa afável», embora também seja usado como o mesmo que «homem atraente» e «valente» (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; em referência a uma mulher, emprega-se boazona e boazuda, em registos informais e no calão ou gíria – ver Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e Dicionário Houaiss). Como palavra derivada, bonzanas apresenta o sufixo -anas, que admite a variante -ana e ocorre em casos como os de doidivanas e pobretanas. Sobre este sufixo, observa o Dicionário Houaiss, no respetivo verbete:

«É notável a ocorrência em port[uguês] de suf[ixos] expressivos – pilhéria, humor, pejoração, afetividade – de estrutura comparável a -anas, a saber -vcas (v = vogal, c = consoante): -anas, -aças, -angas, -icas, -ichas, -igas, -inchas, -ingas, -inhas, -ipas, -olas, com eventual contaminação expressiva em formas em -ongas, -u...

Pergunta:

Desejava saber se o termo know-how ou saber-fazer não poderiam ambos ser traduzidos pelo vernáculo português traquejo. Estou em crer que o termo traquejo significa o conhecimento contínuo por via do uso ou experiência num período temporal por uma pessoa ou um grupo de pessoas num determinado assunto ou matéria.

Obrigado.

Resposta:

Saber-fazer é de facto uma solução – ao que parece, decalcada do francês savor-faire (ver saber-fazer no Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora) – há já bastante tempo adotada como tradução do inglês know-how. No entanto, existem outras possibilidades, entre elas, a (supostamente) banal experiência, conforme propõe o portal de tradução Linguee. A tradução do consulente também é adequada e legítima, até porque as noções de experiência ou prática estão no cerne do significado de traquejo, que o Dicionário Houaiss define como «muita prática ou experiência em qualquer atividade».

Cf. 8 palavras que os ingleses nos roubaram

Pergunta:

Existe publicada alguma informacão sobre os lagartos chamados Anolis? Tenho-os visto como Anolis carolinensis, "anolis-verde" e Anolis forbesi ou "lagarto de Forbes". São ambas as formas aceites na língua portuguesa ("anolis" e lagarto) ou só a forma de lagarto?

Obrigado.

Resposta:

A palavra anólis, como adaptação do latim científico Anolis, está dicionarizada como denominação de uma espécie de lagartos, pelo menos, em obras produzidas no Brasil, como o dicionário Aulete Digital e o Dicionário Houaiss, que a define assim: «design[ação]. comum aos lagartos do gên[ero]. Anolis, da fam[ília]. dos iguanídeos, com cerca de 200 [e]sp[écies]., de tamanho pequeno, encontradas esp[ecialmente]. nas Américas do Sul e Central (São capazes de mudar de cor, e os machos possuem uma barbela colorida, us[ualmente]. em exibições visuais).» Contudo, não foi possível confirmar o uso ou o registo dicionarístico das formas "anólis-verde" (o hífen justificar-se-á, tratando-se de uma espécie animal que se distingue de outras) e "anólis-de-Forbes" (o hífen fica justificado também por se tratar da denominação de uma espécie animal). São palavras possíveis, mas a verdade é que ainda aguardam atestações, tanto no discurso especializado como na linguagem mais corrente.