Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
436K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho uma dúvida relativa à acentuação ou não da palavra "paraparésia".

"Paraparesia" ou "paraparésia"?

Hemiparesia não se acentua.

Grata por toda a colaboração.

Resposta:

Tendo em conta que se diz e escreve paresia1, com o significado de «perda parcial de motricidade» (Dicionário Houaiss), a forma correta é paraparesia. Esta palavra está registada no Dicionário de Termos Médicos da Infopédia, com a definição de «paresia ligeira, em especial, dos membros inferiores».

Paresia provém do grego páresis, eōs, «ação de deixar ir, de relaxar, donde relaxamento, enfraquecimento» (Hoauiss). Paraparesia é um derivado formado pelo prefixo para-, que neste caso marca a noção de «semelhança», e o nome paresia.

 

1 Ver Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) e Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves.

Pergunta:

Não consigo encontrar, em parte nenhuma, a origem do nome Balcão.

Balcão pode ser usado como: nome intermédio ou sobrenome, sendo a sua utilização como nome intermédio o mais frequente.

Alguns dizem que provém duma alcunha, que depois se tornou nome, mas não consigo encontrar a resposta.

Espero que o Ciberdúvidas me possa ajudar.

Resposta:

É possível que se trate de um apelido com origem numa alcunha criada por motivos obscuros, a partir de balcão («varanda», «móvel para definir uma área de atendimento no comércio e nos serviços»)1.

Contudo, pode também ter origem no topónimo Balcão, que se encontra em alguns pontos do centro e do norte de Portugal2 e que parece provir de «vale cão», em que cão é um homónimo de cão (animal) mas com o  significado de «branco», o que se entende, considerando a relação de cão com cãs, «cabelos branco», e encanecer, «ficar branco». «Vale cão» significaria, portanto, «vale branco», no sentido de «bem iluminado»3.

A verdade é que não se dispõe de informação segura sobre a origem de Balcão quer como apelido quer como topónimo.

 

1 Ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003. Recorde-se que, em Portugal, apelido e alcunha são, no Brasil, o mesmo que sobrenome e apelido, respetivamente.

2 Ibidem.

3 A. Almeida Fernandes, Toponímia Portuguesa. Exame a um Dicionário, 1999.

Pergunta:

Vi na televisão a seguinte frase numa legenda, que julgo ser incorrecta[*]: «Não vamos ir».

Agradecia um comentário, perante a atitude de um colega que a defendeu e não aceitou os meus argumentos.

Desde já grato.

 

[* N. E. – O consulente adota a norma ortográfica de 1945.]

Resposta:

Do ponto de vista do padrão correto do português, evita-se, como já antes dissemos no Ciberdúvidas (ver Textos Relacionados, infra) o encontro do auxiliar ir com ir usado como verbo pleno. O caso da legenda constitui, portanto, um erro no quadro da norma de Portugal ou na de outros países de língua portuguesa.

Contudo, em vários falares regionais, por exemplo, nos da Madeira, registam-se as formas «vou ir» ou «vamos ir» (sublinhado nosso):

(1) «[...] [E]ncontramos buxo encostado ou buxo voltado, “Entorse na barriga provocado por queda, o que é vulgar em crianças e adultos. – Eu acho, vezenha qu`o piqueno `tá c`o buxo encostado. Vou ir a casa duma milher intendida.”» (Maria Florentina Silva Santos, À luz das Palavras quase Esquecidas, Universidade da Madeira, p. 72).

(2) «"Eu penso que vamos ir a uma coisa paradoxal: o volume, o custo, igual ao que é o orçamento anual da Região Autónoma"» [declarações de Alberto João Jardim, antigo presidente do Governo Regional da Madeira (1978-2015) ao programa Grande Reportagem, citado por Helder Guégués, Assim Mesmo, 26/02/2010].

É verdade que nas legendas se devem evitar padrões regionais, recomendando-se a adoção de uma língua mais neutra. No entanto, é possível que a tradução reflita alguma precipitação, talvez a verter em português a construção inglesa «we are...

Pergunta:

Leio nos jornais impressos, vez por outra, o emprego da palavra cirurgiado.

Estaria correto o uso desse neologismo ou seria condenável a utilização dessa palavra, perante a norma culta da língua portuguesa?

Obrigado.

Resposta:

No lugar de operado e «submetido a cirurgia/intervenção cirúrgica»,  cirurgiado é termo que, embora circule no uso, não se recomenda por enquanto.

Assinale-se que o verbo cirurgiar, de que cirurgiado é o particípio passado, não é novidade, pois já encontra registo em dicionários menos recentes, como seja o Dicionário de Caldas Aulete, que o consigna como como termo jocoso no sentido de «fazer de cirurgião».

Pergunta:

Qual é o presente do conjuntivo do verbo eclodir?

Resposta:

Para vários autores, eclodir, «tornar-se visível subitamente; surgir» (Dicionário Hoauiss), é um verbo defetivo, que só se conjuga nas formas cujo acento tónico se coloca depois do radical (formas arrizotónicas; cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966). Nesta perspetiva, o verbo eclodir só terá, no presente do conjuntivo, as seguintes formas: eclodamos e eclodais. Contudo, noutras fontes, encontra-se este mesmo verbo completamente conjugado. É o caso do dicionário da Infopédia (Porto Editora) e do Dicionário Houaiss: ecloda, eclodas, ecloda, eclodamos, eclodais, eclodam.

Uma consulta do Corpus do Português (de Mark Davies) permite observar que as formas flexionadas mais frequentes são as da 3.ª pessoa do singular e do plural, recebam elas o acento tónico no radical (eclod-) ou na terminação: eclodiu (24 ocorrências), eclodem (17), eclode (12), eclodiram ( 10). Frequente é também o infinitivo eclodir (22). Sendo assim, a ideia de este verbo ser defetivo não terá tanto que ver com a colocação do acento, mas mais com as condições de ocorrência das referidas formas, que se associam a nomes que denotam eventos súbitos (guerra, revolução, revolta ou até ovo, em alusão à c...