Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Parabéns pelo site! É uma iniciativa muito útil e esclarecedora!

Gostaria de saber a regência correta de atenção, no caso da expressão «prestar atenção». Presta-se atenção «a algo» ou «em algo»? Exemplos:

a) «(...) se vocês prestarem atenção no/ao que eu digo, se fizerem o que é certo e se guardarem os meus mandamentos, eu não os castigarei com nenhuma das doenças que mandei contra os egípcios»;

b) «Povo de Israel, preste atenção nas leis e nos mandamentos/às leis e aos mandamentos que estou dando a vocês hoje»;

c) «Venham cá e prestem atenção naquilo/àquilo que o Senhor, nosso Deus, vai dizer.»

Muito obrigada!

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas primeiras palavras.

Quanto à expressão «prestar atenção», as preposições usadas na regência são a ou em, conforme se descreve no Dicionário Houaiss:

«prestar atenção a ou em. olhar, ouvir, sentir (algo) com atenção aumentada, concentrada. Ex.: preste atenção ao (ou no) que ele está dizendo.»

Refira-se que no português de Portugal se prefere a preposição a com esta locução (pesquisar a expressão «prestar atenção» no Corpus do Português, de Mike Davies e Michael Ferreira).

Pergunta:

Gostava de saber a origem/etimologia da palavra solar (casa nobre).

Muito obrigada.

Resposta:

Usado nas aceções de «moradia de família nobre ou importante» e «moradia de grandes dimensões, geralmente de arquitetura requintada» (cf. solar³, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, na Infopédia), o substantivo solar surgiu como derivado de solo, «chão, terra», palavra à qual se associou o sufixo formador de adjetivos -ar (Dicionário Houaiss; ver também José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa). Sobre este sufixo, lê-se também no Dicionário Houaiss (abreviaturas desenvolvidas):

«do latim -aris, e, alternativo do sufixo -al do latim -ālis, e; é de notar, para estes casos, que a opção linguageira por -ar adjetival, quase que sistematicamente, ocorre em palavras cujo radical encerra l, numa tendência clara à dissimulação de dois ll; a série de adjetivos, sempre de dois gêneros, compreende um bom número de palavras que se substantivam, ocasional ou quase regularmente; nesses casos, o gênero da palavra substantivada é quase sistematicamente função de silepse, subentendido, assim, o gênero do substantivo. pensado: os (elementos) preliminares, as (noções) preliminares, a (decisão, sentença) liminar, o (despacho) liminar etc. [...]»

Por outras palavras e cingindo a discussão a solar, parece que esta teve inicialmente valor adjetival, designando o que era relativo ao solo que era propriedade de uma família. Mais tarde, verificou-se a sua substantivação («o solar»), acompanhada de um processo de restrição semântica que acabou por tornar solar

Pergunta:

A frase «Buffet à domicílio» está errada? Neste caso não deveríamos utilizar o mesmo conceito de «entrega em domícilio»?

Resposta:

Deve escrever «em domicílio», mas também se aceita «a domicílio» (nunca «à domicílio»). Em Portugal, prefere-se «ao domicílio». De qualquer modo, pode usar «buffet em domicílio», «buffet a domicílio» e «buffet ao domicílio».

Pergunta:

Tenho uma dúvida relativamente ao uso das contracções ao ou no com a palavra princípio. Exemplo: «Ao princípio só vais poder fazer exercício duas horas por dia» ou «No princípio só vais poder fazer exercício duas horas por dia». Julgo que a forma correcta é «no», porque é a contracção de «em + o» e responde à pergunta «quando?». O uso de «ao princípio» é um erro gramatical, ou trata-se de uma questão de gosto?

Obrigado.

Resposta:

A expressão que tem mais tradição é «a princípio», que significa «na fase inicial, inicialmente, no princípio» (Dicionário Houaiss). A locução adverbial «no princípio» é o mesmo que «a princípio» (idem).

Pergunta:

O que se entende por erro de morfologia? Já consultei o Dicionário de Terminologia e continuo com dúvidas. Não encontro uma definição esclarecedora para esta tipologia de erro.

Grata pela colaboração, aguardo uma resposta.

Resposta:

No Dicionário Terminológico, a definição do termo morfologia é feita numa perspetiva sobretudo descritiva:

«Disciplina da linguística que descreve e analisa a estrutura interna das palavras e os processos morfológicos de variação e de formação de palavras.»
Sendo assim, a categoria flexional de plural enquadra-se nesta disciplina, como mostra o contraste entre singular e plural no seguinte exemplo: cãocães. Depreende-se que, do ponto de vista normativo, um erro de morfologia seja, então, o uso de uma forma como "catalões" em lugar de catalães, plural correto de catalão. Casos como "interviu"ou "manteu", em vez de interveio e manteve, respetivamente, também representarão erros morfológicos.