Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
405K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Pelo o que se lê no Aulete Digital, depreende-se que croça (ou crossa, em outra grafia) é palavra que designa o báculo (bastão episcopal) como um todo, isto é, desde a extremidade superior recurvada até a inferior reta. Além disto, em outra acepção e por metonímia, é o nome apenas da parte recurva superior, a qual forma uma espécie de gancho ou espiral.

Pois bem, quando vejo em livros e enciclopédias a referida palavra, parece ser nesse último sentido, pois não raro aparecem junto ilustrações, geralmente fotográficas, mostrando essa parte superior do báculo rica e artisticamente trabalhada, com imagens de santos e símbolos cristãos entalhados no meio da madeira que a forma, ou até mesmo toda ela feita de ouro ou prata, neste caso também com adornos ricos, incluindo pedras preciosas. Daí surgiu-me a dúvida se croça (ou crossa), nesse último significado mencionado no parágrafo anterior, denomina a parte superior do bastão episcopal, somente quando é ricamente confeccionada, ou também quando é simples, tendo somente a voluta, sem enfeite nenhum, como sói acontecer com a maioria dos báculos episcopais, ao menos com os que tenho visto aqui no Brasil.

Quanto a grafia da referida palavra, a tendência dos hodiernos dicionários brasileiros da língua portuguesa parece ser a preferência pela forma crossa, por amor à etimologia imediata, o francês crosse, o qual vem do frâncico, ou germânico, krukkya.

Parece ser coisa certa que crosse é a origem mais próxima da nossa 1. Depreende-se que o termo croça se aplica a toda a parte superior de um báculo ou bastão, seja ela trabalhada ou não, até porque tal uso do termo é feito por metonímia de croça, enquanto designação de um báculo inteiro com a extremidade superior recurvada.

2. É difícil dar uma resposta categórica, porque os dicionários divergem quanto à história da palavra. Se o vocábulo croça, na aceção de «bastão com parte superior recurvada» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa), foi transmitido ao português pelo castelhano, tem todo o sentido escrever a palavra com ç, porque é este é o grafema que, em meio de palavra, historicamente corresponde à consoante (uma fricativa interdental) que no espanhol moderno é representada por z (cf. caça vs. caza). Se assim for, deve-se notar que, a respeito dos critérios etimológicos da grafia das palavras, nem sempre prevalece o de refletir a fonia ou grafia mais recuadas — também se tem em conta a história da transmissão da palavra. Não obstante, o Dicionário Houaiss dá primazia à grafia crossa, indicando que que croça é forma não preferível; além disso, em nota etimológica, defende-se aí que a palavra, de origem germânica (concretamente, do frâncico), chegou ao português por via do francês.

Em conclusão, não me parece clara a história da transmissão da forma que veio a tornar-se croça/crossa em português. Tr...

Pergunta:

Para designar quem tem habilitações, ou está encarregado de executar medições, poder-se-á usar indistintamente metrologista e metrólogo? Alguma destas designações é errada, imprópria, ou deve ser evitada?

Resposta:

Os dois termos estão registados, apesar de os dicionários parecerem preferir a forma metrologista. Com efeito, o Dicionário Houaiss acolhe (sem definir) metrólogo, remetendo este vocábulo para metrologista, em cujo verbete se disponibiliza o significado de «especialista em metrologia». O Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora procede de modo semelhante: nele figuram metrólogo, sem definição, e metrologista, com verbete mais completo, contendo uma definição.

Em conclusão, as duas formas são aceitáveis, mas, a fazer fé nos registos lexicográficos, é preferível usar metrologista.

Pergunta:

Podem os valores percentuais corresponder a quantificadores numerais?

Resposta:

Embora o Dicionário Terminológico não os mencione, os valores percentuais podem ser classificados como quantificadores numerais. Com efeito, as expressões de percentagem são estruturalmente semelhantes a numerais fracionários como «metade (de)», «triplo (de)» e a expressões partitivas – «uma porção de», «um litro» —,  estas identificadas com os numerais fracionários no verbete correspondente à subclasse em apreço e aqueles também aí referidos. Assim, atendendo às seguintes expressões:

1. «metade da população»,

2. «parte da população»,

3. «30% da população»,

a conclusão é a de, em 3, a expressão percentual se comportar sintática e semanticamente como o quantificador numeral fracionário de 1 e a expressão partitiva de 2.

Pergunta:

Há uma palavra portuguesa que denota a profissão da pessoa que faz a máscara dos actores no teatro? Em alemão chama-se Maskenbildner.

Resposta:

O consulente não explica exatamente o que entende por máscara no contexto do teatro. Pode tratar-se de «artefacto de cartão, pano, cera e/ou outros materiais, que representa uma cara ou parte dela, e destinado a cobrir o rosto para disfarçar a pessoa que o põe» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora), tal como se usava no teatro da Antiguidade ou na commedia dell´arte italiana e ainda se usa quando se põem em cena peças desses períodos. Neste caso, chama-se aderecista ao profissional que faz a máscara.

Mas a palavra pode também referir-se à caracterização do ator, a qual tem por responsável um profissional que é designado por caracterizador ou uma caracterizadora.

Caso máscara se defina apenas como maquilhagem (maquilagem ou maquiagem, no Brasil; cf. Dicionário Houaiss), é possível ainda falar-se em maquilhador ou maquilhadora (maquilador/maquiladora e maquiador/maquiadora, também no Brasil; cf. idem).

Note-se ainda que a palavra alemã Maskenbildner abrange a atividade de cabeleireiro, como aponta o verbete correspondente à palavra em apreço na versão em linha do dicionário de alemão Duden:

«Maskenbildner jemand, der bei Theater, Film, Fernsehen die Schauspieler schminkt und frisiert (Berufsbezeichnung)» («alguém que maquilha e corta o cabelo aos atores no teatro, cinema e televisão — designação de ...

Pergunta:

É correto falar a frase: «isto é um erro clássico»?

Ou só podemos falar: «isto é um erro crasso»?

Resposta:

São expressões com significados diferentes, porque clássico e crasso não são sinónimos. Assim, de acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, o adjetivo clássico tem as aceções de «modelar», «relativo à Antiguidade greco-latina e à sua literatura», «que corresponde aos padrões de perfeição de uma determinada época», «conforme aos usos, sóbrio», «habitual». Por crasso, entende-se «grosso; espesso», «cerrado; denso», «opaco» e, em sentido figurado, «grosseiro». Em conclusão:

– «erro clássico»: «erro habitual»;

– «erro crasso»: «erro grosseiro, enorme».

Cf. 15 Expressões Populares da Língua Portuguesa