Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No português de Lisboa, no caso das palavras em singular que acabam em -el (p. ex., papel, fiel, mel), como se devem pronunciar correctamente seus plurais? Como "-éis", ou como "-âis"?

Muito obrigado pela ajuda.

Resposta:

As descrições que têm por objecto a pronúncia-padrão das camadas cultas da população portuguesa do chamado eixo Lisboa-Coimbra indicam que esses plurais têm é aberto: papéis [pɐˈpɛjʃ] (cf. M.ª H. Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 994); hotéis [oˈtɛjʃ] (cf. M.ª H. Mira Mateus, "Distribuição das vogais e das consoantes do português europeu", A Pronúncia do Português Europeu). Sendo assim, seria também de supor fiéis [fjɛjʃ] e méis [mɛjʃ].1

No entanto, parece tratar-se de uma pronúncia de falantes mais velhos, porque a maioria dos mais novos articula esses plurais com o mesmo ditongo que se ouve em maneira, ou seja, com "âi": [pɐˈpɐjʃ], [fjɐjʃ], [mɐjʃ]. Não há, portanto diferença entre papéis e papeis (papar).

Trata-se de uma mudança de que muitos falantes não se dão conta, e que, portanto, nem sequer aparece mencionada em listas de erros de feição mais tradicional. Mas convém ler o que diz António Emiliano, em Fonética do Português Europeu: Descrição e Transcrição (Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pág. 290):

No português europeu padrão este ditongo — que ocorria em formas nominais terminadas graficamente em -éis e em palavras de origem grega como ideia — fundiu-se com [ɐi̯] na língua culta da segunda metade do século XX, estando actualmente o uso de [ɛi̯] confinado a camadas...

Pergunta:

A propósito do bruaá à volta do termo empregado, numa entrevista à SIC Notícias, do responsável do programa eleitoral do PSD, Eduardo Catroga, gostava de saber:

1) Como classificar a palavra pentelho? Calão? Mera vulgaridade, ou é mesmo uma obscenidade?

2) Qual a sua origem?

Os meus agradecimentos.

Resposta:

1) A palavra (ou palavrão) pentelho, geralmente «pêlo púbico ou pubiano», mas também «qualquer coisa pequena ou de escassa importância, sem valor» (José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa, Círculo de Leitores, 1991),1 vem classificada de várias formas, conforme o dicionário consultado:

— O Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (edição de 2010) classifica pentelho como vulgarismo.

— Em Machado (op. cit.), uma marca de uso indica que é vocábulo chulo, isto é, «grosseiro, baixo, rústico» (ibidem).

— No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, a palavra aparece atribuída ao calão, que, em Portugal, é designação aplicada à linguagem grosseira ou rude (idem, s.v. calão).

— No Dicionário Houaiss, o vocábulo surge como tabuísmo, entendendo-se este termo como «palavra, locução ou acepção tabus, consideradas chulas, grosseiras ou ofensivas demais na maioria dos contextos [São os chamados palavrões e afins, e referem-se ger. ao metabolismo (cagar, mijar, merda), aos órgãos e funções sexuais (caralho, pica, boceta, vulva, colhão,

Pergunta:

Como se forma o adjetivo pátrio de um individuo que tem dupla cidadania brasileira e suíça? Seria "brasílico-suíço" ou "braso-suíço"? Como quem tem dupla cidadania entre Portugal e Brasil — «cidadão luso-brasileiro». E entre Brasil e Portugal? "Braso-lusitano"? "Ou brasílico-português"?

Resposta:

Como antepositivo relativo ao Brasil, o Dicionário Houaiss indica três opções:

brasileiro: brasileiro-suíço, brasileiro-português;

brasílico: brasílico-suíço, brasílico-português

brasilobrasilo-suíço, brasilo-português.

Pergunta:

Eu gostaria de saber o que significa c. i. e. em referência de obra de arte, por exemplo:

PANCETTI, José. Autorretrato. 1944. Óleo sobre tela, 46,7 cm x 38,5 cm, c. i. e.

Obrigada.

Resposta:

Trata-se de uma abreviatura usada em galerias e leilões de arte (mais especificamente, pintura), correspondente a «canto inferior esquerdo», em referência ao lugar da assinatura na obra. Pode também aparecer com a forma a. c. i. e., «assinado no canto inferior esquerdo». Também ocorrem as abreviaturas c. i. d., «canto inferior direito», c. s. e., «canto superior esquerdo», c. s. d. «canto superior direito». Recomendo a consulta da lista de abreviaturas constante no sítio do Leilão de Arte Tableau.

Pergunta:

Saudando desde já a vossa disponibilidade, gostaria que me elucidassem sobre o género da palavra "exposalão", no seguinte contexto: «Foram realizadas atividades...»

Resposta:

A palavra não se encontra dicionarizada, mas ocorre em páginas da Internet como nome próprio usado em Portugal para designar um «salão de exposições» particular:

«O futuro constrói-se. É esta a certeza que temos quando olhamos para obras como o Exposalão — Multiusos de Sernancelhe, inaugurado pelo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva, no dia 5 de Setembro de 2010.»

Na verdade, este nome deve escrever-se Expossalão, para que o s de salão não soe [z]. Expo- comporta-se como elemento prefixal (um falso prefixo), conforme se encontra noutros nomes atribuídos a equipamentos deste género: Expocasa.

O género da palavra depende, em princípio, do segundo elemento, salão, que é substantivo masculino: «o Expossalão», como se verifica no exemplo acima. No entanto, dado que se trata de nome próprio, aceita-se geralmente o feminino, «a Expossalão», porque se subentendem as palavras «exposição (chamada Expossalão)» ou «feira (chamada Expossalão)», como acontece noutros casos, apesar da existência de um segundo elemento masculino: «a Nauticampo».1

Refira-se também que não fica clara a forma como Expossalão se articula com a expressão «foram realizadas actividades...», mas presume-se que falte a preposição em:  «Foram realizadas actividades no/na Expos...