Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Existe algum argumento real para justificar que rainha, moinho ou buinho não levem acento, mas que o devamos colocar sobre faúlha, suíno ou raízes?

Ou então diga-se claramente que é uma exceção arbitrária que temos de seguir.

Resposta:

Trata-se de um preceito com base numa generalização e que terá aparecido pouco antes da reforma de 1911.

Com efeito, nas Bases da Ortografia Portuguesa de 1885Gonçalves VianaVasconcelos Abreu escrevem moínho, com acento agudo, donde se infere que se propunha acentuar também outras palavras terminadas pela sequência de vogal + -inho/a: raínha,buínho, graínha...

Contudo, o mesmo Gonçalves Viana, em 1904, na sua Ortografia nacional; simplificação e uniformização sistemática das ortografias portuguesas, invoca o argumento da raridade da ocorrência de ditongos antes de nh quando propõe o seguinte preceito (p. 191):

«Sam tão raros, porém, os vocábulos em que [...] "i" ou [...] "u" formem ditongo com a vogal precedente, se depois dêles há uma consoante,diferente do "s", pertencente á mesma sílaba, ou a nasal "nh", ainda que inicial da sílaba seguinte, que a simplicidade nos aconselha a que os deixemos sem acentuação gráfica em tal situação; exemplos: "raiz", "boiz", "sair", "adail", "ainda", "Coimbra", "buinho","moinho", "rainha", "paul", "ruim","maunça", etc.»

Gonçalves Viana volta ao mesmo critério em 1909, no seu Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Lingua Portuguesa conforme A Orto...

Pergunta:

Os apelidos Rodrigues e Roiz são sinónimos, ou o segundo é abreviatura do primeiro?

Muito obrigado.

Resposta:

Os apelidos (sobrenomes) em questão são variantes do mesmo patronímico, isto é, do mesmo nome indicativo do progenitor masculino.

Rodrigues evoluiu de Rodrigo, que era sufixado por -iz no período medieval, significando o conjunto, Rodriguiz, o mesmo que «filho de Rodrigo». De formas criadas desta maneira provêm Henriques (literalmente «filho de Henrique») ou Gonçalves («filho de Gonçalo ou Gonçalvo»).

Rodrigues e Roiz são formas que hoje constituem apelidos diferentes, mas, historicamente, a variante mais curta ocorria antes (proclítica) de outro nome: Fernam Roiz Delgado (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Qual o plural de «claro-escuro»?

Mais uma vez, os dicionários são contraditórios a este respeito...

Qual a forma mais aceitável?

Muito obrigado.

Resposta:

O melhor é consultar os registos de vocabulários ortográficos que tenham também informação sobre a flexão.

Verá o consulente que claro-escuro tem, pelo menos, desde 1966 – ano da publicação do Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves – a seguinte flexão no plural:

a) se for nome: «os claros-escuros», ou seja, ambos os formantes pluralizam;

b) se for adjetivo: «claro-escuros/as», em que o primeiro elemento não vai para o plural, só o segundo.

Vocabulário Ortográfico do Português (Portal da Língua, 2010) regista também como plural do uso nominal claros-escuros (não contempla o uso adjetival)1.

Neste caso, os vocabulários da Academia das Ciências de Lisboa e o da Porto Editora pouco ajudam, porque apresentam os plurais, mas sem indicação do seu uso. O vocabulário da Academia Brasileira de Letras faz o mesmo: apresenta os plurais, mas sem os relacionar com usos nominais e usos adjetivais.

Em suma, se se empregar claro-escuro como nome, o plural é claros-escuros.

 

1 Consultar também o recente vol. III da

Pergunta:

É com humildade que realizo a minha primeira pergunta nesta plataforma, aos professores que tanto admiro.

A dúvida é curta: qual a etimologia do substantivo "boca-de-lobo" (no que tange ao seu sentido de «bueiro»)?

Procurei-a no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, mas, embora lá conste a definição do nome, não há sugestão de suas raízes etimológicas. Demais, na Infopédia e no próprio Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, sequer há o seu registro¹.

Poderia ser que, originalmente, a expressão dissesse "boca-de-lodo", em vez de "boca-de-lobo"? Desde já, agradeço pela atenção e conhecimento despendidos.

¹ Data das consultas: 15.03.2021.

Resposta:

Como o mesmo que bueiro (em Lisboa, prefere-se sarjeta), isto é, «abertura para esgoto de águas superficiais», boca de lobo escreve-se sem hífenes, ao abrigo do acordo ortográfico em vigor (Base XV)1. A palavra está registada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, bem como no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, mas confirma-se que não se encontra na Infopédia. De qualquer forma, observe-se que, em Portugal, o vocábulo parece pouco ou nada usado na referida aceção2.

As fontes citadas não confirmam a origem proposta pelo consulente. Em nota etimológica, o Dicionário Houaiss é omisso quanto à etimologia de boca de lobo no sentido de «bueiro, sarjeta» e, referindo-se a boca de leão numa outra aceção («peça fêmea de endentação triangular»), nada adianta sobre as origens do termo. Pode ser também que a palavra seja devida a um uso metafórico: o buraco para escoamento de águas é como a boca de um lobo voraz.

1 Antes da vigência da atual norma ortográfica, escrevia-se com hífenes: boca-de-lobo (cf. Dicionário Houaiss, 1.ª edição, de 2001).

2 Outras aceções segundo o Priberam: «tampa ou grade escoadouro (nas ...

Pergunta:

Creio que percebo o sentido de por entre (aliás, uma resposta anterior do Ciberdúvidas fortaleceu-me nessa opinião). No entanto, pergunto-me se podemos sempre usar entre onde por vezes nos parece melhor por entre.

Acabo de ler uma frase que termina com «ouvindo o sussurro do vento entre as árvores». Neste caso, parece-me que o correto deve ser «por entre as árvores», como se estivéssemos a falar de um movimento que ocorre no interior da floresta... Não sei se estou a ser claro.

Em suma, gostava de saber se há alguma diferença clara entre entre e por entre. No exemplo que acabo de dar, não deveria ler-se por entre?

Muito obrigado.

Resposta:

A sequência «ouvindo o sussurro do vento entre as árvores» não está incorreta. Pelo contrário, é tão correta como «ouvindo o sussurro do vento por entre as árvores».

Há no entanto, dois aspetos semânticos a considerar na ocorrência da preposição entre e na combinação de preposições por entre1 no contexto em apreço:

1. Subentendendo o verbo passar ou outro verbo de movimento (correr, deslocar-se), aceitam-se «ouvindo o sussurro do vento passar entre as árvores» e «ouvindo o sussurro do vento passar por entre as árvores». Há, claro, uma diferença de significado, sendo a segunda versão da frase mais dinâmica, a sublinhar a travessia (a do conjunto de árvores).

2. A expressão «ouvindo o sussurro do vento por entre as árvores» pode ter um grau de ambiguidade menor por comparação com «ouvindo o sussurro do vento entre as árvores». Com efeito, com a preposição simples, pode dar-se à oração dupla interpretação: «o vento passa entre as árvores» e «quem ouve está entre as árvores». Na versão com a sequência prepositiva por entre1, reduz-se a ambiguidade, porque o conhecimento da realidade extralinguística permite aceitar que o quadro dinâmico em referência é resultado do vento e não do sujeito que ouve.

 

1 O Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2002) classifica por entre como locução prepositiva. Contudo, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, pp. 1505), só até a constitui uma locução prepositiva formada por duas preposições. Casos como por entre («A prancha ...