Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
404K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em salarium > salariu > salário, para além da apócope, que outro fenómeno acontece?

Resposta:

A palavra foi transmitida por via erudita e, por isso, não sofreu fenómenos fonéticos característicos da fase medieval da língua, como seja a queda do -l- intervocálico (malu- > mau). Mas podem referir-se dois outros processos, um, provavelmente já antigo, e outro, comparativamente mais recente:

a) o provável avanço da vogal final que passou de -u em latim para -o, pelo menos até meados do período medieval, processo que ainda hoje é testemunhado pela grafia (escreve-se salário, e não "saláriu");

b) mais recentemente, talvez a partir do século XVIII, o processo de elevação do vocalismo átono no português europeu, afectando não apenas a vogal em posição átona final, como explicado em a), mas estendendo-se às vogais das sílabas pré-tónicas — daí a pronúncia [u] do grafema o e o "a" átono da primeira sílaba, que é átona (transcrição fonética [sɐˈlaɾiu] ou [sɐˈlaɾju]).

Pergunta:

Gostaria de saber como se deve escrever, seguindo a nova ortografia – com hífen: «O melhor hotel-fazenda de São Paulo», «os melhores hotéis-fazenda», ou sem hífen: «hotel fazenda», «hotéis fazenda»?

Muito obrigada.

Resposta:

O dicionário Aulete Digital acolhe apenas a forma hifenizada: hotel-fazenda, «estabelecimento hoteleiro construído em uma fazenda, ger. no campo, com várias atividades próprias para recreação de seus hóspedes». Compreende-se que assim seja, porque se trata de uma sequência de dois substantivos que funcionam como uma unidade lexical, e porque se aplica sempre o hífen a compostos formados por dois substantivos (por exemplo, sofá-cama, criança-soldado, Estado-membro).

Pergunta:

Gostava de saber qual das expressões está correcta: «círculo infernal», ou «ciclo infernal»?

Resposta:

Depende muito do que se pretende dizer:

a) se a intenção é referir um período caracterizado, por exemplo, por condições adversas, isto é, infernais, fala-se em «ciclo infernal». Ex.:

«Actualmente, vivemos num ciclo infernal.»

b) se o objectivo for referir, por exemplo, determinada configuração espacial, descrita como ameaçadora ou trágica, então aceita-se «círculo infernal». Ex.:

«Os bombeiros viram-se encurralados num círculo infernal de chamas.»

Pergunta:

Qual é o gentílico da Filadélfia, primeira capital dos Estados Unidos da América? E o gentílico da (ou de?) Filadélfia, antiga cidade da Lídia, na Ásia Menor?

Muito obrigado.

Resposta:

Em relação à cidade norte-americana, podem ser usados os gentílicos filadelfiense e filadelfiano. O primeiro encontra-se registado no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e na versão em linha do Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Filadelfiano tem entrada no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, e nos novos vocabulários ortográficos publicados em Portugal: a forma ocorre sem comentários no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Porto Editora; e tem indicação de que diz respeito a Filadélfia, sem identificação de que cidade se trata, no Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC.

Contudo, fildelfiano é vocábulo ausente do VOLP da Academia Brasileira de Letras, que acolhe apenas filadelfiense e filadelfense, formas que a lexicografia brasileira define como gentílicos, respectivamente, de Filadélfia, em Tocatins, e Filadélfia, na Bahia (cf. Dicionário Houaiss).

Quanto a Filadélfia, na Lídia, na actual Turquia, o gentílico que se lhe atribui é filadelfeno (cf.

Pergunta:

"Heraldo", "Eraldo", ou "Haraldo"? Qual é a forma correta? Quais são a etimologia e o significado?

Muito obrigado.

Resposta:

Heraldo é a forma registada por Rebelo Gonçalves no Vocabulário da Lingua Portuguesa, de 1966. Sobre a origem deste nome, transcrevo o que diz José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«[...] do fr. Hérard (com as var. Héraud, Hérault, etc.), de origem germânica, heri-, var. de hari-, "exército", e hard, "duro, forte". Por vezes aparece escrito, erradamente, Eraldo [...].»

Machado não acolhe a forma Haraldo, que parece simples adaptação do inglês Harald, este, por sua vez, variante escandinava e alemã de Harold (português, Haroldo), de Hereweald, de here, "exército", e weald, "chefe, líder" (cf. Behind the Name).

"Eraldo" é, portanto, forma incorrecta.