Pergunta:
Sobre a pandemia da covid-19 e alguma informação não confirmada pelos especialistas, tenho lido e ouvido – nomeadamente nas conferências de imprensa diária da Direção-Geral da Saúde – a expressão «evidência científica» ou «evidência clinica». Por exemplo:
«Segundo a Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), a Organização Mundial da Saúde promoveu um ensaio clínico para alcançar evidência científica sobre algumas das opções de tratamento e cuja implementação reúne maior consenso junto da comunidade médica e grupos científicos especializado.»
«A diretora-geral da Saúde afirmou (...) que não há evidência científica de que as desinfeções de vias e espaços públicos sejam eficazes contra o contágio pelo novo coronavírus.»
Não se tratará este modismo um decalque do inglês evidence («There is no scientific evidence to suggest that underwater births are dangerous»)?
Em português sempre se disse e escreveu prova (ou «comprovação»)... cientifica – e nos mais variados domínios. Por exemplo:
«7 provas científicas de que o aquecimento global existe»
«A Prova Científica da Existência de Deus», etc., etc.
Tenho ou não razão?
Muito obrigado.
Resposta:
Do ponto de vista das tradições e padrões de uso do português culto, não se recomendam o uso de evidência como sinónimo de prova, nem a substituição deste por aquele, como, aliás, se confirma pelos exemplos facultados pelo consulente. Trata-se de um anglicismo semântico; ou seja, a (enganadora) semelhança da palavra portuguesa com a inglesa evidence, que, entre vários significados, abrange os de «prova» e «demonstração», pode ter motivado essa extensão semântica de evidência, por exemplo, em traduções menos cuidadas.
Numa perspetiva comparativa, sem deixar de ser prescritiva, é de assinalar que este caso de empréstimo semântico do inglês replica o que já se verificou noutras duas línguas românicas, por exemplo em espanhol e francês. Com efeito, a Fundéu-BBVA desaconselha o emprego genérico do espanhol evidencia, no sentido de «prueba» («prova») num parecer de 16/06/2015. Também em francês se não aprova o uso anglicizante de évidence, como preuve («prova»), conforme a recomendação da Banque de Dépannage Linguistique do Office Québécois de la Langue Française.
Mas, voltando ao caso português, nota-se que evidência, num sentido próximo do de «prova», aparecerá em A Relíquia, de Eça de Queirós (1845-1900):
(1) «Duvidava eu? Queria uma evidência? Que fosse nessa noite, tarde, depois da uma hora, bater à portinha da Adélia!» (Eça de ...