Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho lido na imprensa espanhola a palavra cotianidad, umas vezes, e cotidianeidade, outras.

Como seria em português: "quotidianidade" ou "quotidianeidade"?

Confesso que preferiria sempre usar outras expressões mais correntes na nossa língua – tipo, "dia a dia", "normalidade", etc. –, mas fiquei curioso em saber da sua aceitação em português.

Resposta:

Os dicionários consultados1 e os vocabulários ortográficos2 só registam quotidianidade e a variante brasileira cotidianidade.

É possível atestar o uso de "quotidianeidade"  na Internet, mas esta parece forma minoritária, o que, aliado à falta de registo lexicográfico, leva a concluir que quotidianidade é a forma que deve ter este derivado de quotidiano, tal como de humano se faz derivar humanidade. Além disso, observe-se que quotidianidade/cotidianidade é palavra legítima, registada há muitas décadas, como se confirma pela sua entrada no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Academia das Ciências de Lisboa publicou em 1940.

O caso espanhol é diferente, porque o dicionário da Real Academia Espanhola aceita cotidianeidad, embora não lhe dê preferência, remetendo-o para cotidianidad (ver parecer da Fundéu BBVA de 27/04/2020).

 

1 Dicionário Houaiss, Dicionário Michaelis, Dicionário Infopédia, Dicionário Priberam.

2 Consultaram-se o Vocabulário da Língua Portuguesa

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra bem-ensinado se escreve com hífen e mal ensinado se escreve sem hífen, e, se assim for, qual a justificação.

Obrigado.

Resposta:

Escreve-se bem-ensinado e mal-ensinado, se se tratar de adjetivos.

A hifenização de compostos formados com os advérbios bem e mal ocorre geralmente antes de vogal, embora a escrita de bem nessas palavras possa depender também da tradição dicionarística1. No caso em questão, quando se fala em usos exclusivamente adjetivais, verifica-se que os dicionários e os vocabulários ortográficos registam o hífen: bem-ensinado, mal-ensinado. Refira-se, aliás, que se trata de grafias já com, pelo menos, oito décadas, como se pode pode confirmar pelo seu registo no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940, ou no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves, autor que sublinha que bem-ensinado e mal-ensinado se usam como adjetivos e são sinónimos, respetivamante, de bem-criado e malcriado. A ortografia atualmente em vigor não alterou a escrita destas palavras.

Note-se, porém, que não é impossível a ocorrência de «bem ensinado» e «mal ensinado», conforme também assinalava Rebelo Gonçalves ao advertir que os adjetivos não deviam ser confundidos com a associação pontual dos advérbios bem e mal com o particípio passado ensinado.. É o que acontece com a voz passiva de ensinar: «a matéria foi bem/mal ensinada», «os jovens foram bem/mal ensinados».

É...

Pergunta:

Na frase «olá a todos», qual é a função sintática de «a todos»?

Neste caso, devo ou não colocar uma vírgula entre a interjeição e os restantes elementos?

Resposta:

A expressão é uma forma abreviada (elipse) de «digo olá a todos», em que «a todos» é complemento indireto. Não há, portanto, lugar para uma vírgula na frase em questão.

Pergunta:

 Minha interrogação está relacionada com o substantivo comum e masculino zóster.

Zóster significa «zona, faixa, cintura ou cinta» e também pode ser uma abreviação de herpes-zóster, que é uma «afeção caracterizada por erupções vesiculosas da pele, localizadas no trajeto dos nervos da sensibilidade».

No entanto, a minha questão tem a ver com o plural de zóster. O dicionário Infopédia e o Portal da Língua Portuguesa enunciam que o plural de zóster é "zósteres", palavra proparoxítona ou esdrúxula. Já o dicionário Priberam afirma que o plural de zóster é zosteres, palavra paroxítona ou grave.

Dar-se-á o caso de alguém estar errado quanto ao plural de zóster ou existirá uma pluralidade de plural, ou seja, dois plurais possíveis ("zósteres" e "zosteres") para a mesma palavra?

Agradeceria que me esclarecêsseis nesta minha incógnita.

Resposta:

A palavra no singular escreve-se e pronuncia-se zóster ou zoster. O plural mais correto é zosteres, sem acento, conforme o registo que dele fez Rebelo Gonçalves em 1966 no seu Vocabulário da Língua Portuguesa.

A palavra tem origem no grego gr. zóstêr, êros «cintura, cinto; erupção de pústulas no corpo; espécie de alga» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Ao final da página 82 do livro 19 da obra Portugal, uma retrospetiva aparece é referido o «arrabiado da Beira». Consultado o Dicionário da Priberam, nele não consta a definição da palavra "arrabiado", razão desta minha pergunta aqui.

Desde já, obrigado.

Resposta:

O termo arrabiado é um derivado da forma arcaica arrabi, uma variante de rabi, o mesmo que rabino, «líder espiritual judeu» (cf. rabi no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Arrabiado era um termo que, na Idade Média, designava as funções desempenhadas, por exemplo, junto da corte portuguesa, por um rabino em representação de uma comunidade judaica. O «arrabiado da Beira» equivale, portanto, às comunidades judaicas da Beira que eram representadas por um rabino.

Observe-se que a forma arrabiado é uma forma divergente de rabinado ou rabinato,  formas mais recentes, derivadas de rabino e registadas com os significados de «função ou dignidade de rabino» e «organização representativa de uma dada comunidade judaica junto das autoridades seculares», conforme a definição do Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa. Acrescente-se que o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa acolhe arabiado no sentido de «tributo que os Judeus pagavam à coroa», forma que será derivada de arabi, vocábulo equivalente a rabino e também incluída nesta fonte, mas sem apontar uma relação entre as duas entradas. Como se observa no Dicionário Houaiss, arabiado e arabi serão variantes de arrabiado e arrabi.