Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Acabei de ler a resposta assinada por Edite Prada, em 17/12/2004, a uma pergunta a respeito da expressão, cada vez mais frequente, «eu não me acredito». Fiquei bastante surpreendida ao descobrir que é uma expressão correta, mas não entendi se se aplica apenas na primeira pessoa ou se o verbo acreditar-se tem um duplo sentido («acreditar»/«crer» e «tornar-se credível»). É que ouvi há pouco a expressão «as pessoas acreditem-se nisto» e confesso que me soou mal mas, mais do que isso, surpreendeu-me por ter sido proferida por uma professora de Português.

Gostaria de saber se também está correto.

Resposta:

Quando penso na língua portuguesa, é-me, por vezes, confortável associá-la a uma casa, onde as palavras e as frases possíveis a que podem dar origem se abrigam. Nessa casa, há um quarto muito arranjadinho, onde se aloja a norma e do qual saem os discursos formais, muito bonitinhos, respeitando (quase) todas as normas e nas quais todos nos revemos. Nos outros quartos há alguma desarrumação. Todas as palavras do quarto arrumadinho podem entrar nos outros, mas há algumas que não podem entrar no tal quarto arrumadinho. A expressão «eu não me acredito» ou «as pessoas acreditem-se nisto» tem lugar na casa que aloja a língua portuguesa, embora não fosse lá muito bem aceite se quisesse entrar no quarto arrumadinho…

O que digo na resposta que refere é que o verbo acreditar tem, na língua portuguesa, uma forma pronominal. Digo ainda que a essa forma pronominal estão associadas duas interpretações… uma das quais é mais antiga e popular, talvez mesmo regional, na qual o pronome tem um efeito enfático característico da expressão oral.

Isso não quer, pois, dizer que faça parte do que convencionamos chamar português-padrão, ou norma-padrão. Tem guarida na casa da língua, mas não no quarto arrumadinho…

A consulente, como eu, conhece certamente (pessoalmente utilizo, mesmo — idealmente em contextos restritos) palavras ou expressões que não utilizaria num discurso formal. E, todavia, essas palavras ou expressões fazem parte da nossa língua!

Outro aspeto que a expressão em apreço tem e que me soa mal (não faz parte da «minha» variedade regional…) é a forma do verbo acreditem (assumindo que é mesmo «acreditem»). Eu diria, naquele contexto, «acreditam». E, contudo, a forma — oral, entenda-se — acreditem, representando o presente do indicativo do verbo ...

Pergunta:

Será que a palavra telenovela é composta por aglutinação, ou derivada por prefixação?

Resposta:

Vale a pena alertar, antes de mais, para o facto de os conceitos de aglutinação e de justaposição não serem contemplados no Dicionário Terminológico, no qual se refere, seguindo os estudos mais recentes, a utilização de critérios morfossintáticos para classificar as palavras compostas. Neste âmbito, e relativamente à composição, falar-se-á de composição morfológica, quando a composição se efetua entre um radical e uma palavra (ou dois radicais…), ou de composição morfossintática, quando a ligação se estabelece entre duas, ou mais, palavras.

Neste contexto, e tendo em conta que tele-, do grego teleos, é um elemento, ou radical, não autónomo, poderíamos classificar a palavra como um composto morfológico.

Pela mesma razão, se tivéssemos em conta a análise formal aglutinação versus justaposição, seria uma palavra composta por justaposição. Há ainda a considerar que, em alguns dicionários, a palavra é apresentada como sendo formada a partir de tele(visão) + novela e não partindo de tele- + novela.  Se partirmos da primeira destas possibilidades, então estamos perante um processo irregular de formação de palavras, sendo uma palavra formada por amálgama.

Por outro lado, se confrontarmos o Dicionário Terminológico (DT) com o texto do novo Acordo Ortográfico, parece haver alguma discrepância. Isto porque os elementos não autónomos, como tele- (que, em alguns dicionários, por exemplo, o Houaiss, são c...

Pergunta:

É comum, aqui, o uso, pelas construtoras, da palavra pergolado em vez de pérgola ou pérgula. Está correto? Me parece que é o mesmo que usar piscinado ao invés de piscina.

Resposta:

A palavra pérgula, ou pérgola («espécie de passeio com cobertura em forma de ramada decorativa», segundo o dicionário em linha da Porto Editora), não tem associado um verbo como "pergular", pelo que a formação do adjetivo verbal "pergulado" não parece adequada.

De alguma forma, para o falante comum, dizer de uma casa que tem uma pérgula que é uma casa pergulada será, como o consulente refere, como dizer de uma casa com piscina que é uma casa piscinada.

Porém, pelo que é dito, o termo é usado pelas construtoras e pode assumir, por isso, não a forma de uma palavra comum do léxico geral da língua, mas, sim, a de um termo específico de uma dada atividade. Nesse contexto, enquanto termo integrante da terminologia característica de uma atividade, o termo é legítimo, sem que, por isso, a palavra se torne de uso comum. Na verdade, várias áreas do saber ou diversas atividades utilizam termos específicos, quer criando-os, quer reformulando-os, quer, mesmo, usando termos estrangeiros, ou, ainda, atribuindo a uma dada palavra do léxico comum um sentido muito específico compreendido só pelos especialistas da área a que o termo pertence.

Poderá ser neste contexto que a palavra, ou adjetivo, pergulado seja usada e, aí, enquanto termo específico, a palavra será legítima, ainda que de uso restrito.

Pergunta:

Qual o processo de formação da palavra aportuguesar, tendo em conta que existe a palavra portuguesar? Já me foi dito que como a palavra aportuguesar surgiu primeiro, que era formada por parassíntese, mas como existe a palavra portuguesar no dicionário continuo na dúvida...

Resposta:

Um dos problemas que se levantam sempre que se analisa a formação de palavras é qual a posição a adotar. Analisa-se uma palavra tendo em conta o momento atual (visão sincrónica), ou tem-se em conta a história da palavra (visão diacrónica)? Dependendo da posição que se adote, o resultado poderá ser diverso. Assim, no caso de aportuguesar, se tivermos em conta o momento de nascimento da palavra, que, segundo o Dicionário Houaiss, aconteceu em 1666, podemos dizer que se trata de uma palavra formada por parassíntese, uma vez que na data em análise não havia a palavra portuguesar. Nesta interpretação, poder-se-ia considerar portuguesar formada por derivação regressiva a partir de aportuguesar, ainda que o mais comum seja considerar a derivação regressiva associada a nomes deverbais.

Por outro lado, a formação de palavras deve ter em conta, sobretudo, o momento de apreciação, ou seja, uma visão sincrónica. Nesse caso, a palavra deve ser analisada no contexto atual, e, hoje, verificamos que existe o verbo portuguesar, introduzido na língua em 1817, equivalente a aportuguesar, pelo que poderemos considerar aportuguesar uma palavra formada por prefixação e sufixação.

Salienta-se, ainda, que não é fácil chegar a um consenso alargado sobre a classificação de algumas palavras, muitas delas referidas de forma sistemática nas escolas. Por exemplo, a palavra aportuguesar poderá, ainda, ser considerada uma palavra simples, uma vez que a sua estrutura está já cimentada na fase atual da língua portuguesa, não constituindo uma...

Pergunta:

Gostaria de saber quantos fonemas tem a palavra obter. Tenho dúvidas se na consoante muda conta o i como semivogal.

Resposta:

A indicação do número de fonemas de uma palavra tem que ver com a pronúncia dessa palavra, sendo o mais fiel possível. Ora, se há variação e diferença entre a língua falada em Portugal, de onde escrevo, e no Brasil, ela prende-se, precisamente e sobretudo, com a pronúncia. A minha resposta pode, pois, não corresponder totalmente às expetativas do consulente, uma vez que vou referir aspetos de que não tenho um conhecimento tão profundo quanto seria necessário.

De qualquer forma, e relativamente ao registo do som vocálico que no Brasil se pronuncia entre o b e o t, em obter, ele deve ser considerado como um fonema. E deve ser considerado como uma vogal e não como semivogal, uma vez que esta contribui para a constituição de ditongos, não aparecendo isolada, ou seja como núcleo de uma sílaba. Nesta mesma palavra, tenho dificuldade em definir o valor do r final. Tenho a perceção de que ele não é pronunciado, não constituindo, por isso, um fonema. A indicação dos fonemas da palavra vai ter em conta esta minha interpretação, que, caso seja inadequada, lhe peço para corrigir.

Com as salvaguardas indicadas acima, poderei dizer que, em Portugal, os fonemas de obter são: /o/; /b/; /t/; /e/; /r/, enquanto no Brasil serão: /o/; /b/; /i/; /t/; /e/.