Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora
O uso de <i>testar</i> e <i>dar</i> no discurso sobre a covid-19
Duas construções que fogem à norma-padrão

A deflagração da pandemia mais assustadora dos últimos dois séculos trouxe o desenvolvimento de um campo lexical, até aqui praticamente inexistente. São caso disso as expressões «testar positivo/negativo» e «dar positivo/negativo». No texto que se apresenta faz-se a análise destas expressões e mostra-se como chegaram até ao português. 

Pergunta:

Em convite-surpresa, deve ou não haver hífen?

Vejo muita divergência em se tratando desse assunto.

Agradeço a atenção.

Resposta:

À semelhança do composto visita-surpresa, que se encontra atestado, também se deve grafar convite-surpresa.

Considere-se o que refere o ponto 1 da base XV do Acordo Ortográfico de 1990: «emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contém formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio [...]».

Depreende-se, na sequência do que é dito, que estamos perante um destes casos, isto é, temos dois nomes que, na sua relação, constituem um significado próprio. 

Também no Dicionário Eletrônico Houaissnas entradas dos verbetes mãe e relâmpago, por exemplo, se refere que estes nomes «indo após outro substantivo [ideia-mãe/guerra-relâmpago], ao qual se liga[m] por hífen» são determinantes específicos que tem um significado específico.

Nesta análise, concluímos ainda que o segundo elemento do composto  surpresa  é usado adjetivalmente, isto é, q...

Pergunta:

Sei que as conjugações verbais na segunda pessoa do plural são cada vez mais raras, principalmente na parte mais sul do país, incluindo-me, eu, nesses que não as empregam de forma natural no seu cotidiano.

Para contextualizar a minha questão proponho a análise de duas frases:

«Não se esqueçam.»

«Não vos esqueçais.»

A primeira é aquela que é mais comum nos dias de hoje e a segunda é aquela que, no meu entender, estaria, formalmente, mais correcta.

A minha questão é:

Como é que se deu esta evolução? Deveu-se à repetição recorrente de um "erro" até ao ponto em que foi integrado e aceite como correcto ou a sua forma pode ser considerada correcta?

Obrigado.

 

O consulente escreve conforme o Acordo Ortográfio de 1945.

Resposta:

Comecemos pela análise das duas frases apresentadas pelo consulente:

1. «Não se esqueçam.»

2. «Não vos esqueçais.»

O consulente refere que, na sua ótica, a frase 1 é a mais corrente, mas considera a frase 2 formalmente mais correta, apesar de ter uso reduzido.

Contudo, não podemos considerar a frase 1 incorreta, atendendo à Gramática do Português  (Fundação Calouste Gulbenkian, 2020, vol. III, p. 2714), onde se afirma que «vocês é gramaticalmente uma forma de 3.ª pessoa, etimologicamente proveniente da expressão nominal vossas mercês [...]. O uso do pronome vocês é comum a todas as classes sociais[...]» , mas que não é «[...] aceite pelas gerações mais velhas ou pelas pessoas mais cultas quando dirigida a pessoa mais velha ou hierarquicamente superior». Este uso, além de comum a todas as classes sociais, está consagrado em todos os territórios de língua oficial portuguesa. No entanto, no que ao território português concerne, verificamos que o uso de vós, apesar de estar em declínio, ainda se encontra em formas dialetais, sobretudo no norte de Portugal, e está presente também nos discurso e textos litúrgicos. Por exemplo, ao proceder-se à tradução de novos textos e da missa para vernáculo, não se ousa tocar e atualizar este aspeto.

Em relação à sua fixação de vocês no uso, sabemos que você e, por extensãovocês advêm da forma de tratamento nominal Vossa Mercê/Vossas Mercês. Ora, segundo Lindley ...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a diferença entre «um cesto de ovos» e um «cesto com ovos»?

Grata pela vossa atenção e disponibilidade.

Resposta:

À semelhança de «um copo de água» e «um copo com água», a diferença consiste, essencialmente, segundo Rodrigo de Sá Nogueira (Dicionário de Erros e Problemas de Linguagem, Livraria Clássica Editora, Lisboa,1974), na quantidade: ao afirmarmos que temos «um cesto de ovos», pretendemos afirmar que temos um cesto cheio de ovos; quando, por outro lado, afirmamos que temos «um cesto com ovos», supõe-se que o cesto tem alguns ovos. Assim, o complemento «de ovos», além de  conteúdo, indica também repleção, e o complemento «com ovos» indica apenas conteúdo (Moreno, Augusto. O Português Popular [Para a Boa Prosódia, Grafia e Sintaxe da Língua], II Volume, edição da Livraria Educação Nacional, Lisboa, 1931)

No entanto devemos considerar que há autores prescritivistas que não aceitam a construção da expressão com a preposição com, nomeadamente Napoleão Mendes de Almeida, no Dicionário de Questões VernáculasVittorio Bergo, em

Pergunta:

A mãe de um amigo meu de infância me disse que eu não posso chamar três amigas pessoais minhas daqui de Vitória (Espírito Santo) de conterrâneas, já que não somos naturais da mesma cidade, ou, por extensão, do mesmo estado (eu próprio sou natural de Brasília, a primeira e a terceira são naturais de Timóteo [Minas Gerais] e a segunda é natural do Rio de Janeiro [cidade]).

Acontece que o dicionário explica que conterrâneo(a) é quem é da mesma terra do que o (a) outro (a), mas ele não diz que tem que ser da mesma terra NATAL (ou seja, terra DE NASCIMENTO...)!

Além disso, nós quatro somos muito mais capixabas do que brasilienses (em meu caso, que me mudei para Vitória em 1992), mineiras (nos casos da primeira e da terceira, que se mudaram para cá em 2000) ou cariocas (no caso da segunda, que se mudou para cá em 1990), haja posto que já estamos por aqui há tempos!

Capixaba é o natural ou residente do Espírito Santo (estado)... não é verdade?

A mãe de meu amigo de infância está correta ou não com isso tudo e por que no caso?

Obrigado.

Resposta:

O nome e adjetivo conterrâneo aplica-se muitas vezes a quem nasceu na mesma terra (no sentido de localidade ou até de nação) que outra pessoa. O significado de «nascer na mesma terra» tem certa flexibilidade e faz com que conterrâneo seja sinónimo de compatriota.

Apesar de, como observa o consulente, a definição que consta frequentemente nos dicionários não referir explicitamente que o nome ou adjetivo conterrâneo esteja relacionado com a terra de nascimento, a verdade é que a mesma definição sugere a partilha de um mesmo espaço habitado quando se refere alguém como conterrâneo:

«Que, em relação a outrem, é da mesma nação, província, cidade...; que é da mesma terra; pessoa, que em relação a outrem, tem a mesma nacionalidade ou naturalidade; pessoa que é da mesma terra que outrem» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia de Ciências de Lisboa).

Assim, quando se faz referência a alguém como conterrâneo de um ou mais indivíduos, depreende-se que essas pessoas têm origem, isto é, nasceram no mesmo lugar. Numa outra dimensão, e como a definição acima citada bem o indica, são igualmente conterrâneas as pessoas nascidas no mesmo país, caso em que conterrâneo é sinónimo de patrício e compatriota. É uma situação comum quando se habita ou se está num país estrangeiro e se e...