Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

 

 

O nome indicado é o de um jogo concebido e inventado por um amigo meu do Porto há cerca de sessenta anos.

Ainda joguei nele no Café Palladium no Porto.

Tenho pesquisado em vários sites e bibliotecas e não o encontro poderão dar-me uma ajuda.

Muito obrigado

Resposta:

 É-nos difícil analisar o nome do jogo, referido aqui como jactobol, uma vez que não detemos informação necessária acerca do mesmo.

Após várias pesquisas, não foi encontrada qualquer referência ao jogo referido e ilustrado na pergunta. Também no referido café – Café Palladium do Porto – não há qualquer indicação ao jogo acima mencionado. Veja-se, por exemplo, aquilo a que se refere Nuno Ferreira Mendes na sua tese de mestrado Cafés Históricos do Porto – na Demanda de um Património Ignoto (2012):

«No primeiro piso, o ambiente não era menos animado. À volta da galeria projetada por Marques da Silva, juntavam-se os jogadores do dominó, das damas, do xadrez, das palavras cruzadas e das charadas. Aqui se reunia, assiduamente, o grupo de xadrez de onde saíram os grandes campeões daquela modalidade [...]. Sendo o bilhar uma atividade de grande relevo e importância em meados do século XX, o Palladium era, sem dúvida, o local privilegiado para a sua prática. No seu segundo andar com onze mesas [...]» jogava-se bilhar livre, bilhar das três tabelas, bilhar russo e snooker (pp.193).

Constatamos que, neste histórico café do Porto, se podiam jogar diferentes jogos, nomeadamente xadrez, palavras cruzadas, charadas e bilhar, mas nada que se assemelhe à ilustração que o consulente gentilmente nos facultou. No entanto, podemos assumir que este jogo tenha estado disponível no café num período mais tardio, próximo do seu encerramento, e, por isso, não haja qualquer referência ao mesmo. 

Pergunta:

A locução prepositiva «em detrimento de» aplica-se no sentido de «em vez de» ou «causando prejuízo a/ao»?

Resposta:

A locução «em detrimento de» significa «em prejuízo de».

Apesar de muitas vezes ser, erradamente, utilizado no sentido de «em vez de/em substituição de», a verdade é que o substantivo detrimento está atestado com outros significados, e os dicionários são coerentes nessa significação. Por exemplo, o dicionário Houaiss atesta detrimento como «dano moral ou material; prejuízo, perda», e a locução «em detrimento de» como «contrariamente ao interesse de; em prejuízo de». Veja-se os exemplos:

1. «Não farei nada em detrimento das pessoas», ou seja, «não farei nada que prejudique as pessoas».

2. «Não lhe causa detrimento?», ou seja, «não lhe causa prejuízo?»

Há ainda um uso mais ou menos fixo de «sem detrimento de», que significa «sem prejuízo de» (atestado no Corpus do Português):

3. «Esse ganho dá-se sem detrimento do salário real», ou seja, «esse ganho dá-se sem prejuízo do salário real».

Provavelmente os exemplos 2 e 3 causam alguma estranheza, dado detrimento ter uso mais corrente como parte da locução «em detrimento de». 

Pergunta:

Minha dúvida é sobre a forma correta de derivação do substantivo inundação para formar um adjetivo relativo a este. Até onde pesquisei não encontrei nos dicionários adjetivo já registrado.

«As correntes de inundação nas margens do córrego.»

«As corrente inundativas / inundatórias nas margens do córrego.»

Resposta:

As formas propostas pelo consulente – "inundativa" e "inundatório" – até poderiam existir, porque estão bem formadas, tal como fecundativo (de fecundar; cf. Dicionário Houaiss) ou recomendatório (de recomendar; cf. idem); ou seja, ao tema do verbo inundar inunda- – poderiam agregar-se os sufixos -tivo ou -tória. No entanto, nenhum dicionário regista qualquer um destes dois adjetivos.

Por outro lado, encontramos atestado, em vários dicionários e nos vocabulários ortográficos do português1, o adjetivo inundanteEste é derivado por sufixação – ao tema do verbo inundar associa-se o sufixo -nte, que tem sentido de ação, qualidade ou estado – e o seu uso é aceite e correto. 

Posto isto, e em lugar dos exemplos apresentados, é preferível dizer ou escrever «As correntes inundantes nas margens do córrego».

 

1 Foram consultados o Dicionário Houaiss, o dicionário de Caldas Aulete, o dicionário Michaelis, o Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa, o Dicionário Priberam da Língua Por...

Pergunta:

Queria saber se a palavra revezar é utilizada em português de Portugal, tendo em conta que há pessoas que não conhecem esta palavra.

Obrigada

Resposta:

O verbo revezar, que significa «substituir(-se) alternadamente; render ou ser rendido» (Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa), é correntemente utilizado em Portugal. O que pode acontecer é que muitos portugueses desconheçam o verbo e utilizem, em sua substituição, um sinónimo: alternar, substituir, render, trocar, variar.

Vejam-se alguns exemplos:

(1) «O capitão da equipa mandou revezar o guarda-redes» ou «O capitão da equipa mandou trocar/substituir o guarda-redes»;

(2) «Os vigilantes revezam-se durante a hora de almoço» ou «Os vigilantes alternam-se durante a hora de almoço». 

Trata-se de um verbo derivado de vez: «re- + vez + -ar» (idem, ibidem; cf. também o Dicionário Houaiss).

Não se pense, portanto, que é variante de arrevesar, que significa «pôr do avesso; tornar confuso» e deriva de revés, «avesso; contrariedade» (cf. Infopédia).

Pergunta:

Gostava de obter esclarecimento sobre a palavra co-hospedar e variantes: escreve-se "co-hospedar" ou "cohospedar"?

O que diz o Acordo Ortográfico sobre este assunto?

Obrigado.

Resposta:

Segundo o Acordo Ortográfico em vigor, a grafia correta será co-hospedar, co-hóspede, tendo em conta que se consigna co-herdeiro, que apresenta hífen a separar  o prefixo co- de palavra começada por h (herdeiro): «nas formações em que o segundo elemento começa por h [emprega-se o hífen]: anti-higénico, contra-harmónico, co-herdeiro [...]» [Base XVI, 1, a); sublinhado nosso].

No entanto, cabe referir que esta questão não é assim tão linear no conjunto de todos os países de língua portuguesa. Com efeito, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, regista coerdeiro. Esta opção de não hifenização prende-se com um conjunto de medidas da comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL que introduz alguns ajustamentos ao AO de 1990, entre eles um que se refere ao prefixo co-:

«9) Excluir o prefixo co- do caso 1.º, letra a, da Base XVI, por merecer do Acordo exceção especial na observação da letra b da mesma Base XVI e por também poder ser incluído no caso 2.º, letra b, da Base II (coabitar, coabilidade, etc.). Assim, por coerência, co-herdeiro passará a coerdeiro

Seguindo este critério, no português do Brasil, adotar-se-á a solução coospedar ou coóspede.

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