Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
47K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se digo «Eu vou ao cinema na parte da manhã» ou «Eu vou ao cinema da parte da manhã", ou se é incorreto dizer das duas formas.

Resposta:

Com a expressão «parte da manhã», podem empregar-se ambas as preposições, em ou de, sem alteração do significado:  «eu vou ao cinema na parte da manhã»;  «eu vou ao cinema da parte da manhã». Embora a preposição em se associe de modo mais natural com parte – atendendo a que  este nome tem sentido locativo e se diz, por exemplo, «na segunda parte do jogo» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa) –, é possível a preposição de, que ocorre nas expressões temporais «de manhã» e «de tarde».

Pode também achar-se discutível o uso de «na/da parte da manhã», por esta configurar uma redundância. Com efeito, está-lhe subjacente a noção de «parte do dia», pelo que constitui a elipse de uma construção mais extensa «a parte do dia que é a manhã», em que manhã já significa «(primeira) parte do dia» (entendendo dia como «período em que há luz solar»). Sendo assim, embora seja corrente dizer-se «vou ao médico na parte da manhã», revela-se mais económica a frase «vou ao médico de manhã».

De qualquer modo, é uma expressão de uso corrente em Portugal no registo informal, principalmente na oralidade. Num registo formal, embora não pareça haver doutrina prescritiva sobre este caso, será recomendável a formulação mais simples – «de manhã», «de tarde» –, mas há situações em que a locução mais extensa se justifica. Por exemplo, quando se fala de horários de um consultório ou de uma secretaria é correto dizer-se que «às quarta-feiras, só há consultas na/da parte da manhã», uma vez que se deixa implícito que tal serviço tem dois períodos de funcionamento, a parte da manhã e a parte da tarde.

 

N.E. (22/10/20...

Pergunta:

Gostaria de saber se humildar ainda existe. Caso exista, qual o seu contexto [de uso]?

Obrigada.

Resposta:

O verbo humildar está atestado com o significado de «tornar-se ou mostrar-se humilde; humilhar-se; submeter-se ou sujeitar-se» (dicionário de língua portuguesa da Infopédia). Este verbo, que é reflexivo, ou seja, necessita dos pronomes reflexivos, tem uso pouco corrente, sendo mais corrente o verbo humilhar-se e a expressão «ser humilde»1. Veja-se, por exemplo, que uma frase como «o senhor tem de se humildar» pode afigurar-se forçada, pelo que, em alternativa, se dirá «o senhor tem de ser humilde».

 

1 No Corpus do Português (de Mark Davies) não se conta nenhuma ocorrência deste verbo, ausência sugestiva da raridade deste verbo. É certo que os dicionários o registam, mas fazem-no anotando o seu emprego restrito. Refira-se, por exemplo, o Dicionário Houaiss, que assinala que humildar é pouco usado.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra jóquer é flexionável em número e, caso seja, qual a forma correta de pronunciar esse plural.

Muito agradeço a atenção e a disponibilidade.

Resposta:

O substantivo masculino jóquer – a forma aportuguesada do inglês joker flexiona-se em número: jóqueres

Em relação à pronúncia do substantivo, este deve pronunciar-se com (em ) e e (em que) abertos: "jòquéres" (transcrição fonética da pronúncia padrão do português de Portugal: [ˈʒɔkɛrɨʃ]). É, portanto, um caso que se insere na série de palavras graves terminadas em -er, como de líder e cadáver, cujos plurais são líderes e cadáveres, respetivamente.

Obs.: Em inglês, joker significa «brincalhão», «tipo, indivíduo», «idiota» e, em referência a cartas, «jóquer, curinga» (cf. Infopédia). Acrescente-se que jóquer é termo empregado frequentemente em Portugal, por vezes até conservando a ortografia inglesa (uso que não se recomenda), na aceção de «carta extra de um baralho, geralmente com a figura de um bobo, utilizada em determinados jogos de cartas» (dicionário de língua portuguesa da

Pergunta:

Numa ficha de trabalho, foi pedido para referir o processo de formação de palavras do vocábulo inadiável. Esta palavra é derivada por sufixação ou por parassíntese?

Obrigado pela ajuda.

Resposta:

O adjetivo de dois géneros inadiável – «que não se pode adiar; improrrogável; impreterível; urgente (dicionário de língua portuguesa da Infopédia)  é formado por prefixação: ao adjetivo adiável  que pode ser adiado (ibidem)  juntou-se o prefixo de origem latina in-, prefixo com sentido de «negação, privação» ( Cunha, Celso, Cintra, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Edições João Sá da Costa, Lisboa, 1984. pp. 87). 

Por sua vez, adiável deriva por sufixação do tema (adiá-) do verbo adiar; o sufixo -vel confere o sentido de «possibilidade ou sofrer uma ação» (Ibidem, pp. 101).

Não se trata, portanto, de uma palavra formada por parassíntese, caso em que a derivação envolve a adjunção simultânea de um prefixo e de um sufixo, como acontece com enraivecer (en-+rai...

O «homem» que virou adjetivo
Outro erro no concurso televisivo Joker

A palavra homem é um  substantivo. Mais um erro no concurso televisivo Joker... supostamente  promotor da cultura geral dos  telespectadores...