Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem e o significado da palavra dobrada (como complemento da feijoada).

Resposta:

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboadobrada, substantivo feminino, tem, na área da culinária, as seguintes aceções:

«1. estômago de bovino, quando usado em culinária; 2. cozinhado feito com o estômago de bovino – "dobrada com feijão branco"1».

Este substantivo tem origem no particípio passado dobrado, que, por sua vez, vem do latim duplatū, partícipio passado do verbo duplāre (dobrar).

Relativamente à razão de se denominar dobrada o estômago de bovino, não foi aqui possível dispor de dados que o justifiquem. Contudo, como conjetura, pode imaginar-se que o que motivou a atribuição deste nome esteja relacionado com a configuração deste tipo de vísceras ou com o modo como é preparado para ser confecionado. 

 

1 Note-se que, nesta segunda aceção, o prato pode ter um outro nome, isto é, em vez de se ter, em menus de restaurantes, por exemplo, «dobrada com feijão», tem-se «tripas à moda do Porto». São pratos idênticos ou muito semelhantes que contam com dobrada

Pergunta:

Pretendo perceber qual o melhor termo para traduzir a palavra tester do inglês, quando usada no contexto de beta tester («utilizador com acesso antecipado a um determinado software de modo a poder experimentá-lo e relatar problemas aos seus programadores»).

Obrigado.

Resposta:

Beta tester, no sentido de «utilizador com acesso antecipado a um determinado programa ou produto na fase final do seu desenvolvimento para deteção de problemas», pode ser traduzido como testador beta ou testante beta («a pessoa que testa»).

Importa também referir que beta tester deriva de beta test, termo da área da informática, pode ter duas expressões equivalente, como atesta o dicionário disponível na Infopédia:

1. teste beta: «utilização experimental de um programa ou produto na fase final do seu desenvolvimento para deteção de problemas por parte de utilizadores selecionados»;

2. versão beta: «programa ou produto disponibilizado numa fase avançada do seu desenvolvimento, com o objetivo de detetar problemas e recolher sugestão, de modo a permitir a elaboração de uma versão final melhorada».

Pergunta:

O que significa a expressão idiomática «mandar papaias»?

Resposta:

Nos dicionários e livros consultados1 não se encontra registada a expressão idiomática «mandar papaias». Contudo, é uma expressão comum no registo oral. 

Entende-se, em alguns registos escritos2 e pelo uso que lhe é dado na oralidade, que o significado da expressão está muito próximo do significado de duas outras expressões, estas mais comuns e com registo em dicionários e livros: «mandar/arrotar postas de pescada» e «armar-se em carapau de corrida».

Assim, quando se fala de alguém que está a «mandar papaias» estamos a falar de alguém que «[...] gosta de falar muito, dar opinião sem lhe ser pedida e até sem conhecer bem o assunto sobre o qual está a pronunciar-se, normalmente em tom alto ou jeito gabarolas»3 (significado de «mandar/arrotar postas de pescada») ou de « [...] uma pessoa que se acha mais esperta que as outras, alguém que tem a mania, que pode até recorrer a esquemas para tentar enganar os outros»3 (significado de «armar-se em carapau de corrida») 

 

Puxar a Brasa à Nossa Sardinha, Sem Rei Nem Roque, Houaiss, Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Aulette, Michaellis. 

2 Leia-se o que está registado no jornal

Pergunta:

Desejava saber se determinadas construções que têm baixa ocorrência na língua do povo, como, por exemplo, a mesóclise, continuam a fazer parte da língua materna desse mesmo povo.

[...] Precisava de uma bibliografia, no caso de haver linguistas que se contraponham à opinião de David Crystal presente no seu dicionário A Dictionary of Linguistics and Phonetics quanto à língua materna.

A meu ver, é uma loucura considerar-se como língua materna o repertório de usos e construções de uma criança de 5/6 anos.

 

Muito obrigado! 

Resposta:

Apesar de o linguista inglês David Crystal considerar como língua materna (LM) o repertório de usos e construções de uma criança de 5/6 anos, idade que marca o período crítico de aquisição de LM, a verdade é que este conceito não se restringe a essa frase.

Com efeito, em qualquer lugar do mundo, uma criança adquire como sua LM a que é falada no seio da família e comunidade em que se insere. Este processo é constituído por uma sucessão de hábitos, isto é, de respostas aos estímulos que advêm do mundo extralinguístico. Contudo, muitos estudiosos entendem que o período crítico de aquisição de LM extrapola esta idade e só termina na puberdade, período que coincide com o final do processo de lateralização1 das funções linguísticas no hemisfério esquerdo do cérebro.

O processo de aquisição da LM, por seu lado, ocorre num contexto em que o jovem ainda não ingressou no ensino. Na escola, a criança passa a ter língua portuguesa (no caso de Portugal ou Brasil) numa perspetiva de ensino de língua materna. Não significa isto que vai aprender a sua LM como aprende a matemática, onde os seus conhecimentos são rudimentares, mas, sim, que vai aprender, além do código da escrita, estruturas que, não lhe sendo estritamente desconhecidas, são invulgares e têm menos frequência de uso na oralidade, como é o caso da mesóclise. Sendo assim, não se pode considerar que «construções que têm baixa ocorrência na língua do povo» não sejam part...

Pergunta:

O nome das moedas estrangeiras (leu, som, forint, etc.) devem ser escritos em itálico, tal como outras palavras estrangeiras?

Resposta:

Não existe, por enquanto, uma norma que imponha o itálico na grafia de nomes de moedas com configuração estrangeira.

No contexto do português de Portugal, os nomes das moedas estrangeiras estão atestados sem itálico no Código de Redação Interinstitucional (CRI)1, mesmo em relação a formas claramente estrangeiras, sem justificação nos princípios da ortografia do português. Refira-se, aliás, que a não italicização dos nomes das unidades de moeda decorre do facto de estas constituírem unidades, e, portanto, não terem de seguir as regras da ortografia do português, sujeitando-se a regras internacionais para se grafarem em romano2.

Assim, de acordo com o CRI, pode verificar-se que leu é o nome das moedas da Moldávia e da Roménia. Forint (em húngaro, forint) é a moeda da Hungria, que tem atualmente o aportuguesamento fonético e gráfico forinte3. Quanto à moeda do Usbequistão, a forma correspondente é sum, forma que corresponde a ao cognato som, denominação da moeda do Quirguistão. 

Há, por conseguinte, nomes que são grafados da mesma forma, em português, em inglês ou na transliteração internacional, como, aliás, sucede co...