Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A frase «Moro perto ao mar» está incorreta?

O advérbio perto aceita apenas a preposição de?

Agradeço desde já a atenção dispensada.

Resposta:

A locução «perto a» está incorreta.

Na aceção da frase apresentada, o uso legítimo é termos a preposição de  associada ao advérbio perto: «moro perto do mar».

A locução prepositiva «perto de» significa: «1. a uma distância pequena de alguém, alguma coisa ou algum lugar = próximo de (antónimo de afastado, separado); 2. em situação de próximidade intelectual ou afetiva = próximo de; 3. pouco tempo ou depois de determinado ponto no tempo = próximo de (antónimo de longe de); 4. mais ou menos = aproximadamente, cerca de; 5. em comparação com, confrontando com» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa).

Note-se, contudo, que a locução «perto de» pode ser sinónima de uma outra que aceita as duas preposições «junto de» ou «junto a». Assim, ao contrário de «moro perto ao mar», que não é aceite, dizer-se «moro junto ao mar» já está correto. Na mesma medida, é igualmente correto «moro junto do mar». 

Pergunta:

Quanto às expressões:

1. O João fala com o coração.

2. O João fala de coração.

Têm o mesmo significado? Quando se aplica uma ou outra? O que significa cada frase?

Obrigado.

Resposta:

As locuções adverbiais «com o coração [nas mão]» e «de coração/de todo o coração» podem ser sinónimas, isto é, usam-se para expressar sinceridade. Contudo, a segunda locução – «de coração/de todo o coração» – pode ainda expressar «com boa vontade; com todo o prazer» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa).

Assim, dizer (1) «o João fala com o coração» e (2) «o João fala de coração» pode significar em ambos os casos que o João está a falar com total sinceridade/franqueza. No entanto, pode não significar isso se em (2) estiver subentendido que o João fala com boa vontade/prazer.

Pergunta:

«Tive dificuldade em a explicar.»

«Tive dificuldade em explicá-la.»

Gostaria de saber qual das duas formas em cima é correta e porquê. Eu utilizei a primeira, mas foi-me contestada numa correção de texto e substituída pela segunda, embora sem justificação.

Resposta:

As duas frases apresentadas estão corretas, isto é, é possível que o pronome do complemento direto da oração subordinada de infinitivo («em... explicar») surja antes (próclise) ou depois (ênclise) do verbo.

De acordo com a Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2280), na perseptiva do português europeu, «tipicamente, as orações infinitivas simples introduzidas por preposição admitem quer a colocação enclítica quer a colocação proclítica dos pronomes átonos». Só as preposições acom «ficam fora do padrão de variação», a estas associando-se sempre a ênclise.

Deste modo, e atendendo ao exemplo apresentado, podemos ter «tive dificuldade em a explicar»/«tive dificuldade em explicá-la». Da mesma forma, são frases corretas: «ele tem intenção de me provocar»/«ele tem intenção de provocar-me»; «acabaram por se instalar à mesa»/«acabaram por instalar-se à mesa»; «vim para te ajudar»/«vim para ajudar-te»; e «sem a olhar, sorri»/«sem olhá-la, sorri». O mesmo sucede se a oração for negativa: «para não o

Pergunta:

Gostaria de saber se há, para o caso específico da língua e cultura japonesas, termo análogo a "sinólogo", "egiptólogo" ou "indólogo".

Cheguei a consultar três dicionários, mas nenhum deles me apresentou solução à altura. Pergunto-me, ainda, se a forma "nipólogo" poderia ser utilizada, na falta de outra melhor.

Grata.

Resposta:

Existe atestado, efetivamente, um termo que se refere ao «especialista em japonologia; autor de tratado a respeito do Japão e dos japoneses» (dicionário Houaiss): japonólogo. Este substantivo é formado a partir do topónimo Japão sob a forma de japon- com desenvolvimento de consoante nasal dental + -o- + -logo

Contudo, atendento que nipo- é um «elemento de formação de palavras que exprime a ideia de japonês, referente ao Japão» (Infopédia), então não parece incorreto que se denomine de nipólogo ao especialista de japonologia (ou nipologia, termo também ele não atestado). 

 

N. E. (18/10/2021) – Poderá ainda formar-se a forma niponólogo com nipono-, variante de nipo- (cf. Dicionário Houaiss, s. v. nipo-).

Pergunta:

A expressão «único e singular» caracteriza redundância?

Resposta:

Para se perceber se a expressão «único e singular» caracteriza redundância, é preciso analisar o significado de cada umas das palavras individualmente.

Assim, o adjetivo único está atestado como: «1. de que só existe um no seu gênero ou espécie; que não tem outro igual; 1.1. que não tem precedente ou sucessor; do qual só ocorreu um; 2. que é um só; desacompanhado de outro; 3. que é incomum, raro; excepcional, exclusivo, incomparável, superior; 4. que é o mesmo para vários indivíduos ou coisas» (Dicionário Houaiss).

Já o adjetivo singular significa: «1. único de sua espécie; distinto; ímpar; 2. não vulgar; especial, raro; 3. fora do comum; admirável, notável, excepcional; 4. não usual; inusitado, estranho, diferente; 5. que vale por si só; significativo, característico; 6. que causa surpresa; surpreendente, espantoso; extravagante, bizarro» (ibidem).

Tendo em conta estes significados, pode-se assumir que sim, a expressão «único e singular» é redundante.

Contudo, se por «único e singular» se entender que se fala de alguém ou de algo «de que só existe um no seu gênero ou espécie» e que, além disso, é «especial» ou «raro», por exemplo, então não há redundância.

Em suma, a expressão pode ser ou não redundante. Tudo depende do significado que atribuímos a cada um dos adjetivos quando se utiliza a mesma.