Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
46K

Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Desperdício é substantivo primitivo, ou derivado?

Resposta:

Desperdício é mais adequadamente analisado numa perspetiva histórica (diacrónica). Não se trata de um derivado em português, mas, sim, de uma palavra importada da língua espanhola, de desperdicio (José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 1977). Esta, por sua vez, segundo o Dicionário Houaiss, deriva do nominativo do latim disperditĭo-onis, «perdição, destruição, ruína», derivado do radical de disperdĭtum, forma (supino) do verbo disperdĕre, «perder de todo, deitar a perder, destruir, arruinar, desaparecer». Ressalta-se ainda que o verbo desperdiçar é também considerado como adaptação do espanhol desperdiciar, embora seja também possível  encará-lo como derivado de desperdício, com queda (síncope) do i na forma não atestada "desperdiciar".

Pergunta:

O que significa a palavra estorno? Como se pronuncia? Com ó aberto, ou ó fechado?

Resposta:

Estorno é um substantivo masculino e o nome de uma planta.

Enquanto substantivo masculino, estorno é o «ato ou efeito de estornar» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001), sendo que o verbo estornar significa «não concretizar, não realizar» (idem). Este substantivo usa-se em áreas específicas como no comércio ou contabilidade, com o significado de «retificação que contrabalança o efeito de um lançamento contabilístico errado» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Infopédia) e «o valor que não se concretiza» (Dicionário Eletrônico Houaiss); e, na justiça, com o significado de «ato de tornar sem efeito (contrato, seguro, etc.) anteriormente realizado; rescisão, anulação» (idem).

Por outro lado, temos a planta estorno que é uma «planta gramínea muito vulgar nos terrenos arenosos junto das praias portuguesas» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, Infopédia).

Quanto à sua leitura, o Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, transcreve o substantivo com o o fechado – /ô/.

Pergunta:

Qual a origem da palavra sus, interjeição que visa criar alento e que o dicionário diz ser equivalente a avante? Muito gostaria também de ver um exemplo daquela interjeição integrada numa frase de um autor português.

Resposta:

A origem da expressão sus é controversa. Por um lado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (1977), diz-se que esta expressão é uma interjeição antiga «de origem expressiva», que nada tem que ver com a expressão latina sus que significa «de baixo para cima». Por outro lado, o dicionário da Porto Editora (em linha) refere que a expressão sus tem, efetivamente, origem nessa expressão latina.

Apesar da controvérsia relativamente à sua origem, há consenso relativamente à sua significação, sendo que é uma expressão que pretende «infundir ânimo; eia, coragem» (Dicionário Eletrônico Houaiss, Rio de Janeiro: Instituto Houaiss/Objetiva, 2001), que «exprime incitação» (Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, em linha). Assim, e como o consulente referiu, a expressão é equivalente a «ânimo!» ou «avante!», o que se verifica no Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente: «Companheiro — Ora, sus! que fazes tu? / Despeja todo esse leito!»/, «Diabo— Sus, sus! Demos à vela!»

Pergunta:

O que é um adjetivo erudito? Gostaria de saber o seu conceito. Qual o motivo de tal classificação?

Resposta:

São classificados como eruditos os adjetivos que surgiram por via erudita, sobretudo na sequência da relatinização da língua portuguesa no contexto do Renascimento, no século XVI. Nesta época, o latim começou a ser substituído em âmbitos cada vez mais variados pelas línguas nacionais de cada país (classificadas, pelos eruditos, de «línguas vulgares»). Neste processo de evolução das línguas, houve necessidade de se ampliar o vocabulário de forma a poderem veicular-se ideias que só eram expressas em latim, surgindo, assim, os chamados adjetivos eruditos. Estes são palavras formadas por radicais latinos na sua forma original; por exemplo: capillum, palavra latina, deu origem a cabelo por via popular, mas formou o adjetivo erudito capilar. Também os adjetivos eruditos se distinguem dos demais, porque geralmente têm um significado relacional («relativo a», «próprio de», «semelhante a», «da cor de»). Assim, dizer «loção capilar» é dizer «loção relativa a cabelo»; «cólica hepática» significa «cólica relativa ao fígado», ou «canal hepático» tem o significado de «canal próprio do fígado», porque hepático procede do latim hepaticus, por sua vez adaptação do grego antigo hepatikós, «relativo ao fígado» (hépar, hépatos significava «fígado» em grego antigo).

Saliente-se que o termo adjetivo erudito faz parte da classificação gramatical usada no Brasil, sendo que em Portugal não se usa normalmente.

Pergunta:

Antes de mais, gostaria de vos agradecer pelo excelente trabalho de divulgação e conhecimento da língua portuguesa!

No meu círculo familiar, sempre se usou emandongar com o significado de «amarrotar» (uma peça de roupa). Acontece que, fora dele, estranhavam e desconheciam sempre a palavra. Sendo oriunda da região de Leiria/Coimbra, desconheço quaisquer raízes alentejanas, mas descobri há pouco tempo que a palavra pode ser um regionalismo alentejano. Podem confirmar/infirmar esta descoberta? E, já agora, existe algum registo sobre a etimologia da palavra?

Muito obrigada e continuação de ótimo trabalho!

Resposta:

O verbo emandongar é um regionalismo que, como indica o sítio Alentejanices, está presente no vocabulário alentejano. No entanto, nas fontes disponíveis, impressas ou em linha, não há informação sobre a palavra noutras regiões de Portugal.

Como outros regionalismos, emandongar usa-se no registo informal e tem o mesmo significado que amarrotar. Mais uma vez, tendo em conta as fontes consultadas, não foi possível apurar nada sobre a sua etimologia.

Observe-se que os dicionários gerais nem sempre registam os regionalismos, o que não quer dizer que estes estejam incorretos. Deve é ter-se em atenção que os regionalismos raramente têm cabimento em certos registos, por exemplo, nos mais formais ou especializados.

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as palavras de apreço.