O verbo ir num verso de Camões: «Vai fermosa e não segura»
No vilancete camoniano “Descalça vai para a fonte”, no verso «vai fermosa e não segura», o constituinte «fermosa e segura» é classificado como predicativo do sujeito, o que confundiu os alunos, dado que o verbo ir seleciona complemento oblíquo, como no 1.º verso: «… vai para a fonte».
Agradecia a vossa explicação, porquanto as gramáticas que consultei não foram esclarecedoras.
Também e só
A ambiguidade da palavra também pode ser explicada sintaticamente?
Partamos da frase: «João foi ao jogo.»
Nela, podemos incluir a palavra “também” com dois sentidos distintos:
1) Também João foi ao jogo = [além de José,] também João foi ao jogo
2) João foi ao jogo, também = João foi [à festa e] ao jogo, também
Sem contar opções mais ambíguas (quanto mais próximo ao verbo, maior a ambiguidade):
3) João também foi ao jogo – mais próxima ao exemplo 1, mas pode gerar ambiguidade
4) João foi também ao jogo – mais próxima ao exemplo 2, mas pode gerar ambiguidade
Todas as gramáticas e dicionários classificam o também como advérbio e adjunto adverbial «de adição» ou «de inclusão». Contudo, é interessante notar que:
a) no exemplo 1, o também adiciona uma informação ao sujeito;
b) no exemplo 2, o também adiciona uma informação ao objeto indireto.
Fenômeno análogo ocorre com o advérbio só, embora com diferenças, p.ex.:
1) Só João vai ao jogo = e ninguém mais vai com ele = referente ao sujeito => inequívoco;
2) João só vai ao jogo = (não faz mais nada = referente ao verbo) OU (não vai a mais nenhum lugar = referente ao objeto);
3) João vai só ao jogo = (não vai a mais nenhum lugar = referente ao objeto) OU (vai sozinho = adjetivo);
4) João vai ao jogo, só = (só isso acontece) OU (foi sozinho = adjetivo).
No entanto, no exemplo citado, o fenômeno não acontece com outros advérbios, como sempre e nunca:
– Sempre/nunca João vai ao jogo = João sempre/nunca vai ao jogo = João vai ao jogo, sempre/nunca = é o que ele sempre/nunca faz.
A variedade de sentidos aumenta em frase que usa verbo bitransitivo. P.ex., com também:
1) Também João deu um presente a Maria = outra pessoa também deu = referente ao sujeito;
2) João também deu um presente a Maria = João também fez outras coisas, além de dar um presente = referente ao verbo;
3) João deu também um presente a Maria = João também deu outras coisas, como um abraço = referente ao objeto direto;
4) João deu um presente também a Maria = João deu também a outra pessoa = referente ao objeto indireto;
5) João deu um presente a Maria, também = ambiguidade.
Com só:
1) Só João deu um presente a Maria = ninguém mais deu = referente ao sujeito;
2) João só deu um presente a Maria = João só fez isso = referente ao verbo;
3) João deu só um presente a Maria = João deu só um, não dois presentes = referente ao objeto direto;
4) João deu um presente só a Maria = João deu só a Maria, a ninguém mais = referente ao objeto indireto;
5) João deu um presente a Maria, só = forma incomum, truncada
Já com sempre e nunca, o significado antes invariável apresenta agora sutis variações.
Comecemos com o sempre:
1) Sempre João dá um presente a Maria = ambiguidade (sempre ele ou segue o sentido 2);
2) João sempre dá um presente a Maria = sempre faz a mesma coisa = referente ao verbo;
3) João dá sempre um presente a Maria = nunca dá outra coisa = referente ao objeto direto;
4) João dá um presente sempre a Maria = nunca a outra pessoa = referente ao objeto indireto;
5) João dá um presente a Maria, sempre = ambiguidade (segue 2 ou 4).
Agora com nunca:
1) Nunca João dá um presente a Maria = ambiguidade (segue 2 ou, incomum, nunca ele);
2) João nunca dá um presente a Maria = nunca faz isso = referente ao verbo;
3) João [não] dá nunca um presente a Maria = sem o acréscimo do “não” é incomum, com o “não” segue 2;
4) João [não] dá um presente nunca a Maria = incomum, segue 3;
5) João [não] dá um presente a Maria, nunca = segue 3
Apesar disso tudo, continuam todos sendo adjuntos adverbiais (exceto o só, que numa das frases acima é adjetivo, como indiquei).
Há alguma explicação sintática para a mudança de sentido conforme sua colocação na frase?
Muito obrigado pela atenção.
«De tarde», «à tarde»
Gostaria de saber, caso existam, algumas diferenças entre as duas locuções adverbiais de tempo «de tarde» e «à tarde».
Será que «de tarde» não pode iniciar uma frase enquanto «à tarde» pode?
Obrigada!
«Cerca de» e «por volta de»
Gostaria de saber qual é a diferença entre «cerca de» e «por volta de», que me parecem idênticos. Seria melhor se colocasse alguns exemplos.
Obrigada!
A sintaxe de «vir de carro» (transportes)
Eu e alguns colegas gostaríamos de receber a vossa ajuda no que diz respeito à análise sintática da frase seguinte:
«O Silva veio de carro para a escola.»
Muito obrigada.
O significado e a tradução de bot
A propósito do ChatGPT, a mais recente ferramenta de inteligência artificial, li este título: «Os bots já são da família, mas trazem ameaças.»
Como a notícia não explica o que são "bots" e, muito menos, a sua correspondência em português, recorro, mais uma vez, ao Ciberdúvidas.
Os meus agradecimentos.
A expressão «atestado médico»
Devo dizer «atestado médico» ou «atestado de médico»?
Estilo e oração subordinada adverbial gerundiva
Sou revisora e, revisando, entravei-me neste trecho:
«Ela atua como intermediária entre o banco e o consumidor, sendo responsável por informar ao cliente documentações necessárias.»
Creio, e isso é pessoal, que se é possível evitar orações reduzidas de gerúndio e de partícipio, devemos fazê-lo, porque sempre trazem algum prejuízo à compreensão do leitor.
Neste caso, que deveria eu inferir? A oração «sendo...» sugere causa, modo/temporalidade?
Ou, ainda, que, aí, se vê uma oração coordenada assindética de gerúndio (que é algo que não se deve fazer)? Pendi muito mais ao último caso.
Adoraria ter a ajuda de vocês.
Obrigada!
A noção de «modalidade avaliativa»
Gostaria de saber o que é uma frase avaliativa e com exemplos por favor.
Concordância: «Bebidas é connosco»
No slogan de uma empresa de bebidas como deverá dizer-se?
1. Bebidas é connosco!
ou
2. Bebidas são connosco!
Existem algumas frases em que me parece não ter de haver concordância, dado que falamos mais de um conceito que do substantivo propriamente dito: «O meu cão é só asneiras!»
Obrigado.
