DÚVIDAS

Diferenciar uma oração relativa livre de uma subordinada interrogativa

Anteriormente enviei uma dúvida com o seguinte texto:

«Gostaria de saber se há algum critério seguro e bem aceito na língua portuguesa para diferenciar uma oração relativa livre de uma subordinada interrogativa. Minha dúvida é motivada pelo fato de que, ao que parece, uma interrogativa subordina é possível ser introduzida por preposição: “perguntou de quem era o vestido”, o que já não parece possível com uma relativa livre:*"conhece de quem era o vestido”. No entanto, o que me parece é que o que permite tal distinção seria o próprio significado relacionado ao verbo da oração principal. No entanto, eu fico em dúvidas numa frase como esta: “Imagino de quem ela falou.” Não sei se ela pode ou não ser considerada gramatical. Um critério que eu, a partir de algumas poucas leituras sobre assunto, tenho estipulado é o seguinte: substituir o pronome relativo livre por algum demonstrativo acompanhando de seu pronome relativo, se resultar agramatical ou se o sentido diferir bastante, tal oração então seria interrogativa, caso contrário, seria uma oração relativa livre. Ex. “Imagino quem entrou na sala” – ?“Imagino aquele que entrou na sala”. Esta última, além de soar um pouco esquisita, muda bastante o sentido da frase. Logo, parecer-me-ia que estamos diante de uma construção cuja subordinada é uma interrogativa indireta. A partir desses argumentos – os quais coloco em dúvida - não me pareceria absurda uma frase como a que eu mencionei anteriormente: “imagino de quem ela falou”, uma vez que por este critério – o qual não sei se pode ser válido – tal oração seria uma subordinada interrogativa, a qual poderia ser introduzida por preposição. Como eu tenho acompanhando algumas respostas de Carlos Rocha a perguntas sobre o tema, gostaria, se possível, que ele comentasse sobre minhas indagações. No entanto, deixo livre para fazê-lo qualquer consultor que tenha interesse.»

No entanto, acho pertinente apresentar exemplos da aplicação do critério acima proposto também nos casos em que há em jogo uma preposição na oração subordinada. A frase 5 não se encaixa nesses casos. Aqui os apresento:

1) «Imagino de quem ela falou» – «Imagino aquele de que ela falou» (O sentido muda, logo a primeira parece ser uma subordinada interrogativa.)

2) «Imagino do que gostas» – «Imagino aquilo de que gostas» (O sentido muda, logo a primeira parece ser uma subordinada interrogativa.)

3) *«Vi com quem você saiu ontem» – «Vi aquele com quem você saiu ontem» (O sentido permanece, logo a primeira subordinada, sendo uma relativa livre, não poderia estar preposicionada. Ter-se-ia então de transformá-la numa relativa com antecedente.)

4) *«Vi ontem de quem você gosta» – «Vi ontem aquele de que você gosta» (O sentido permanece, logo a relativa livre teria de ser transformada em relativa com antecedente. Exemplo igual ao anterior.)

5) «Eu conheço quem comprou os ingressos» – «Eu conheço aquele que comprou os ingressos» (O sentido permanece, logo, a primeira seria uma relativa livre.)

Grato.

Resposta

O critério proposto parece seguro desde que se tenha em conta que tal preposição faz sempre parte da regência do verbo da oração subordinada relativa livre. Por outro lado, a compatibilidade ou incompatibilidade resultam efetivamente da semântica do verbo que seleciona a oração.

Assim, quanto ao verbo imaginar, já aqui se comentaram as suas propriedades semânticas: como sinónimo de adivinhar, permite que uma oração introduzida por quem preposicionado seja interpretada como interrogativa indireta: «Imagino quem entrou na sala»; «Imagino de quem ela falou». Já como equivalente a visualizar, a oração é interpretada como relativa livre, e a frase deixa de ser aceitável — a não ser que substitua quem por uma construção de antecedente e que ou quem preposicionado: «Imagino aquele que entrou na sala»; «Imagino aquele de quem ela falou».

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