DÚVIDAS

e havia II

Cada vez mais ouço/leio a utilização do verbo haver, mais no Brasil, menos em Portugal, quando representando um período de tempo, flexionado a acompanhar o outro verbo duma frase.

Por exemplo: «O preso cumpria pena havia dois anos.»

Sempre soube que não se devia flexioná-lo e dizer: «O preso cumpria pena há dois anos.»

Agradeço que me seja esclarecida esta dúvida.

Resposta

Pode-se e é correto flexionar a forma no pretérito imperfeito do indicativo para marcar um intervalo de tempo.

Cabe, aliás, observar que a tradição purista – no Brasil e em Portugal – recomendava que, nas expressões temporais, haver ocorresse no imperfeito do indicativo sempre que o enunciado se reportasse a uma situação passada. Cite-se, por exemplo, o Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português (1958), de Vasco Botelho de Amaral:

«Notem-se estes passos: «... a fortificação, em que trabalhava havia dias...» (Frei Luís de Sousa, Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires, I, pág. 231, ed. 1850). «... havia mais de trinta anos desde que seu cunhado, que estudava para padre, morrera ético» (Camilo, A Brasileira de Prazins, 3.ª edição, pág. 6). Em tais exemplos, a expressão de circunstância temporal está com o verbo haver no pretérito, em correspondência com o tempo usado no verbo principal.

Modernamente, contra a índole da língua dos melhores escritores e do povo, com frequência se perde de vista o paralelismo das formas verbais, e redige-se: " dias que se trabalhava". Evite-se esta construção.»

Mais de sessenta anos depois de Botelho de Amaral ter escrito estas linhas, a tendência em Portugal é usar sempre – tanto formal como informalmente –, mesmo que a expressão temporal se articule com uma frase com o verbo nos tempos do passado. Ou seja, é invariável e está plenamente gramaticalizado para marcar intervalos temporais: «o preso cumpria pena há dois anos»; «o preso fora condenado há dois anos».

Nas fontes brasileiras, mantém-se o preceito recolhido por Botelho de Amaral, como se depreende das seguintes considerações de Maria Helena de Moura Neves, no seu Guia do Uso do Português – Confrontando Regras e Usos (Editora UNESP, 2003, p.395):

«Quando a indicação de tempo decorrido se liga a uma ocorrência do passado, há maior precisão usando-se havia ("fazia"), do que ("faz"). ♦ Com seus 406 quilos, esparramava-se HAVIA dois meses em cima de uma cama, imobilizada [...] ♦ O pijama azul provocara, HAVIA tempo, um conflito entre os dois irmãos [...].»

Resumindo, a forma havia é plenamente válida – e, para muitos, de rigor – em expressões de tempo referidas ao passado. Em Portugal, tende-se a preferir sistematicamente , mesmo nessas condições.

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