Vocábulo de uma terminologia específica – dos domínios da literatura e da linguística –, de facto, não é muito comum ver-se a palavra actancial num outro tipo de discurso. Por isso, parte-se do princípio de que o autor da frase apresentada conhece bem o seu valor a nível da narratologia, pois tudo nela indicia que, quando fala da «mentira como recurso actancial», não parece querer referir-se unicamente à mentira como um recurso «que desempenha o papel de actante [ser, coisa, força que participa da acção]», mas à função ou papel actancial desse recurso que, por sua vez, é «definido pela posição que assume e pelo investimento modal que leva a cabo (modalidades do querer fazer, do saber fazer e do poder fazer)» (Biblos, Enciclopédia das Literaturas de Língua Portuguesa, Lisboa/SãoPaulo, Verbo, 1997).
Assim, nesta frase, o termo actancial parece remeter para o do esquema de Greimas, que pressupõe a existência de «três pares de categoriais actanciais que, tendo por base a oposição binária [Sujeito/Objecto, Destinador/Destinatário, Adjuvante/Oponente], articulam três relações distintas – de desejo, de comunicação e de acção». (idem)
Se tivermos em conta estas categorias, depreendemos que todas se podem aplicar a essa frase. Vejamos, pois, a aplicação desse esquema a este caso: o recurso à mentira como um investimento na esfera do desejo (1.ª categoria - Sujeito deseja Objecto), encarando o destinatário como objecto de desejo e de comunicação (2.ª categoria) e cumprindo uma das funções (adjuvante ou oponente) representantes das forças do bem e de mal, respectivamente, quer facultando o desejo de comunicação, quer criando obstáculos à realização do desejo e à concretização de comunicação com o objecto (3.ª categoria).
Após esta pequena análise do valor do signo actancial, damo-nos conta de que, de facto, é um termo bastante rico a nível da significação e que, sobretudo, tem a capacidade de simbolizar uma série de funções a nível das relações. E o que é a mentira, afinal?! Não é, mesmo, um recurso que nasce do desejo (que pode ser de comunicação) de alguém sobre outro, desejo que pode levar esse alguém a tornar-se adjuvante (usando a cumplicidade) ou um oponente [dificultando a acção] para a concretização do que deseja? Em relação à mentira, a dificuldade reside na dúvida sobre qual dos dois papéis ela é agente: se surgiu para ajudar ou para dificultar…