Pergunta:
Sobre a frase «Espero poder tornar-me alguém de que gosto um dia», disseram-me que está incorreta, mas não percebo a razão.
Perguntei a alguns portugueses se lhes soava poética ou estranha. Uns disseram que "de quem gosto" soava melhor e outros "de quem goste".
Analisemo-la um pouco melhor. Dividirei a frase em duas partes: "Espero poder tornar-me alguém" e "Alguém de que gosto".
Como vedes, omitirei "um dia", pois não penso que mudará a frase completamente.
Podemos dizer que a segunda parte tem um "adjectivo" ("de que gosto") e pode ser substituído por um outro adjectivo (por exemplo, "agradável").
Quanto à primeira, "Espero" influencia "poder tornar-me", mas não parece influenciar directamente "alguém". Quem desempenha essa função é "tornar-me". Podemos dizer "Espero poder tornar-me alguém agradável" ou "Torno-me alguém de que gosto", penso eu.
O que quero dizer é que, em "Espero poder tornar-me alguém de quem goste", "Espero" parece harmonizar toda a frase. Mas em "Espero poder tornar-me alguém de que (ou de quem) gosto", "tornar-me alguém" passa a influenciar "de que gosto". Portanto não penso que a frase «Espero poder tornar-me alguém de que gosto um dia.» esteja incorrecta, se o que digo faz sentido.
Estou um pouco confuso e gostava duma explicação mais aprofundada.
Agradeço-vos o serviço!
Resposta:
A frase que apresenta coloca o problema do relativo a usar: que ou quem?
O pronome relativo que pode relacionar-se com qualquer tipo de antecedente, tenha este traços [+humano], [-humano] ou [lugar], por exemplo, conforme se atesta pelas frases seguintes, nas quais se destaca o antecedente:
(1) «O rapaz que figura neste filme é meu conhecido.»
(2) «O livro que comprei na feira é ótimo.»
(3) «A casa em que fiquei era confortável.»
Já o pronome relativo quem não aceita tanta diversidade de contextos de uso, uma vez que surge com antecedente com o traço [+humano], não sendo aceitável a sua construção com antecedentes com o traço [-humano]:
(4) «A rapaz a quem telefonei já me respondeu.»
(5) «*O livro a quem comprei é ótimo.»
A frase apresentada pela consulente convoca ainda o caso das orações relativas nas quais o pronome relativo surge preposicionado. Ora, nestes contextos, é possível usar o relativo que:
(6) «O rapaz a que emprestei um livro nunca me disse nada.»
No entanto, alguns falantes preferem usar, nestes contextos preposicionados relativos como quem, «o qual», cujo ou onde.
Assim, na frase apresentada pela consulente, haverá falantes que preferem usar o relativo quem:
(7) «Espero poder tornar-me alguém de quem gosto um dia.»
No entanto, ela está correta se a opção recair no pronome relativo que:
(8...