Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Que nome damos aos habitantes de Bruxelas?

Resposta:

O Dicionário Eletrônico Houaiss regista bruxelense como «relativo a Bruxelas (capital da Bélgica) ou o que é seu natural ou habitante; bruxelês». Na entrada bruxelês, remete-nos para bruxelense, o que significa que é este o termo preferível.

Pergunta:

Há uns dias li uma frase, que não recordo com exactidão, mas que utilizava o verbo endereçar da seguinte forma: «este assunto deverá ser endereçado...» Parece-me que esta utilização do verbo endereçar, que eu desconheço, é uma adaptação do inglês "address a problem/situation". Poderiam, por favor, informar-me se esta estrutura existe na língua portuguesa?

Agradeço antecipadamente.

Resposta:

O verbo endereçar quer dizer, além de «pôr o endereço em; sobrescritar», «dirigir; enviar». Assim, «este assunto deverá ser endereçado...» é o mesmo que «este assunto deverá ser dirigido...», embora a utilização do verbo endereçar, neste contexto, não seja muito habitual. Seria, pois, preferível usar o verbo dirigir ou enviar, mas a frase está correcta; e acrescente-se que endereçar vem «do lat[im] *indirectiāre, [com o significado de] "dirigir"».

[Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora]

Pergunta:

Gostaria de saber se é correto ou errado falar: «Fulano de tal tem baixa estima.» Ou necessariamente deve ser dito: «Fulano de tal tem baixa auto estima»?

E por que?

Resposta:

Com esse contexto, «necessariamente deve ser dito "Fulano de tal tem baixa auto-estima"». Estima é, essencialmente, «sentimento de carinho ou de apreço em relação a alguém ou algo; afeição, afeto» e, por isso, a frase «Fulano de tal tem baixa estima» fica incompleta. Ter-se-ia de lhe acrescentar, por exemplo, «... pelo seu patrão».

Já a frase «Fulano de tal tem baixa auto-estima» está completa, dado que auto-estima é «estima por si próprio» ou «opinião favorável de si mesmo».

Pergunta:

Certa gramática, cujo autor é brasileiro, registra "condestabeleza" como feminino do substantivo condestável. Ora, sendo sincero, essa forma parece-me estranhíssima e sem nenhum apoio clássico. Convosco a palavra. Muito grato!

Resposta:

Com efeito, o Dicionário Eletrônico Houaiss regista, como feminino de condestável, condestablessa (e não "condestabeleza").

Etimologicamente, condestável é a «lexicalização no lat[im] med[ie]v[al] do s[i]nt[agma] nominal comes stabŭli, "encarregado da estrebaria", por meio da seguinte sequência fonético-evolutiva: *comitemstabuli > *condestáble > condestabre ou condestável; ver conde e estábulo; f[orma] hist[órica] 1387 condestabre, sXV cõde estabre, sXV comdeestabre».

Ainda existe a variante condestabre, mas a forma preferível é condestável. Era, «no sXIV, posto militar de maior graduação no exército de Portugal, abaixo apenas da suprema chefia do rei»; «nos sXVII e XVIII, cabo que apontava e dirigia a artilharia da milícia, em Portugal e no Brasil colônia; chefe dos artilheiros nas fortificações e praças de guerra»; «no sXVII, a partir do reinado de D. João IV (de 1640 a 1656), título honorífico de alguns dos maiores senhores da corte (infantes, duques, marqueses), que conservavam levantado o estoque ("espada") diante do rei nos juramentos régios e dos príncipes»; e, numa derivação por metonímia, «dignitário que tinha tal graduação militar ou que ostentava tal título».

Pergunta:

A palavra declinar causa-me alguma confusão, na medida em que me parece algo contraditória. Assim, uma pessoa pode declinar a sua identidade e, neste caso, tem o significado de «enunciar». Mas ouço, muitas vezes, dizer que alguém declinou o convite, aqui no sentido de «recusar».

Podem elucidar-me?

Resposta:

Está correcto, dado que o verbo declinar significa «recusar; não aceitar; rejeitar»; e quer dizer ainda, como verbo transitivo, «afastar; evitar; desviar; enunciar; enumerar; abater; divisar; rebaixar». Na qualidade de verbo intransitivo, é «afastar-se de um ponto fixo; desviar-se; inclinar-se; diminuir; enfraquecer; decair; ir-se perdendo». Em gramática, é «flexionar (uma palavra) de acordo com a função sintáctica que desempenha na frase».

A palavra vem «do lat[im] declināre».

Em conclusão, é o contexto, como em quase todas as palavras, que nos pode elucidar sobre a acepção do verbo declinar.

[Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora]