Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor
<i>Frente a frente</i>: ortografia, morfologia<br> e um pouco de história recente

Em Portugal, com as eleições legislativas no horizonte (em 4 de outubro de 2015), é manifesta a hesitação dos media na grafia de frente a frente, quando pretendem fazer referência aos debates televisivos a dois da campanha eleitoral. Convém, portanto, referir que, no quadro do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO), a locução escreve-se sem hífen. Mais controverso é o respetivo plural.

Pergunta:

Qual é a origem da expressão «Vá, gira!» – como se explica que tenhamos o verbo ir na forma imperativa formal e o verbo girar na forma imperativa informal?

Desde já, muito obrigada.

Resposta:

A expressão não é dirigida diretamente ao destinatário da frase imperativa apresentada. É antes uma exclamação usada como interjeição para «encorajar ou ameaçar», conforme se descreve no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa converge com esta classificação, quando regista em entrada própria e lhe dá a seguinte descrição: «(forma do verbo ir) interjeição. Exclamação usada para encorajamento ou incentivo (ex.: "vá, vamos embora")». Por outras palavras, é frequentemente a forma imperativa formal de ir, e ocorre efetivamente assim numa frase como «vá para fora cá dentro»; contudo, hoje usa-se muitas vezes como interjeição, perdendo o valor gramatical original.

Acrescente-se que girar, na linguagem familiar de Portugal, pode significar «abandonar rapidamente um dado local», sendo, portanto, sinónimo de verbos como desaparecer e retirar-se (informação do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, que dá também as seguintes abonações: «Ao vê-lo, girou logo dali»; «Gira daqui, já te disse!»).

Pergunta:

Qual das seguintes formas está correta?

«Após a minha interpelação DOS alunos», ou «após a minha interpelação AOS alunos»?

Obrigado.

Resposta:

A forma correta é «a minha interpelação aos alunos».

Quando se trata do complemento que se refere ao destinatário da interpelação, recomenda-se a preposição a, como se atesta, por exemplo, na obra do escritor português Júlio Dinis, autor clássico do século XIX:

1 – «[...] pelas razões que o leitor já sabe e inda mais depois do malogro da interpelação ao missionário, não olhava com bons olhos para este [...].» (Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, 1869, in Corpus do Português).

Também no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa se abona esta regência entre os usos do substantivo interpelação:

2 – «O seu partido vai fazer na Assembleia uma interpelação ao Governo sobre o consumo de droga.»

Pergunta:

Gostaria de ter uma análise sintática da frase «Pessoas de boa índole agem favoravelmente a seu próximo»,  mais especificamente o valor sintático do advérbio favoravelmente.

Resposta:

Sobre a frase em apreço, proponho a seguinte análise, de acordo com a Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959 e a Moderna Gramática Brasileira (Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2009, págs. 408/409), de Evanildo Bechara:

«Pessoas de boa índole» = sujeito;

«agem favoravelmente a seu próximo» = predicado;

«favoravelmente» = adjunto adverbial;

«a seu próximo» = complemento do advérbio.

Assinale-se que o advérbio favoravelmente pode ocorrer com regência, selecionando um complemento – «favoravelmente ao seu próximo» –, uso que é abonado pelo dicionário da Academia das Ciências de Lisboa [«A Academia Portuguesa de História [...] pronunciou-se também favoravelmente ao projeto» (Expresso, 28.5.1988)] e pelo Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos (São Paulo, Globo, 2005), de Francisco Fernandes.

Pergunta:

O diminutivo de  – como depreciativo de  – escreve-se com, ou sem, acento na primeira sílaba?

"Fézinha", ou "fezinha"?

Resposta:

Escreve-se fezinha, tal como fezada (forma usada coloquialmente, na aceção de «grande convicção, palpite»).

Na escrita de diminutivos formados com os sufixos -zinho e -zito, as palavras agudas e os monossílabos acentuados (p. ex., café, , , , ) que servem de base a tais diminutivos perdem o acento gráfico na derivação; daí escrever-se cafezinho, pezinho, pazinha, pozinho e fezinha. Note-se que, tal como pazinha e pozinho, que têm a e o abertos foneticamente, as palavras cafezinho, pezinho e fezinha mantêm aberta a vogal e na pronúncia. É de assinalar que estas grafias já existiam no contexto da antiga norma ortográfica e não foram alteradas pelo novo acordo.