Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
347K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber como traduzir para português os seguintes termos de genética/bioinformática[*]:

– reads.

Exemplo: «In next-generation sequencing, a read refers to the DNA sequence from one fragment (a small section of DNA)» (Genomics Education Programme).

– contigs.

Exemplo: «A contig (as related to genomic studies; derived from the word “contiguous”) is a set of DNA segments or sequences that overlap in a way that provides a contiguous representation of a genomic region» (ibidem);

– assembly.

Por exemplo: «In bioinformatics, sequence assembly refers to aligning and merging fragments from a longer DNA sequence in order to reconstruct the original sequence» (retirado de "Sequence assembly", Wikipedia).

Desde já muito obrigado pela vossa ajuda.

 

[* N. E. – Traduções livres, pela mesma ordem: «Na sequnciação da geração seguinte, uma leitura refere-se à sequência de ADN proveniente de um fragmento (uma pequena porção de ADN)»; «Um contig (relacionado com estudos genómicos e formado da palavra contíguo) é um conjunto de segmentos ou sequências de ADN que se sobrepõem de tal maneira que permitem fazer uma representação contígua de uma região genómica»; «Em bioinformática, o termo «alinhamento de sequências refere-se ao alinhamento e à combinação de fragmentos a partir de uma sequência de ADN mais longa de modo a reconstruir a sequência original».]

Resposta:

A pergunta incide sobre a terminologia de um domínio científico que tem abundante literatura em inglês, como a maioria das atuais publicações científicas e como, aliás, os próprios exemplos em questão evidenciam. É, portanto, habitual que, nos países de língua portuguesa (e não só), os especialistas de cada  área científica empreguem termos ingleses, sem que, entretanto, se defina no discurso em português um padrão vernáculo capaz de disponibilizar traduções consagradas. Este é um problema comentado frequentemente e que requer certamente a intervenção planificada de uma entidade com competência na fixação de terminologias científicas (ver Textos Relacionados).

Quanto a saber se existem termos vernáculos equivalentes, com uso estável, que funcionem como traduções preferenciais, a resposta não é inequívoca. Assim, é possível aceitar que reads corresponde a leituras e assembly a «alinhamento de sequências». Contudo, contigs não tem mesmo tradução, pelo que, como termo especializado, se escreve em itálico, de modo a assinalar o seu estatuto de estrangeirismo1.

Sobre o significado de cada um dos termos em causa:

assembly/«alinhamento de sequências» –também «montagem de sequências», em referência ao alinhamento e associação de múltiplos fragmentos de uma sequência de ADN muito maior para reconstruir a sequência original (ver "Sequence assembly", Wikipedia em inglês, e artigos correspondentes em espanholcatalão e francês).

contigs – «sequências maiores de DNA [ADN] que são montadas por meio de sobreposi...

Pergunta:

No mundo das startups e do empreendedorismo no geral, o uso do verbo aplicar tem sido amplamente utilizado como sinônimo do verbo candidatar-se, por exemplo:

«Eu apliquei para a vaga de programador.»

«Eu me apliquei à vaga de programador.»

«Aplique para a vaga de programador.»

Existe equivalência semântica entre os dois verbos ou é apenas uma tradução equivocada do inglês to apply?

Se existe essa equivalência no português, qual é a transitividade adequada?

Resposta:

Trata-se de um uso duvidoso, se não incorreto, de aplicar por interferência do significado da construção inglesa to apply (for a job), ou seja, «candidatar-se a um emprego» (dicionário inglês-português da Infopédia).

O verbo utilizado no sentido de «apresentar-se para ser selecionado para funções profissionais» é candidatar-se, que tem transitividade indireta: «candidatar-se a (alguma coisa)».  Acrescente-se que to apply for tem entrada no Novo Dicionário de Expressões Idiomáticas Americanas (São Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2003), de Luiz Lugani Lopes, que o descreve como equiavlente aos verbos solicitar, pedir, requerer, candidatar-se .

 

CfExpressões curiosas da língua portuguesa  +  50 expressões idiomáticas + As 36 expressões mais caricatas da Língua Portuguesa Descubra algumas expressões do português de Portugal que são bem diferentes do brasileiro + 14 gírias e expressões do portu...

Pergunta:

Há na cidade da Horta, ilha do Faial, Açores, um lugar delicioso com uma magnífica praia de nome Porto Pim.

Vivi aí nove anos e nunca me ocorreu perguntar ou procurar ou ouvir falar nas aulas na origem deste tão singular nome. Até o Tabucchi o meteu no seu romance A Mulher de Porto Pim. E eu nada.

Peço-vos ajuda!

Resposta:

Também aqui não foi possível encontrar informação sobre a origem da forma Pim, incluída no topónimo composto Porto Pim.

Trata-se de um topónimo que aparece na cartografia de meados do século XVI. A hipótese de o relacionar com o apelido inglês Pym, como propõe José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), não é de rejeitar, tendo em conta as navegações quinhentistas que, de diferentes países europeus, se tornaram mais intensas como andar do século, mas, por enquanto, parecem faltar documentos que a sustentem.

1 Pym é apelido que também ocorre sob as formas Pymm, Pim e Pimm. Há quem explique o apelido como um hipocorístico do nome feminino Euphemia, mas tem mais favor a ideia da origem num nome próprio masculino do inglês antigo, Pymma (cf. P.H. Reaney e R. M. Wilson, A Dictionary of English Surnames, 2006).

Pergunta:

Na peça teatral Três em Lua-de-Mel (uma sátira ao Frei Luís de Sousa) da autoria de Henrique SantanaFrancisco Ribeiro (Ribeirinho) em que a protagonista é casada com dois homens, um outro personagem faz-lhe reparo que «isso é um caso de biandria e portanto, pode ser presa».

A minha pergunta é: existe o vocábulo "biandria"?!

Sei que o prefixo indica dois, mas não consigo encontrar a palavra em nenhum dicionário nem na Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

Obrigado pela vossa disponibilidade.

Resposta:

Não se encontrou registo nos dicionários aqui consultados1, mas a palavra não era desconhecida nos anos 50 do século passado.

O gramático normativo Vasco Botelho de Amaral (Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1958, p. 567) dedica um comentário a este termo:

«Biandria é palavra mal formada, porque bi é um prefixo proveniente do latim bis e andria vem do grego andrós, homem. Portanto, temos um evitável híbrido. Se precisássemos, poderíamos engendrar uma palavra para mencionar a situação da mulher com dois maridos. Será diandria, com o prefixo erudito di, proveniente do grego dis, isto é, duas vezes, e equivalente do latim bi. A poliandria é o estado da mulher com mais de um marido. Ora, se dois são mais do que um, segue-se que poliandria serve para mencionar a situação da mulher com dois. [...]»

Note-se que os dicionários registam diandria, mas com o significado de «carácter dos vegetais diandros» – e diandro é «[planta] que tem dois estames livres». É, portanto, insólito o uso de diandria no sentido de «bigamia feminina».

Sendo assim, parece que, mesmo no caso de duplo casamento referido a uma mulher, se pode aplicar bígamo, com a devida adaptação de género, que é bígama. Embora os dicionários de português consultados não registem tal uso, assinale-se em espanhol o emprego de bígama para a situação feminina  homóloga de bígamo (cf. dicionário da Real Academia Espanhola). Dado que em bígamo, o elemento -gam-

Pergunta:

Gostaria de saber qual é o gentílico de Dijon: dijonês ou dijonense?

Ao pesquisar, vejo que em português do Brasil se diz dijonense e que em espanhol também, mas confesso que me soa melhor dijonês. Será que as duas formas são admissíveis?

Agradeço, de antemão, a vossa ajuda.

Resposta:

Entre dijonense e dijonês, não parece haver forma claramente melhor que outra do ponto de vista da boa formação morfológica. Além disso, nem uma nem outra se destacam pelo uso corrente ou estável. Ainda assim, dijonense pode ser preferível.

Quando se trata de gentílicos relativos a localidades, são correntes os sufixos -ense e -ês: portuense (Porto), bracarense (Braga), flaviense (Chaves), dublinense (Dublim), ateniense (Atenas), mas pontevedrês (Pontevedra), burgalês (Burgos), milanês (Milão) e pequinês (Pequim). Há casos em que se registam oscilações como barcelonês/barcelonense e berlinês/berlinense. De qualquer modo, é relevante a observação que se faz no Dicionário Houaiss acerca do sufixo -ense:

«[...] é mister ter presente que, nos geônimos sem tradição própria dentro da língua e quando seus gentílicos não são introduzidos pré-formados, a tendência predominante é recorrer a -ense, raro a -ês, ou -ano, ou -ita (queniense, paquistanês e paquistanense, cambojano, vietnamita).»

Os casos mencionados pelo Dicionário Houaiss são de nomes pátrios, ou seja, de forma nominais e adjetivas referentes a países1, mas não se afigura impedimento a que esta observação se generalize a outros gentílicos.

No caso do gentílico da cidade francesa de Dijon (famosa pela sua mostarda), não é habitual fazer-se referência aos naturais desta cidade e, portanto, no momento de ativar uma forma gentílicia o mais provável será que os falantes oscilem entre os dois sufixos. Tendo em conta o caso de parisiense, é, não obstante, possível e cor...