Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É habitual ouvirmos dos profissionais da saúde (e não só) a designação "virosal" para identificar a origem/tipo de determinada doença.

Está correcta esta designação? Será "virosal" sinónimo de "viral"?

Muito obrigada.

Resposta:

Como não encontro registo escrito de "virosal", suponho que se trata de uma inovação, que do ponto de vista normativo é incorrecta, porque, além de não se entender a sua grafia — se a base de derivação é vírus, seria de esperar "virusal" —, já existe a palavra viral, «relativo a vírus ou causado por ele» (Dicionário Houaiss). Também se encontram dicionarizados virótico (idem) e vírico (Grande Dicionário da Língua Português de José Pedro Machado), com o mesmo significado que viral.

Pergunta:

Aos prezados consultores do Ciberdúvidas minhas cordiais saudações. Sempre lhes serei grato pela grande parcela de contribuição no processo de aprendizagem de nossa língua materna. Grande é vosso renome em nosso meio – no colégio, onde estudo –, sempre que posso faço menção de vossos textos nas discussões na aula de Língua Portuguesa, são muito bem apetecidos. Somos-lhes muito gratos.

Desta vez a questão que me veio é sobre os verbos colorir e colorar — segundo a maioria dos professores e gramáticas que consultei são defectivos. Porém, encontrei uma nota num dicionário (Bueno, Francisco da Silveira, 1898 – Dicionário escolar da língua portuguesa/Francisco da Silveira Bueno; colaboração de Dinorah da Silveira Campos; Giglio Pecoraro, Geraldo Bressane — 11. Ed. — Rio de Janeiro, FENAME 1983) que transcrevo: «Este verbo bem como colorir eram considerados defectivos. Hoje são conjugados normalmente em todas as pessoas e modos: coloro, coloras, colora, coloramos, colorais, coloram. Colore, colores, colore, coloremos, coloreis, colorem. De colorir: coloro, colores, colore, colorimos, coloris, colorem. Pres. do subj.: colora, coloras, colora, coloramos, colorais, coloram.» Fiquei confuso... Ainda há consignada a forma coluro no sítio do Priberam. Ela é correta? São ambos, afinal de contas, defectivos ou não? Qual vosso parecer?

...

Resposta:

Em nome do Ciberdúvidas, agradeço as suas palavras iniciais.

A conjugação do verbo colorir, a par de abolir, demolir ou polir, é tema controverso para gramáticos normativos e dicionaristas. Há quem defenda que o verbo colorir deve ser descrito como defectivo, comportando-se como abolir ou polir:

«[...] só se conjugam nas formas em cuja desinência existe i» (Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de Questões Vernáculas, São Paulo, Edições Ática, 4.ª edição).

Esta posição é referida por Maria Helena Moura Neves, no Guia de Uso do Português (São Paulo, Editora UNESP, 2003, na descrição que esta investigadora faz do uso de colorir (mantenho a ortografia do original):

«Verbo defectivo, conjuga-se apenas nas formas em que ao R se segue E ou I. Não existe, pois, a primeira pessoa do presente do indicativo, e, conseqüentemente, o presente do subjuntivo. Seus assistentes COLORIAM folhas de cartolina. [...] Palette, a maravilhosa espuma que — sem tingir — lava e COLORE seu cabelo, na discrição de sua casa!»

Alguns manuais só registam a existência de formas com desinência iniciada por i.

É esta também a conjugação que o Dicionário Houaiss atribui ao verbo colorir. O mesmo faz Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa (Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 226):

«A defectividade verbal é devida a várias razões, entre as quais a eufonia e a significação. Entretanto, a...

Pergunta:

Estimados senhores, abri há pouco uma empresa de arquitectura com um sócio, à qual demos o nome de MAVAA (Machado e Viana Arquitectos Associados). Acontece que há uma grande divisão na forma como o nome da empresa é lido: quem leia "máva" e quem opte por "mavá", acentuando a última sílaba por causa da existência do duplo A no final. Como presumo não existir na língua portuguesa o duplo A (ocorre-me apenas o nome de Abraão), considero que o nome dever-se-ia ler "máva", no entanto não tenho grandes certezas sobre esse facto. Poderiam elucidar-me sobre este aspecto?

Agradeço desde já a atenção.

Resposta:

Efectivamente, a abreviação MAVAA não se conforma aos padrões típicos de construção de palavra do português. Encarando-o como um acrónimo, isto é, como abreviação lida como palavra, uma possibilidade de interpretação pode ser deduzida da existência do nome de origem grega Nausícaa. Esta palavra, analisável como sendo constituída por quatro sílabas (nau.si.ca.a), tem acento na sílaba -si-, estando as vogais das duas últimas sílabas em hiato; é, portanto, possível haver uma palavra com dois aa finais em hiato. Contudo, não encontro registos de palavras com configuração silábica semelhante e acento tónico a recair sobre o a da penúltima sílaba: a existir tal palavra, é de esperar que essa vogal tónica tenha não o timbre fechado do a de -ca- em Nausícaa mas, sim, timbre aberto, porque aa fechados tónicos só ocorrem antes de consoante nasal. É, pois, de esperar que MAVAA soe como "maváa", palavra grave.

Mas o comentário prosódico sobre a estrutura em causa não pode ficar por aqui, porque se verifica na ligação de palavras em discurso que a sequência de um [a] seguido de um [ɐ] tende a ser pronunciada com crase, isto é, com redução de uma sequência de vogais a uma única vogal. Neste caso, prevalece o chamado aberto: por exemplo, uma sequência fará assim é pronunciada "faràssim". Tendo em conta este fenómeno, é, pois, de prever que a sequência MAVAA seja pronunciada e percebida como palavra aguda: "mavá".

Pergunta:

As frases ilocutórias declarativas podem ser ditas por qualquer pessoa que tenha poder para tal. No caso de estarmos a falar de um seminário, os professores padres têm o poder de dar uma ordem aos seus alunos; ex.: declaro recolher obrigatório a partir das 21 h!

A minha dúvida reside em saber se este exemplo está correcto.

Resposta:

A expressão «frase ilocutória declarativa» não existe enquanto termo generalizado na descrição linguística. Em lugar dela deve usar-se «acto ilocutório», que compreende vários tipos. O caso apresentado pelo consulente corresponde a um tipo de acto ilocutório, o acto declarativo, definido como aquele em que «[...] o locutor, mediante a realização com êxito de um acto de fala, modifica o estado de coisas do mundo ou cria um novo estado de coisas (baptismos, casamentos, nomeações, demissões, condenações, etc.)» (Dicionário Terminológico).

Pergunta:

No vosso glossário de erros mais frequentes, assinalam que a palavra "fogo-de-artifício" deve-se escrever com hífenes. Contudo, esta mesma palavra surge no Dicionário Houaiss sem hífenes, isto é: fogo de artifício.

Resposta:

Em Portugal, a palavra em apreço tem sido escrita com hífenes, ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1945 (cf. fogo-de-artifício em Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 1966). No Brasil, durante a vigência do Formulário Ortográfico de 1943, escrevia-se fogo de artifício, como se regista na edição de 2001 do Dicionário Houaiss Eletrônico. Com a adopção do Acordo Ortográfico de 1990, passa a escrever-se fogo de artifício tanto no Brasil como em Portugal seguindo o disposto no n.º 6 da Base XV – «Do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares» (cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC).