Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa etimologicamente o nome Jacó.

Obrigado.

Resposta:

Jacó é variante de Jacob, segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), que lhe atribui a seguinte etimologia:

«Do lat[im] Iacob, Jacob, ao lado de Jacobus, nome bíblico (filho de Isaac) do gr[ego] Iakob, ao lado de Iákobos, este do hebr[aico], provavelmente forma elíptica de Jakob´el, «Deus segue (isto é, "recompensa", segundo Hastings [Dictionary of the Bible edited by James Hastings, 1929], s. v.), mas há outras hipóteses (ver Nasc.-II [Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, por Antenor Nascentes, tomo II, nomes próprios, Rio de Janeiro, 1952].»

Anote-se que os nomes Iago (que dá origem a Tiago, por reanálise de Santiago) e Jaime são formas divergentes que evoluíram de Jacob.

Pergunta:

A palavra Cafarnaum deve ser acentuada?

Tenho encontrado "Cafarnaúm" e "Cafarnaum".

Obrigado.

Resposta:

Em Portugal, Cafarnaum é a grafia legítima, pelo menos, desde os anos 40 do século passado. Rebelo Gonçalves grafa assim este nome no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (Coimbra, Atlântida Editora, 1947, pág. 161), apoiando-se na Base XIV do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 1945):

«Prescinde-se do acento agudo nas vogais tónicas i e u de vocábulos oxítonos ou paroxítonos, quando, precedidas de vogal que com elas não formam ditongo, são seguidas de l, m, n, r ou z finais de sílaba, ou então de nh: adail, hiulco, paul; Caim, Coimbra, ruim; constituinte, saindo, triunfo; demiurgo, influir, sairdes; aboiz, juiz, raiz; fuinha, moinho, rainha

O caso de Cafarnaum é semelhante ao de Caim: trata-se de palavras agudas, estando as vogais da penúltima e última sílabas em hiato ("na-um", "ca-im").

No contexto da norma brasileira, encontra-se registo de cafarnaum (genericamente, «lugar em que há tumulto ou desordem»), como substantivo comum em resultado da recategorização de Cafarnaum (Dicionário Houaiss).1

A aplicação da Base X, 2.º do Acordo Ortográfico de 1990, não altera a grafia desta palavra (cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora).

1 Existe a variante cafarnaú (cf. Dicionário Houaiss), que tem acento gráfic...

Pergunta:

A palavra "incepiente" existe em português? E, se existe, a sua origem será do latim, provavelmente de incepcio? Em inglês, não obstante não ser uma língua latina, existem palavras, muitas vezes consideradas eruditas, com origem latina. No caso em análise, de incepcio, derivaram inception e inceptive. Curiosamente, está nos cinemas de Portugal, neste momento, um filme que se chama em inglês Inception e que em Portugal foi traduzido como A Origem.

Desde já muito obrigado pela atenção.

Resposta:

A forma mencionada está incorrecta, como incorrecta está também a forma do verbo latino.

A palavra certa é incipiente, do «lat[im] incipiens, entis, part[icípio] pres[ente] de incipĕre, "começar, dar princípio"». Ou seja, o vocábulo em apreço tem por radical a forma incip-, que ocorre em incipio, cujo infinitivo, como já se referiu, é incĭpere. Sublinhe-se, a forma latina em apreço não é "incepcio", mas, sim, incipio.

Assinalo também que se encontram dicionarizadas as palavras inceptivo e inceptor, que compartilham o mesmo radical latino incept-, «rad[ical] do part[icípio pas[sado] do v[erbo] lat[ino] incipĕre, "começar, dar início"» (Dicionário Houiass). A palavra inglesa inception é formada com este radical.

Pergunta:

1) Os períodos da História humana (paleolítico, mesozóico, cenozóico, etc.) devem ser grafados em maiúsculas, ou minúsculas?

2) A palavra humanidade (no sentido do conjunto dos seres humanos) deve ser grafada em maiúscula, ou minúscula?

Aproveito também para solicitar indicações das melhores gramáticas da língua portuguesa, em que eu possa sanar dúvidas como estas.

Antecipadamente agradeço.

Resposta:

Escrevem-se com maiúsculas:

a) as designações de períodos da história humana (Paleolítico);

b) e as de períodos da história da Terra (Paleozóico, Mesozóico, Cenozóico).

Quanto à segunda questão, não é necessário que humanidade se escreva com maiúsculas no sentido apontado.

 

N.E. [24/04/2014] – São estas as regras do uso das minúsculas e das maiúsculas, estipuladas no Acordo Ortográfico de 1990 (Base XIX): 

 

DAS MINÚSCULAS E MAIÚSCULAS

1 A letra minúscula inicial é usada:

a) Ordinariamente, em todos os vocábulos da língua nos usos correntes.

b) Nos nomes dos dias, meses, estações do ano: segunda-feira; outubro; primavera.

c) Nos bibliónimos/bibliônimos (após o primeiro elemento, que é com maiúscula, os demais vocábulos podem ser escritos com minúscula, salvo nos nomes próprios nele contidos, tudo em grifo): O Senhor do Paço de Ninães, O Senhor do paço de Ninães, Menino de Engenho, Menino de engenho, Árvore e Tambor ou Árvore e tambor.

d) Nos usos de fulano, sicrano, beltra...

Pergunta:

Gostava de saber o significado da palavra "piquelete" (penso que se escreve assim), que não encontro dicionarizada. E da expressão "a trouxo mouxo".

Obrigado!

P. S.: Relativamente à palavra "piqueletes", foi uma colega minha que a utilizou quando se referia aos "pinos" (?) duma porta USB de um portátil, que estava danificada (aqueles "dentes" que pressupõem o encaixe da ficha — não sei se me estou a fazer entender — estavam tortos/partidos).

Resposta:

Também não encontro dicionarizada a palavra piquelete. Apenas dou com ela numa página da Internet, no seguinte contexto:

«[...] depois na roldana tem um ESPIGÃO/PIQUELETE, mais a frente tem 2 buracos [...].»

Não é uma ocorrência muito esclarecedora, mas, visto aparecer associada a espigão, pode também interpretar-se como próxima ou sinónima desse vocábulo. Confirma-se assim a equivalência de piquelete com pino, visto espigão ter, entre as suas acepções, a de «pino metálico que se fixa no canal do dente para nele prender uma prótese» (Dicionário Houaiss).

Quanto a "trouxo mouxo", trata-se de deturpação de trouxe-mouxe, «ação desordenada, confusa».