Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho uma dúvida a respeito da forma como o verbo competir pode ser usado. Tenho algumas frases que formulei para um texto, mas não sei se estão corretas. Por exemplo:

«O que me permite, através da experiência e conhecimentos adquiridos com este trabalho, enriquecer e complementar o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que me competem»

ou

«O que me permite, através da experiência e conhecimentos adquiridos com este trabalho, enriquecer e complementar o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que competem a mim»

ou ainda

«O que me permite, através da experiência e conhecimentos adquiridos com este trabalho, enriquecer e complementar o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que me competem esta instituição»?

Ou seja, que a instituição competiu a mim («competiu-me»?)

Como seria a forma certa?

Obrigada.

Resposta:

O verbo competir pode ser:

– Transitivo preposicionado, ou oblíquo, com o sentido de «concorrer a um mesmo lugar ou posição que outros»: «O João compete com os colegas pelo melhor lugar.»
– Intransitivo, com sentido próximo do anterior («querer ou lutar pelas mesmas coisas que outrem»): «Os dois amigos competiam muito.»
–  Transitivo indirecto, significando ser direito ou atribuição de alguém: «Compete ao João fazer este trabalho.»

Nos dois primeiros exemplos que apresenta, o verbo é transitivo indirecto, desempenhando «me», ou a locução pronominal «a mim» (equivalente à anterior), a função de objecto indirecto e designando a pessoa que tem a atribuição de realizar determinadas actividades. No entanto, sempre que o objecto indirecto é representado pelo pronome oblíquo (a mim, a ti…), é norma proceder-se à repetição do pronome me antes do verbo, pelo que, no segundo exemplo, falta esse pronome:

«… o desenvolvimento das atividades e responsabilidades que me competem a mim.»

No terceiro caso, creio que o verbo apropriado, na linguagem comum, é atribuir e não competir.

«… actividades e responsabilidades que me foram atribuídas por esta instituição.»

Ou seja, a instituição tem competência para atribuir funções; àqueles a quem as funções foram atribuídas, compete desempenhá-las.

Dos três exemplos que apresenta, o primeiro está correcto, o segundo carece da repetição do pronome, tal como acabo de referir, e, quanto ao terceiro, proponho a alteração que registei acima, substituindo o verbo competir por atribuir e fazendo as alterações...

Pergunta:

Usar a expressão «repete igual» está errado?

Resposta:

Em linguagem comum, não tem muita lógica que se utilize a expressão «repete igual». No entanto, em contextos específicos, é bem provável que possa utilizar-se a expressão, sem que pareça um pleonasmo desnecessário.

Com efeito, pode, por exemplo, repetir-se uma ideia, mas com palavras distintas, procedimento muito comum em documentos destinados a apresentação oral. Ou pode repetir-se uma dada entidade, através de elipse (não está expressa, mas reconhecemos a sua presença, que identificamos como subentendida), ou de pronominalização: «O João comprou um livro e [o João] leu-o.»

Ora, se é possível haver repetições parciais, ou com alguma variação, poderá também haver repetições em que valha a pena frisar que devem ser executadas de forma exactamente igual. Mas saliento que a expressão «repete igual» só se justificará se o contexto e o conhecimento dos interlocutores tornar clara e, até, necessária a explicitação que o adjectivo igual veicula.

Pergunta:

Pergunta: "prunácea" ou "prunoidea", derivados do latim prunus, podem utilizar-se em português?

Comentário: observo que em artigos brasileiros essas formas são utilizadas, mas os dicionários portugueses parece que as desconhecem.

Obrigado.

Resposta:

As palavras em apreço estão bem formadas em português e não há nada que impeça a sua utilização. São termos utilizados sobretudo no âmbito da fruticultura, para designar a ameixeira e similares, e constam do Grande Dicionário de Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. O facto de não aparecerem em grandes dicionários mais recentes, quer editados em Portugal, quer editados no Brasil, como o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, ou o Dicionário Houaiss, poderá indicar que se trata de palavras cuja utilização geral tenha diminuído, restringindo-se a trabalhos ou estudos mais específicos. Note-se que os dicionários registam ainda outras formas com a mesma base: em todos os que consultei surgem palavras como pruno ou pruniforme. No dicionário de José Pedro Machado ocorre ainda prunina.

Pergunta:

Como se diz «em bom português»?

«Impõe-se concluir no sentido de que, no presente caso, toda a prova viu a sua eficácia precludida», ou «Impõe-se concluir no sentido de, no presente caso, toda a prova viu a sua eficácia precludida»?

Eu escreveria (e escrevo) como na primeira alternativa. No entanto, uma colega minha duvida do que lhe disse.

Muito obrigado pela atenção e disponibilidade.

Resposta:

As expressões «no sentido de» e «no sentido de que» existem ambas e ambas podem ser utilizadas, ainda que não da mesma forma. Quando se utiliza «no sentido de», o verbo que vem a seguir deverá estar no infinitivo. Quando se utiliza «no sentido de que», o verbo deverá estar conjugado.

Assim, nas frases em apreço, a única que está correcta é «Impõe-se concluir no sentido de que, no presente caso, toda a prova viu a sua eficácia precludida». Para que a segunda fique correcta, importa fazer a alteração no verbo: «Impõe-se concluir no sentido de, no presente caso, toda a prova ter visto a sua eficácia precludida.»

Numa breve pesquisa pelo Google pareceu-me haver preferência pela primeira ocorrência, ou seja, pela expressão «no sentido de que», sempre que se tratava de textos jurídicos.

Pergunta:

Porque é que denominam de "lusofonia" escritas que de "phones" ou sons nada têm, sendo exclusivamente grafias?

Não se deveria escrever "lusografia"?

Penso que sim!

É um dos erros sistemáticos dos teóricos da "Língua Escrita" e digo assim porque não têm voz, com frequência de som, sua intensidade e duração cronológica do timbre vocálico que aparece escrito.

Grato por resposta.

Resposta:

A questão que coloca é interessante, sem dúvida, e creio que pode ser analisada segundos dois pontos de vista:

– por um lado, a utilização comum que todos fazemos da língua e do vocabulário que temos ao nosso dispor…

– por outro lado, a utilização pelos investigadores e teóricos da escrita.

No caso do uso geral da língua, é muitas vezes difícil explicar a razão que leva a que determinadas palavras se imponham em detrimento de outras. No caso em análise, uma possível explicação para a generalização de lusofonia poderá advir de uma prática que se foi impondo talvez porque inicialmente a difusão fosse sobretudo oral. Neste sentido e tendo em conta o uso de lusofonia e de lusografia, prevalece o vocabulário mais associado ao registo oral do que ao registo escrito: identificamos os falantes de uma língua e agrupamo-los em -fonias (lusofonia, anglofonia, francofonia…). E a verdade é que esta palavra se impõe a outras. Raramente usamos neste contexto termos como ouvinte, ou escrevente, ou leitor, ou lente.

No segundo caso, estamos a falar já não do vocabulário em geral, mas de uma terminologia, utilizada numa área de investigação, criada, ou definida, para essa área, em que, a cada conceito, tem de, necessariamente, corresponder apenas um termo. Neste sentido só os investigadores poderão explicar o motivo da opção que foi feita. Eventualmente, essa explicação poder...