Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Não abdico de um bom pequeno almoço logo pela manhã.

Qual é a função sintática «de um bom pequeno-almoço»?

Resposta:

O constituinte «de um bom pequeno-almoço» desempenha a função sintática de complemento oblíquo.

Esta função identifica-se por meio de vários testes. Primeiro, completa o sentido do verbo abdicar e não é substituível pelo pronome pessoal na sua forma dativa (lhe/lhes), como se pode verificar na frase seguinte:

(1) *Não lhe abdico.

Este teste indica que o constituinte não tem a função de complemento indireto.

Um segundo teste a efetuar à construção dirá se o constituinte é complemento oblíquo ou modificador. Ora, «de um bom pequeno-almoço» não desempenha a função sintática de modificador, na medida em que a sua presença na frase é obrigatória, sendo exigida pelo verbo, visto que, de acordo com Celso Luft em Dicionário de Regências Verbais, abdicar é um verbo transitivo indireto que rege as preposições de ou em, como se verifica nas frases (2) e (3):

(2) D. Pedro I abdicou da coroa do Brasil.

(3) D. Pedro I abdicou em favor do seu filho. 

 

*Assinala a agramaticalidade da frase. 

Alguns contrastes no aspeto verbal do português <br> e das línguas eslavas

Um dos principais contrastes que existem entre as línguas eslavas e o português diz respeito ao aspeto verbal. Esta diferença serve de mote para este apontamento de Inês Gama que assinala que «ao passo que em português não se verifica uma correspondência direta entre formas linguísticas e propriedades aspetuais, uma vez que as indicações aspetuais são transmitidas por diferentes instrumentos linguísticos, nas línguas eslavas cada forma verbal tem marcada, através de mecanismo linguísticos próprios, a informação relativa ao valor aspetual». 

Pergunta:

O termo "bicamarário" existe? Os dicionários parecem não acolher este adjetivo enquanto sinónimo de bicameral/bicamaral designativo de um sistema político em que o poder legislativo está dividido em duas câmaras.

Resposta:

O termo bicamarário tem escassos registos nos dicionários de português. Bicameral é o adjetivo mais corrente, com o significado de «relativo ao bicameralismo (sistema político em que há duas câmaras legislativas)» (cf. Infopédia diz-se do sistema político em que há duas câmaras legislativas). 

Consultando alguns dicionários – Houaiss, Michaelis, AuleteInfopédiaDicionário da Academia das Ciências –, verifica-se que o termo bicamarário ainda não se encontra registado. Também numa pesquisa no Corpus do Português, de Mark Davies, não foram encontrados resultados associados a este vocábulo. 

Contudo, o dicionário Priberam dá conta da utilização desta palavra, classificando-a como adjetivo e apresentando uma nota a informar os seus utilizadores que em breve estará disponível uma definição. Num dicionário menos recente, o

Pergunta:

O que quer dizer a expressão «literatura de cordel»?

Resposta:

A expressão «literatura de cordel» diz respeito a um conjunto de textos escritos em verso, que eram, geralmente, publicados em folhetos. Este termo provém da forma como antigamente os livros eram expostos para venda, pois estes eram pendurados num cordel à porta das tipografias, livrarias e nas feiras. 

De acordo com a Infopédia, esta designação «aplica-se a um vasto conjunto de folhetos, de estilos e temas diversificados, em geral anteriores ao século XIX (altura em que a cultura de massas estava a nascer, uma vez que a imprensa estava vulgarizada e havia cada vez mais pessoas a saber ler)». Já segundo o E-Dicionario de Termos Literários, de Carlos Ceia, a literatura de cordel consiste em «poesia popular impressa em folhetos e vendida em feiras ou praças –, tal como é cultivado no Brasil até hoje (vésperas do Terceiro Milénio), teve origem em Portugal, onde por volta do séc. XVII se popularizaram as folhas volantes (ou folhas soltas), que eram vendidas por cegos em feiras, ruas, praças ou em romarias, presas a um cordel para facilitar sua exposição aos interessados». 

Os assuntos abordados por este tipo de textos eram muito diversificados. Tanto falavam de situações verídicas, tratando-as de forma satírica ou romanceada, como contavam histórias fantasiadas de gosto popular. No fundo, estes folhetos serviam para informar, mas também para entreter e divertir, aproveitando muitas vezes para atacar ou defender causas ou personalidades públicas. Devido aos seus temas variados, na literatura de cordel pode-se também incluir o romance, com caraterísticas mais populares e oralizantes (p. ex. as histórias infantis), ou o teatro. 

Esta forma de literatura popula...

Pergunta:

A palavra pouco pode inserir-se em diferentes classes/subclasses, como a dos quantificadores existenciais, a dos pronomes indefinidos, a dos advérbios de quantidade e grau ou até a dos nomes. Além disso, o dicionário prevê ainda que este vocábulo seja um adjetivo. Em que contextos? Nesse caso, como distinguir dos quantificadores? Obrigado pela vossa ajuda!

Resposta:

Efetivamente a palavra pouco pode pertencer a várias classes de palavras. Só a análise em contexto frásico permite determinar a classe de palavras a que este vocábulo pertence. Por isso, analisemos os seguintes exemplos: 

(1) «Poucos livros foram vendidos.»

(2) «Poucos vieram à festa.»

(3) «Ela pouco falou ao longo do dia.»

(4) «A comida servida era pouca.» 

Em (1) o termo «poucos» é um quantificador, visto que, incidindo sobre o nome livros, indica a quantidade desse conjunto que foi vendida. Já em (2), a palavra «poucos» pertence à classe dos pronomes indefinidos porque corresponde ao uso pronominal de um quantificador. Em (3), «pouco» é um advérbio, uma vez que apresenta informação sobre a quantidade da situação descrita como «falar ao longo do dia». Por fim, em (4) «pouco» é um adjetivo, que surge em posição predicativa, uma vez que predica sobre o nome, concordando com este em género e número. Note-se que, na qualidade de adjetivo e de advérbio, pouco é graduável em grau (pouquíssimo). Contudo, salienta-se que o uso de pouco como adjetivo parece mais residual e, refira-se, mantém o valor de quantificação, que, neste caso, incide sobre o sujeito.