Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora
A derivação no contexto do Português como Língua Estrangeira (PLE)
A importância do seu ensino

A importância do ensino da morfologia derivacional no contexto do Português como Língua Estrangeira (PLE) é o tema de uma reflexão de Inês Gama, que considera que «no ensino da formação de palavras, cabe ao professor dotar os aprendentes de estratégias que lhes permitam entender o funcionamento do léxico da língua, nomeadamente os processos que intervêm na sua criação, como é o caso da derivação».

Pergunta:

'Passei a encontrar a expressão humano como nome em vez de adjetivo, significando «ser humano».

É correto ou mais uma importação do inglês?

Resposta:

Está correta a utilização do termo humano enquanto nome, embora possa também ser usado como adjetivo. 

Segundo o dicionário online Infopédia, a palavra humano pode ser usada como adjetivo com o sentido «do homem ou a ele relativo» ou ainda com o significado de «bondoso, compassivo», como por exemplo: 

(1) O João teve uma atitude humana. 

O mesmo dicionário também informa que este vocábulo pode ser utilizado como nome coletivo e com a aceção de «os homens». No Corpus do Português, de Mark Davis, é possível identificar vários exemplos do uso do termo humano enquanto nome, como ilustra a frase seguinte presente na obra Zargueida da autoria de Francisco de Paula Medina e Vasconcelos e cuja publicação é de 1884: 

(2) «(...) Para bravo investir qualquer humano / Que por alli quizer passar insano». 

Quanto à sua origem, nada indica que seja uma importação do inglês, uma vez que é possível encontrar esta palavra com o mesmo significado de «seres humanos» em obras do século XIX, como se pode verificar no Corpus do Português. Além disso, etimologicamente, a palavra humano teve origem no vocábulo latino 

Pergunta:

Minhas dúvidas estão em volta de uma coisa que foi me ensinada no ensino fundamental e que eu diversas vezes presenciei: que, quando numa sala cheia de "garotas" e com somente um "garoto", os termos corretos a se dizer são sempre no masculino, por ex., «todos vocês».

Logo, se há mais de um gênero de pessoas num mesmo espaço, é obrigação do enunciador dizer os termos em masculino.

Isso não implica que o gênero masculino é também, em determinadas circunstâncias, o termo neutro da língua portuguesa?

Logo, mesmo me referindo a um grupo formado somente por não-binários e mulheres, o correto termo a usar é “eles”.

Então, o termo neutro da língua portuguesa, (pelo que eu entendo ser o “elus”), só pode ser usado para se referir a um grupo de não-binários, e não a todos os gêneros que forma o espectro?

Seria tudo isso correto, ou o uso do masculino, quando se fala com o público geral, é só um sinal do machismo/misoginia na língua portuguesa?

Resposta:

A pergunta foca vários aspetos e, por isso, exige uma resposta repartida que os aborde. 

De facto, o género masculino deve ser usado quando se pretende referir um grupo composto por homens, mulheres e, até mesmo, não-binários, uma vez que, de acordo com a gramática, no plural, as formas do masculino são entendidas como não marcadas, tal como afirmam Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo (p. 250). Por esta razão, embora a gramática tradicional não equacione diferentes géneros como o neutro (tal como ocorre no latim) ou o não-binário, o género masculino é a forma não marcada que denota referentes com géneros diferentes. 

Contudo, alguns apologistas da linguagem inclusiva optam por, na expressão escrita, recorrer a sinais como @ ou X quando se referem a um grupo composto por vários membros de diferentes géneros, como por exemplo: 

(1) Bom dia a tod@s

(2) Carxs alunxs

Todavia, dada a dificuldade em transpor o uso destes sinais para a oralidade, verifica-se também a opção pelo uso de expressões que recorrem a termos flexionados tanto no género masculino como no feminino, como por exemplo:

(3) Boa tarde, portugueses e portuguesas. 

É preciso ter em atenção que o género gramatical nada tem que ver com o género biológico, uma vez que, do ponto de vista gramatical, o género é uma categoria lexical usada para classificar os nomes (p. e., nomes do género masculino; nomes do género feminino; nomes comuns de dois, etc.), sendo que palavras de outras classes (p.e., ...

Variação e norma linguística
O ensino da norma-padrão e da variação linguística

«O ensino da língua, ao promover um conhecimento linguístico consciente, deve superar o saber falar e escrever e permitir uma reflexão sobre a complexa rede linguística de uma comunidade, uma vez que a escola não deve ser castradora da variação linguística

Neste artigo, Inês Gama reflete sobre a norma e variação linguística e a importância do seu ensino na escola, tendo em conta que qualquer língua é considerada um sistema heterogéneo, aberto e dinâmico, que se carateriza pela diversidade do seu uso pelos falantes.

Pergunta:

A expressão «bem-vindo de volta» é pleonasmo?

Resposta:

Tudo indica que nesta expressão não há pleonasmo. 

Segundo o E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, o pleonasmo é uma «figura de estilo utilizada sempre que se tenha como objetivo reforçar uma ideia (...) torna-se, portanto, uma redundância (emprego de uma ou várias palavras que repetem uma ideia já contida em vocábulos anteriores).» Nesta plataforma, as seguintes expressões são consideradas como exemplos de pleonasmos:

(1) «a tristeza mais triste»

(2) «subir para cima»

Em (1) a repetição do significado de privação de alegria ocorre entre o nome tristeza e o adjetivo triste. Já em (2) a reiteração da ideia mover-se para a parte mais alta acontece entre o verbo subir e o nome cima.

No caso específico da pergunta, o adjetivo bem-vindos pode significar «que chega, que chegou bem», «que é bem recebi...