Luciano Eduardo de Oliveira - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Luciano Eduardo de Oliveira
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Luciano Eduardo de Oliveira, poliglota, tradutor, professor de idiomas, formado em Letras na Unifac Faculdades Integradas de Botucatu.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nesta frase, «Li um texto gostoso», poderemos considerar a existência de uma metáfora?

 

Resposta:

Não. A metáfora é uma comparação (sem que apareçam conetivos como a conjunção como) em que sói aparecer o verbo ser ou outro verbo de ligação, como em «Amor é fogo que arde sem se ver». Em «Li um texto gostoso», temos simplesmente o adjetivo gostoso a significar «agradável», segunda acepção do dicionário Aulete.

O que se poderia sugerir – e uma vez que esse adjetivo apela ao «gosto» (que, por seu lado, remete para a ideia de «paladar») – era uma possível alusão à sinestesia, recurso que nos transporta para as sensações.

Pergunta:

Emprestado varia em gênero e número, funcionando como predicativo em frases como «Tomei emprestada uma caneta», «Pedi-lhe emprestadas vultosas quantias»?

Resposta:

Sim, varia. Dá-se a concordância nominal normal independentemente da posição que ocupe o adjetivo.

Pergunta:

Certo dia me deparei com uma questão de conjugação que me deixou inculcado. Após ler o período que transcrevo abaixo imaginei que tivesse algum erro:

«Aos meus pais que nunca mediram esforços para me ajudar.»

Eu achei meio estranho então, sugeri: «Aos meus pais que nunca mediram esforços para me ajudarem.»

Contudo, continuei achando estranho, daí começaram as dúvidas: O verbo ajudar concorda com pais, ou com me? Há, ou não, a flexão?

Resposta:

A flexão aí é opcional, portanto tanto a frase original quanto a frase que lhe soa melhor são corretas, por haver somente um sujeito: «os pais». Há autores que dizem que a não flexão acentua mais o verbo, e a flexão, o sujeito da oração. Seria obrigatória se os sujeitos fossem diferentes, por exemplo, em: «Aos meus pais, que nunca mediram esforços para os meus irmãos e eu estudarmos.» Note que deveria haver uma vírgula por se tratar de oração adjetiva explicativa.

Uma observação: o consulente quis escrever encucado, não inculcado.

Nota: Aconselha-se, também, a consulta desta resposta.

Pergunta:

Tenho uma dúvida cabal com relação à pronúncia/forma correta das seguintes frases.

O correto é:

«Nós devemos nos identificarmos com a Nação», ou «Nós devemos nos identificar com a Nação»?

«Nós devemos nos superarmos diante das dificuldades», ou «Nós devemos nos superar diante das dificuldades»?

Resposta:

As formulações corretas são aquelas em que aparece o infinitivo impessoal: «Nós devemos nos identificar com a Nação» e «Nós devemos nos superar diante das dificuldades». O infinitivo não se flexiona se é precedido por um verbo já flexionado (neste caso, devemos), como poder, dever, querer, pretender, etc. Note que dizemos «Queremos sair hoje», e não «Queremos sairmos hoje». A presença do pronome reflexivo nos nas duas frase nada altera.

Três observações estilísticas:

1. Poderia prescindir-se do pronome nós, a menos que se queira enfatizar ou contrastar o sujeito.

2. «Superar-nos diante das dificuldades», ou «superar as dificuldades»? A primeira parece significar que temos de ser melhores do que já somos; já a segunda indica as dificuldades como barreira que devemos transpor.

3. Uma colocação pronominal mais canônica e no Brasil tida como mais formal seria «Devemos identificar-nos» e «Devemos superar-nos» ou «Devemo-nos identificar» e «Devemo-nos superar».

Pergunta:

Sempre ouço por cá, especialmente na programação televisiva, a expressão «É nóis na fita». Bem, para os linguistas está tudo certo, pois para eles não existem erros, de modo que semelhantes dizeres representam a «evolução do idioma». Então, pergunto-vos: têm eles razão?

Resposta:

Não me parece que os linguistas afirmem que está tudo certo, o trabalho deles é descrever como a língua é de fato usada sem darem juízo de valor. Eles descrevem a língua como é, não como deveria ser.

É claro que, normativamente, «É nóis na fita» não é adequado, já que não há concordância verbal e a grafia "nóis", que espelha a pronúncia de vários brasileiros, não se encontra dicionarizada. Aliás, esse i de apoio, bem comum antes antes das letras s ou z, como em arro(i)z, fa(i)z, fe(i)z, pu(i)s, etc., chama-se epêntese e é um fenômeno linguístico que atinge quase todo o Brasil. Pelos meus ouvidos e minha pouca experiência, parece que não se dá somente nos estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, mas este dado precisaria de confirmação.

Todos sabemos que o correto é «Somos nós na fita», mas esta expressão não teria sentido nem graça nenhuma, até pelo fato de ela ser usada em situações completamente informais e até, por que não dizer?, para chocar um pouco. Em situações formais, optar-se-ia por outra formulação ou, o que é mais provável, simplesmente não se diria nada do gênero.