Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na língua portuguesa, de Portugal, a palavra adjunto enquanto nome não existe no feminino?

É correto usar «adjunta do diretor«? Ou terá de ser «a adjunto do diretor»?

Obrigada.

Resposta:

Adjunto, do latim adjunctus, a, um, particípio passado de adjungere, «prender, atar, juntar, unir, acrescentar, jungir», pode ser um substantivo masculino ou feminino, de acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa da Academia das Ciencias de Lisboa. De acordo com este dicionário (pág. 86), se nos referirmos a uma «pessoa agregada a outra para a auxiliar nas suas funções», este uso de adjunto como substantivo terá dois géneros, masculino e feminino: «escolheram-no para adjunto do chefe da secretaria» ou «escolheram-na para adjunta do chefe da secretaria».

Noutros sentidos, como aglomeração de pessoas/ajuntamentos, ou quando nos referimos a um constituinte de frase que não é indispensável, que pode ser suprimido sem que a frase deixe de ser gramatical, ou mesmo ao sintagma que modifica o termo a que está associado, o substantivo adjunto tem somente o género masculino. 

Acrescente-se que adjunto pode pertencer à classe dos adjetivos. Neste caso, também ele pode ser masculino ou feminino e usa-se nos sentido de «que está junto , contíguo», «que se acrescentou» – «todas as circunstâncias adjuntas à emulação das riquezas bastariam para explicar a rivalidade» –, «que ajuda, auxilia; que está associado a uma pessoa da qual depende no desempenho de um cargo – «procurador adjunto, diretora adjunta» (ibidem).

Pergunta:

Atente-se na seguinte passagem:

– Sabes se nessa praia há actividades náuticas?

Mergulho, há. Quanto a outro tipo de actividades, não estou certo.

O uso da vírgula na oração «mergulho, há» está correcto?

Obrigada!

 

O consulente escreve de acordo com a norma ortográfica de 1945.

Resposta:

Comece-se por referir que a frase «Mergulho, há» configura uma construção de topicalização, isto é, estamos perante uma frase cujos constituintes não estão na sua posição recorrente – sujeito-verbo-complementos –, mas há, sim, na mesma uma deslocação do complemento direto, encontrando-se este antes do verbo haver. Nestes casos, não há muitas fontes que validem a obrigatoriedade do uso de vírgula entre o complemento direto e o predicado.

Contudo, a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 404, nota 6) refere que «o estatuto periférico destas posições é assinalado na escrita através de uma vírgula ou, em certos casos, de reticências; na oralidade, as expressões que ocupam estas posições apresentam-se sempre demarcadas entoacional ou ritmicamente do resto frase». Conclui-se, assim, que o uso da vírgula no exemplo apresentado é correto e obrigatório. 

Pergunta:

Antes de mais, espero que tenham tido umas boas férias.

Tenho esta pergunta reservada há alguns dias: escreve-se «um asa-delta» ou «uma asa-delta». Os dicionários divergem: compare-se, por exemplo, o dicionário da Porto Editora com o Priberam...

Muito obrigado.

Resposta:

Dicionários como a Infopédia, o Houaiss e o Portal da Língua Portuguesa atribuem ao composto asa-delta – «aparelho usado na prática do vôo livre, e que consiste numa vela mais ou menos triangular, de tecido não poroso, geralmente sintético, montada sobre uma estrutura rígida, à qual se prende o praticante» (Dicionário Houaiss) – o género feminino, contrariamente àquilo que refere o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Note-se que a atribuição do género masculino ao substantivo no dicionário Priberam constitui uma exceção no contexto das fontes consultadas, pelo que, não se descortinando o motivo desse facto e admitindo até que se trata de uma gralha que não foi detetada, se recomenda o uso de asa-delta como substantivo feminino.

 

Nota: apesar de não se relacionar com o que acontece em língua portuguesa, ressalte-se que em espanhol, substantivos femininos iniciados com a tónico como ala delta (asa-de...

Pergunta:

No trecho: «Conhecedor dos levantamentos populares tidos lugar em Lisboa e em outras localidades do país, após o falecimento do rei D. Fernando...», a expressão "tidos lugar" é gramatical?

Eu escolheria escrever «levantamentos populares que tiveram lugar [ou "aconteceram"] em Lisboa».

No exemplo em questão, o particípio passado "tidos" tem papel de adjetivo? E que função desempenha o substantivo lugar?

Aproveito o ensejo para parabenizá-los pelo excelente trabalho em prol de nosso idioma.

Obrigado.

Resposta:

Tal como evidencia a sequência em apreço – «Conhecedor dos levantamentos populares tidos lugar em Lisboa e em outras localidades do país, após o falecimento do rei D. Fernando...»  é agramatical. A sequência correta deveria ser: 

(1) «Conhecedor dos levantamentos populares que tiveram lugar em Lisboa e em outras localidades do país, após o falecimento do rei D. Fernando...».

Sinonimamente, poder-se-ia também dar outra formulação:

(2) «Conhecedor dos levantamentos populares ocorridos/acontecidos em Lisboa e em outras localidades do país, após o falecimento do rei D. Fernando...».

Acontece que o verbo ter é um verbo transitivo e o seu partícipio passado não se pode associar a um sujeito ativo, que neste caso é «os levantamentos». Para optarmos pelo partícipio passado de ter – tidos – teríamos uma construção com sentido passivo, que se referiria a lugar e não ao sujeito «os levantamentos».

Não obstante, construções como «os levantamentos ocorridos em Lisboa» ou «os acontecimentos acontecidos em Lisboa» já são gramaticais e, no caso, sinónimas da apresentada, porque os verbos ocorrer acontecer  são verbos instransitivos.

Pergunta:

Pedia que me esclarecessem se a frase apresentada é coerente atendendo à sintaxe do verbo treinar:

«Vou treinar a conduzir na mota do meu pai.»

Aproveito ainda para vos perguntar se é admissível a expressão destacada («conduzir na...») ou se o verbo conduzir apenas suporta um complemento direto.

Cordialmente.

Resposta:

A frase «vou treinar a conduzir na mota do meu pai» é possível e aceitável, mas as construções «treinar a conduzir» e «conduzir na mota», não parecendo completamente consolidadas, podem revelar-se discutíveis numa perspetiva estritamente normativa.

A frase «vou treinar a conduzir (alguma coisa)» está correta, se «a conduzir (alguma coisa)» for equivalente a «conduzindo (alguma coisa)» ou «enquanto conduzo (alguma coisa)», que são orações adverbiais. Talvez menos óbvia se torne a aceitabilidade de «a conduzir (alguma coisa)» como complemento de treinar, à semelhança de aprender em «aprender a conduzir»  Com efeito, quando treinar ocorre como transitivo direto, verifica-se que este verbo é seguido geralmente não de construção no infinitivo, mas sim de um substantivo: «treinar a condução»1. A haver infinitivo, como no exemplo, espera-se que ao verbo se associe uma oração subordinada adverbial final, ou seja, «treinar para conduzir uma mota»2.

Relativamente à segunda questão, se «conduzir na mota» é aceitável, pode afirmar-se que coloquialmente o é, como uso equivalente ou análogo a «andar na mota», ou seja, «deslocar-se (naquele meio de transporte)»3. Note-se, porém, que os registos deste verbo nas fontes consultadas não apresentam a possibilidade do seu uso com preposição («conduzir em»), razão por que, num registo mais formal, se sugere que se opte por «conduz...