Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2. Com pós-graduação em Edição de Texto, trabalha na área da revisão de texto. Exerce funções como leitora no ISCTE.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é a origem e significado do provérbio «casa roubada, trancas à porta»?

Resposta:

Trata-se de um dito popular, e este tipo de frases raramente tem uma origem histórica conhecida. É o caso também de «casa roubada, trancas à porta», que tem a variante «casa arrombada, trancas à porta», conforme se regista em O Livro dos Provérbios Portugueses, (Editorial Presença), de José Ricardo Marques da Costa.

A frase refere-se à necessidade de tomar medidas de proteção ou segurança, que muitas vezes se concretizam quando já se torna um pouco tarde ou desnecessário. Por exemplo, se alguém afirmar que «foi criado um sistema de segurança informático, após o sistema ter sido invadido por hackers», e uma pessoa reagir, dizendo «casa roubada, trancas à porta», o dito tradicional pode constituir uma leve censura, por não se terem acautelado medidas de segurança a não ser depois da invasão dos piratas informáticos.

Pergunta:

Cada vez mais oiço as pessoas a utilizarem a expressão «isso não é assim tão simples, não é tão preto no branco». Sempre achei que fosse «preto e branco». «Preto no branco» é uma variante ou é a expressão correta a utilizar nesse contexto?

Resposta:

A expressão, na aceção de «muito claramente, que não oferece dúvida» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa), que é a demonstrada no exemplo apresentado – «isso não é assim tão simples, não é tão preto no branco» –, é preto no branco.

Já a expressão a preto e branco é usada, de acordo com o mesmo dicionário, no sentido de «que não é colorido, que não é a cores», portanto, não funcionaria no exemplo acima. 

Note-se, ainda, que a locução adverbial preto no branco pode ainda ter sentido de «por escrito», como «a declaração ficou preto no branco, para qualquer um poder lê-la». Existe também a expressão pôr preto no branco que significa: «registar, passar a escrito; esclarecer uma situação» (ibidem).

Pergunta:

Sendo uma palavra recente e um estrangeirismo, qual a grafia correta: ebook? e-book? e-Book? E o plural?

Obrigada.

Resposta:

No Portal da Língua Portuguesa vem atestado e-book («livro eletrónico que se pode ler num aparelho eletrónico, como um computador, um tablet, ou um dispositivo próprio para o efeito»), cujo plural é e-books. Esta fonte refere o termo como sendo um estrangeirismo1, o que significa que o tratamento do mesmo, quando escrito, deve ser especial  entre aspas ou em itálico, por exemplo.

Contudo, quando se pesquisa no dicionário em linha Infopédia,  a entrada e-book existe mas remete-nos para outra: ebook. Sendo que é o único dicionário, dos consultados2, que remete para esta forma, não se consegue precisar o porquê, mas infere-se que a mesma é incorreta, uma vez que em inglês, a palavra original é grafada com hífen. 

 

1 Tratando-se de um estrangeirismo, consultaram-se dicionários ingleses (Lexico, da Oxford, e Merriam-Webster) que deram conta desta única grafia.

2 Para efeitos de validação da atestação do verbete, foram consultados os dicionários Houaiss, Priberam,

Pergunta:

Como se chamam os habitantes do Restelo?

Resposta:

O gentílico associado aos habitantes do bairro lisboeta Restelo é restelense, isto é, podemos chamar os seus habitantes de restelenses. Pesquisas feitas na web (aqui, aqui e aqui)  indicam que esta denominação já está sedimentada.

A formação deste gentílico segue uma das formações mais comuns: ao radical restel-, do topónimo Restelo, junta-se o sufixo -ense. À semelhança deste caso temos tantos outros:portuense (relativo a Porto), aljubarrotense (relativo a Aljubarrota), pacense (relativo a Paços de Ferreira ou Beja1) , entre outros.

 

1 O gentílico de Beja é pacense, porque se toma como base de derivação o radical pac-, de Pace, forma de Pax Julia, nome romano da cidade.

Pergunta:

Sei que as palavras que não foram, ainda, adaptadas para a nossa língua devem ser escritas em itálico ou levar aspas. Todavia, sempre que vejo a palavra nutricoaching aparece sem qualquer uma das hipóteses. Qual a grafia correta, por favor?

Obrigada.

Resposta:

De facto, os chamados estrangeirismos devem ter um tratamento especial, seja ele entre aspas, seja em itálico. Contudo, neste caso em concreto, nutricoaching, estamos perante um caso diferente. Acontece que este substantivo, que pode ter como correspondente «orientador nutricional» (sendo que não se pode confundir com um nutricionista, porque, neste caso, o nutricoaching tem por objetivo equilibrar as emoções aos comportamentos alimentares, de alguma forma pretende motivar os bons comportamentos alimentares), é um hibridismo, numa primeira instância, e uma amálgama, numa segunda. Veja-se então:

– é um hibridismos porque a um constituinte do português associa outro constituinte de uma língua diferente/estrangeira»: o anglicismo coaching;

 é uma amálgama, porque estamos perante uma nova unidade lexical que se formou a partir da fusão de duas outras: nutri (elemento de formação de palavras que exprime a ideia de nutrição, alimentação) + coaching (anglicismo).

Não obstante o exposto, cabe salientar que a palavra terá origem em território português, como sugere uma  pesquisa Google, cujos resultados incluem até uma marca registada (cf. Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

Posto isto, trata-se de um caso dúbio, de pseudoestrangeirismo1, que, à semelhança de pedipaper, se escreverá em itálico, apesar de conter um elemento de composição de feição portuguesa.

 

1 Os dicionários de língua inglesa consultados – Cambridge ...